sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Vera Magalhães - Brasil: ontem, hoje e amanhã

O Globo

Eleição de domingo marca uma mudança de era, e está em jogo a vigência plena da democracia

A eleição de domingo será a última sob o signo da Nova República. Caso Luiz Inácio Lula da Silva seja eleito para um inédito terceiro mandato desde que foram restabelecidas as eleições presidenciais, em 1989, anunciou que fará seu último governo. Isso projeta para 2026 um cenário de disputa com novos nomes. Se Jair Bolsonaro vencer, a superação do ciclo pós-redemocratização, que sua primeira vitória prenunciava, se completará quatro anos antes.

Nessa mudança de era, o que está em jogo é a vigência plena da democracia. A Nova República teve início com a escolha de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, etapa final da superação da ditadura. Foi marcada por momentos de instabilidade econômica e política, inclusive com dois impeachments, mas não por ameaça real à independência dos Poderes ou às demais garantias constitucionais.

Foi esse risco, de uma vitória de Bolsonaro solapar a normalidade institucional, que levou forças tão distintas do espectro político, da esquerda à centro-direita, a se unir naquela que é a frente mais ampla desde as Diretas Já, que inaugurou o período histórico que caminha para o epílogo.

E por que a primeira eleição de Bolsonaro não encerrou a Nova República? Justamente pela sobrevida dada a Lula, principal líder popular dessa quadra histórica, depois de uma jornada sem precedentes que inclui três eleições perdidas, duas ganhas, a unção e queda de uma liderança improvável como Dilma Rousseff, a prisão e a posterior anulação das penas.

Lula sabe do peso histórico da possibilidade de redenção que pede ao eleitor brasileiro e que enfrenta uma forte resistência por parte de quase metade da sociedade. Alguns gestos da campanha, sobretudo neste segundo turno, demonstram essa consciência e funcionam como sinalização de que ele reconhece que, como disse em seu discurso de vitória em 2002, na Avenida Paulista, não tem (mais) o direito de errar (de novo).

O vídeo em que um nonagenário Fernando Henrique Cardoso, cuja saúde está sabidamente debilitada, aparece de terno e gravata e conjuga na mesma fala a estabilidade econômica do Real à preocupação social dos governos lulistas é um epílogo até há poucos anos inimaginável para a disputa entre PT e PSDB, a mais persistente e representativa da era que agora caminha para o fim.

A presença de Geraldo Alckmin como vice na chapa da última batalha de Lula foi o primeiro gesto dessa aproximação entre antípodas, operada pela percepção de que o bolsonarismo é um movimento reacionário, de negação da política, que coloca em xeque o Estado Democrático de Direito.

Essa não é uma constatação francamente majoritária no país, tanto que a chance de vitória de Bolsonaro no domingo é menor, mas real. Aceitar que a metade de nós chancela o que foram os últimos quatro anos é crucial para que comecemos a projetar o que será este Brasil da nova era.

Em caso de vitória de Bolsonaro, haverá aval para que ele avance na direção da concretização de um projeto que ele nunca escondeu: “enquadrar” o Judiciário, “escancarar a questão do armamento”, misturar cada vez mais religião e política e apostar na exploração econômica da Amazônia, para ficar em alguns pontos.

Em caso de vitória de Lula, será preciso entender que a governabilidade dependerá de não dar as costas às forças que caminharam em sua direção já na festa de vitória. A carta que faz a feliz escolha de usar a palavra “amanhã” no título demonstra que o petista parece entender o tamanho do desafio. E da responsabilidade de encerrar este ciclo histórico e pessoal se redimindo de erros que ele pode não admitir, mas sabe que cometeu.

 

2 comentários:

  1. A violência bolsonarista preocupa até o papa Francisco, que rezou “a Nossa Senhora Aparecida para proteger e curar o povo brasileiro, para libertá-lo do ódio, da intolerância e da violência”. Ou seja, para nos salvar da reeleição do GENOCIDA!

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