O Estado de S. Paulo
Que finalmente entre em debate o Brasil
real, um país com potencial ímpar, mas que precisa redesenhar seus caminhos com
urgência.
Encerrado o primeiro turno das eleições,
celebrando a democracia e consolidando o uso das urnas eletrônicas como um
diferencial de segurança e transparência do processo eleitoral, o País já está
pautado pela votação final deste pleito. Abre-se, com isso, uma oportunidade
que foi tristemente desperdiçada até agora: a efetivação de um debate sobre o
Brasil real, com suas urgências, suas oportunidades, enfim, sua realidade tão
complexa quanto promissora.
O processo político relativo ao primeiro turno esteve destituído de uma discussão comprometida com as verdadeiras questões nacionais. À moda da lacração e das narrativas pontilhistas das redes sociais, o que mais se viu, em todos os quadrantes, foram proposições elaboradas ao sabor da hora. As falas não compuseram um texto aderente ao Brasil de hoje.
O que mais se prometeu foram terrenos na
Lua, tamanha a falta de lastro no chão da realidade da maioria do que se
afirmou. O problema dessa conversa lunática é encontrar no dia seguinte à posse
quem lavre as escrituras das promessas de conquista de votos. Frustrações em
cima de frustrações não ajudam a caminhada democrática – muito pelo contrário,
são um propulsor de sua ruína.
O Brasil, até pela gravidade dos efeitos
dos desarranjos socioeconômicos que vem acumulando ao longo de sua trajetória,
sabe o que precisa ser feito. Discursos populistas podem até nublar o foco que
deveria ter uma eleição, mas uma conversa séria e comprometida com o País neste
momento, além de ser evidência de honestidade republicana, se colocaria como um
tempo precioso de conscientização e mobilização da sociedade para a dura tarefa
de governar a Nação a partir de 2023.
O nosso país, que historicamente não
enfrenta seus problemas estruturais, vai ter de encarar realidades nacional e
internacional nada amigáveis. O mundo está andando à moda de caranguejo, de
lado, bem afastado da bonança de tempos atrás. Sofre as consequências da
pandemia, inflação e juros em alta, invasão russa na Ucrânia, China e Ásia com
desempenho empalidecido, cadeias globais de suprimento em vertigem e ataques
totalitários à democracia. As perspectivas mundiais são desafiadoras e com ecos
por aqui.
A agenda que diz respeito a nós não será
menos complicada. Apesar de melhoras no mercado de trabalho e de desempenho do
PIB, já convivemos com um descrédito crescente quanto aos rumos da economia. É
uma tarefa impositiva reancorar as expectativas econômicas. E isso só se faz
com política fiscal responsável.
A educação básica sofreu um baque maior
entre nós do que no resto mundo durante a pandemia. Nossas crianças e jovens
estiveram longe das salas de aula por um período muito extenso. O Sistema Único
de Saúde (SUS) passou por uma prova de fogo e resta evidente que precisa ser
repensado e robustecido. O que dizer da violência e da segurança pública, cujos
indicadores e realidade são trágicos? É urgente que retomemos as reformas
estruturantes, como aquelas modernizadoras do Estado e do sistema tributário
nacional. Em face do aumento da pobreza e da fome, é imprescindível reorganizar
as políticas assistenciais, tornando-as também fatores de transformação
estrutural da condição socioeconômica do País.
O futuro do Brasil demanda que se enfrentem
os dias com o melhor de nosso espírito cidadão. E isso quer dizer que é preciso
parar de repetir erros, ainda que reembalados com os discursos do momento. Se
não vale reeditar equívocos, vale aprender com eles, assim como devemos focar
nas lições de iniciativas bem-sucedidas, aqui e lá fora.
Desviando-nos de uma outra infeliz mania
nacional – o enfrentamento da realidade com ilusionismos baratos –, é preciso
cumprir o caminho pedregoso do dever de casa. Apesar das facilidades
inconsequentes que brilham na trilha dos populismos, são as escolhas certas,
que nem sempre são as mais fáceis, que nos afastarão do fundo do abismo de um
país injusto e indigno de suas potencialidades.
Também é fundamental se preparar para
aproveitar as oportunidades. A economia descarbonizada se coloca como uma
grande potencialidade para o Brasil, que tem know-how em bioeconomia e acervos
ambientais que lhe permitem ser um dos protagonistas desta nova era. Há o
desafio de enfrentar as criminalidades que assolam nossos biomas, com especial
atenção à Amazônia. Superada a tarefa de dotar o País de segurança jurídica,
infraestrutura e digitalização se colocam como espaços de oportunidades. A
desorganização das redes planetárias de suprimentos também abre brechas para a
reindustrialização.
Que neste segundo turno, entre finalmente
em debate o Brasil real, aquele país que tem um potencial ímpar, capaz de
promover ampla prosperidade, mas que também é uma nação que precisa
urgentemente redesenhar seus caminhos, afastando-se de séculos de injustiça
socioeconômica e desvarios institucionais. Que o Brasil que podemos e merecemos
ser esteja na pauta da conversa civilizada e republicana que toda democracia de
verdade demanda e enseja. Que o caminho até as urnas eletrônicas do segundo
turno seja pavimentado pelo compromisso com a realidade, seus desafios e
oportunidades.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ, membro do Conselho Consultivo do Renovabr, foi governador do estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
Reflexão sensata.
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