O Globo
A indicação de um nome para o Ministério da
Fazenda ajuda nas negociações da PEC da Transição, mas a possível nomeação de
Fernando Haddad para o cargo tem um sentido maior e ulterior. Ela mira desde já
a eleição de 2026. O mais testado e reconhecido quadro petista, Haddad está se
preparando e sendo preparado para a era pós-Lula. Ainda há no PT muitos que
acreditam que o presidente eleito vai concorrer à reeleição, mas mesmo estes
admitem que é fundamental ter um Plano B. Para outros, e não poucos, Haddad é o
Plano A.
Para estar em condições de concorrer e vencer uma eleição presidencial, Haddad terá que estar nos próximos quatro anos sob intensa luz. A visibilidade é uma das mais importantes premissas de uma candidatura majoritária. Ensinam os especialistas em pesquisas que a luminosidade dá ao candidato a possibilidade de uma largada competitiva. Se voltar para a Educação, o petista pode até fazer um bom trabalho, mas jamais terá os holofotes que a Fazenda lhe garantiria. Claro que o exemplo de José Serra mostra que é possível emergir de uma pasta importante mas lateral, fora do foco político, para o centro. Entretanto, as circunstâncias que encaminharam a eleição de 2002 não estão presentes agora.
A razão de Lula testar o nome de
Haddad tem também o sentido de proteção ao seu partido. Os mesmos holofotes que
estariam sobre Haddad jogarão luz em qualquer um que ocupe a pasta. Em 2010, o
candidato natural à sucessão de Lula seria Antônio Palocci, petista que na
Fazenda virou o queridinho do mercado, mas que caiu em desgraça no episódio da
quebra do sigilo bancário do jardineiro Francenildo Costa. Evidentemente nem
sempre funciona, ou nem sempre basta intensa luminosidade para se eleger
alguém. Henrique Meirelles é a prova disso. Mas o problema é que ele foi
ministro da Fazenda do governo Michel Temer, o mais rejeitado da história da
República.
De todo modo, a simples citação de Haddad
para o cargo demonstra confiança de Lula no êxito do seu terceiro mandato. Se
sua administração naufragar, o ministro da Fazenda será o segundo culpado,
depois do presidente, e qualquer pretensão política submergirá junto. Nesse
sentido, a indicação de Haddad é um bom sinal. Para acertar na economia e
oferecer resultados que animem a nação e seus cidadãos, o governo terá de
alinhar políticas sociais eficientes, prometidas na campanha e urgentes no
país, a uma boa gestão fiscal.
O mercado deveria trabalhar com esta
perspectiva em favor da nomeação do petista. Como lembrou Arminio Fraga na
semana passada, um fracasso do governo Lula poderá acarretar na volta da
extrema direita bolsonarista. A dobradinha com Pérsio Arida evidentemente torna
mais palatável a equipe econômica. E como há um objetivo político no contexto,
é correto afirmar que o novo governo vai fazer tudo o que for necessário (e exigido)
para acertar na economia e viabilizar o potencial candidato à sucessão de Lula.
Mesmo porque, não se conhece governo que tenha dado certo gastando mais do que
arrecada.
O fato de Haddad ser advogado e
professor não atrapalha, como tampouco o diploma de médico atrapalhou Palocci.
Economia se gerencia com equipe e política. Mas, para os mais resistentes, vale
observar que o petista lista em seu currículo um mestrado em economia, embora a
dissertação tenha sido “O caráter sócio-econômico do sistema soviético”, e
doutorado em filosofia, com a tese “De Marx a Habermas, o materialismo
histórico e seu paradigma”. Ex-ministro da Educação por sete anos e ex-prefeito
de São Paulo, o petista evidentemente já provou que sabe administrar.
Até aqui, Haddad é a vontade de Lula. Mas
as resistências são muitas, até mesmo dentro do PT. Essas, Lula resolve, o
problema é a pressão que vem de fora.
