Folha de S. Paulo
Confronto se dá entre vegetarianos e
carnívoros diante da carne humana
Os economistas Edmar
Bacha e Pedro Malan divulgaram uma nota conjunta em apoio a Lula.
Juntam-se, assim, a André Lara Resende, Pérsio Arida e Armínio
Fraga, que já o haviam feito. Esses nomes estão na origem e na sustentação
do Real, o mais ousado, criativo e bem-sucedido plano de estabilização da
economia, em tempos democráticos, de que o mundo tem notícia. Arrumar as contas
é até fácil caso se ignore o sangue derramado. Paulo Guedes, admirador do
"ajuste" pinochetiano, sabe disso. Não fez parte da geração que
conseguiu vencer a desordem econômica em tempos de paz.
Os "economistas do Real" evidenciam estar atentos à era do horror e à fome dos canibais diletantes e profissionais. Dão, ainda, uma aula importante a alguns noviços da responsabilidade fiscal como um fundamentalismo, que cobram que Lula apresente um plano detalhado de governo. Fundamentos são importantes, mas sua derivação viciosa, traduzida naquele "ismo", perverte a substância.
O petista, insiste o noviciado, não
apresentou um "plano detalhado de governo", como se a desordem
econômica e política que Bolsonaro promove apontasse para algum norte que não a
reeleição. Os doutores dão relevo, e com acerto, ao compromisso do petista,
demonstrado mais por atos do que por palavras, com a responsabilidade fiscal.
Mas há mais.
Economia não é conversa de nefelibatas,
alheia ao que se passa na terra. O ajuste que essa turma promoveu no país,
volta-se ao ponto, tinha um pressuposto: a democracia. É essa ampla escolha
civilizatória que os leva à mais restrita, de natureza política. E olhem que
poderia haver aí razão para uma "metralhadora cheia de mágoas", como
cantou Cazuza.
O PT fustigou o Real impiedosamente e pagou
um preço político por isso, que é a única forma de ajuste de contas aceitável
no regime democrático: foi derrotado em 1994 e em 1998 no primeiro turno.
Exalto, em particular, a temperança de Pedro Malan, que, à frente do Ministério
da Fazenda, foi um dos principais alvos do petismo. Ademais, aquele que os
reuniu para a grande obra, FHC, também já declarou seu voto no petista. Antes
do "plano detalhado", o pressuposto, como quer a etimologia: a
democracia.
A turma do Real lembra um tempo —quiçá
voltemos a ter divergências que não forcem alianças à beira do abismo— em que,
por mais acerbos que fossem, os confrontos ainda tinham eira e beira e se
travavam embates em ambientes que eram deste mundo, entre os vivos, deixando em
paz a terra dos mortos. Corre-se agora um risco de esgarçamento do tecido
democrático que pode nos levar a um ciclo de longa degeneração das
instituições.
Em sua primeira reação depois da realização
do primeiro turno, Bolsonaro fez mira, mais uma vez, no Supremo. Não é uma
obsessão pessoal. É um plano. Data
de 26 de maio de 2019 o primeiro ato golpista que promoveu. O governo não
havia sofrido ainda derrota nenhuma no tribunal.
Precisamos recuperar dos escombros a
civilidade para que um menino preto não seja preso por um PM que lhe diz:
"Vai gritar Lula lá na África", depois de lhe dar um golpe nas
costas. Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que um governante
não se alie ao vírus, contra a vacina, empurrando o povo, como gado, à
"imunidade do rebanho".
Precisamos recuperar dos escombros a
civilidade para que pobres não morram em camburões transformados em câmaras de
gás. Precisamos recuperar dos escombros a civilidade para que um presidente da
República não atribua a alta votação do adversário ao analfabetismo, tratado
como mácula e desonra. O plano econômico da hora é a democracia. É isso o que
está em jogo.
Enquanto escrevo, vem-me a lembrança a fala
de Bolsonaro, então pré-candidato, jactando-se em entrevista ao New York
Times, de
não ter comido carne humana em suposto ritual indígena porque gente de sua
equipe não quis acompanhá-lo. O canibal diletante tratava a coisa como um
de seus atos de coragem e desassombro: "É a cultura deles". Ele só
lhes impõe "a nossa" quando se trata de, na prática, promover a
invasão de terras indígenas pelo garimpo pistoleiro.
Chegamos, pois, ao extremo de a eleição ser
também um confronto entre vegetarianos e carnívoros quando a matéria é a carne
humana.
É, recuperar dos escombros a NOSSA civilidade, porque a do GENOCIDA e seus cúmplices nunca existiu...
ResponderExcluir''Eu queria ver o índio sendo cozinhado'',que coisa mais macabra,Bolsonaro precisa de oração e não de voto.
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