A justa punição
Há quem diga que a punição imposta por
Alexandre de Moraes a Valdemar Costa Neto, através da coligação partidária
liderada pelo PL, foi exagerada. Que bastaria indeferir o pedido de impugnação
de 279 mil urnas feito pelo PL e seguir adiante. Pois é exatamente isso o que
as instituições têm feito desde o primeiro crime cometido por Jair Bolsonaro
ainda no começo do seu mandato. Mais de cem pedidos de impeachment por cerca de
50 crimes foram ignorados na Câmara; acima de uma dúzia de pedidos de
investigação foram engavetados pela Procuradoria-Geral da República. Esta impunidade
recorrente ao longo dos últimos quatro anos incentivou todos os demais
crimes contra a democracia que foram cometidos desde então e que se repetem
agora, com os “patriotas” que pedem intervenção militar nas portas dos quartéis
ou na forma da ação de Valdemar pela anulação de milhares de urnas. Não, a
punição de R$ 22,9 milhões à coligação e o bloqueio dos fundos partidários não
foram exagerados. Houve obviamente litigância de má-fé que atentou contra a
democracia. O pedido para investigar o próprio Valdemar e seu advogado também é
correto. Chega de passar pano para golpistas.
De olho em Nardes
Há ainda o caso do ministro do Tribunal de
Contas da União Augusto Nardes, que incitou o golpe quando mandou
mensagem a amigos pecuaristas anunciando um hipotético (ou patético) movimento
na caserna em favor dos golpistas. Não seria o caso de Moraes olhar isso
também?
Tipos de golpistas
Há pelo menos dois tipos de golpistas
inflamando o Brasil desde a eleição de Lula. Os que vestem camisa da seleção,
se enrolam em bandeiras e pedem intervenção em frente aos quartéis, e os que
usam terno e gravata e se perfilam em torno da Praça dos Três Poderes,
como Valdemar e Nardes. Estes são mais perigosos do que aqueles. Estes têm
objetivo privado, aqueles são apenas massa de manobra.
Lula e os militares
As conversas entre o governo eleito e os
militares estão em curso, mas andando em ritmo muito lento. É preciso
apressar o passo. Quanto mais cedo for anunciado o nome do ministro da Defesa e
do chefe do Exército, melhor. Os comandantes militares também querem passar
logo o bastão aos substitutos, como revelou o Estadão. É hora de Lula avançar.
PT com Lira
A PEC da Transição é o principal
instrumento de pressão de Arthur Lira nas negociações com o governo eleito. O
presidente da Câmara usa a mais básica das promessas que Lula fez na campanha
para fortalecer a sua briga pela reeleição. Pode até parecer uma troca
exagerada, mas não é. O PT, que aparentemente já decidiu apoiar Lira,
quer começar o seu quinto mandato presidencial com tranquilidade e
sem sobressaltos. Melhor usar atalhos onde for possível e negociar sempre.
PT contra Simone
O problema é que o PT trabalha com dois
pesos. Ao mesmo tempo em que faz salamaleques e troca gentilezas com Arthur
Lira, torpedeia a senadora Simone Tebet. Ao bolsonarista de carteirinha, que vestiu
a camiseta amarela e fez o que pôde para derrotar Lula, o partido sinaliza com
apoio à sua reeleição. Para a ex-candidata do MDB que apoiou Lula no segundo
turno, narizes torcidos e campanha contra sua nomeação para
ministério relevante. É o caso de sempre, o partido nasceu para ser escorpião e
estará sempre pronto para picar, mesmo que seja o sapo que o ajudou a
atravessar o rio.
Ruralistas x Caiado
Agropecuaristas invadiram a Assembleia
Legislativa de Goiás contra imposto que o governador Ronaldo Caiado quer criar
para compensar perdas do ICMS cortado em favor da redução do preço da gasolina.
O governador bolsonarista, ex-criador e ex-presidente da outrora famosa União
Democrática Ruralista (UDR), agora sofre o impacto do populismo fiscal que
apoiou para impulsionar a candidatura derrotada de Bolsonaro.
Tarcísio erra
Ao se deixar dominar pela ala mais ideológica do bolsonarismo, aliando seu futuro governo a extremistas de direita e lideranças evangélicas oportunistas, o governador eleito de São Paulo parece estar antecipadamente recusando papel de protagonismo da nova direita brasileira pós-Bolsonaro.
Torcendo pela Simone Tebet.
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