quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Bruno Boghossian - O Golpismo de cartola

Folha de S. Paulo

Presidente não desautoriza contestação eleitoral e tenta manter protagonismo na direita

Jair Bolsonaro não demonstrou intenção de condenar o golpismo ou pedir que seus apoiadores reconheçam a derrota na eleição. O presidente quebrou um silêncio de mais de 40 horas com uma declaração de 2 minutos, que teve como objetivos manter sua base engajada e reduzir os danos de sua saída do poder.

Em nenhuma palavra, Bolsonaro desautorizou seguidores que contestam a escolha de Lula ou pedem uma intervenção militar para impedir sua posse. Ao contrário, mediu palavras para deslegitimar a vitória do adversário quando afirmou que o bloqueio de estradas é fruto de "indignação e sentimento de injustiça" em relação ao processo eleitoral.

O presidente fez reparos apenas às ferramentas usadas pelos manifestantes. Criticou o cerceamento do direito de ir e vir, mas não a pauta golpista. Ele chegou a se incluir entre os apoiadores ao usar a primeira pessoa do plural: "Os nossos métodos não podem ser os da esquerda".

Bolsonaro se recusa a admitir publicamente a derrota porque interessa a ele manter sua base fiel nesse estado de "indignação e sentimento de injustiça". A contestação do processo eleitoral ajuda a nutrir a ideia de que ele foi derrubado pelo sistema político e preservar protagonismo.

Não houve tentativa de disfarçar esse propósito. Bolsonaro gastou boa parte do tempo enaltecendo o crescimento da direita e reivindicando a chefia desse grupo. Disse ser "uma honra ser o líder de milhões de brasileiros" que defendem pautas como a liberdade econômica e "as cores verde e amarela".

Se a baderna nas rodovias diminuir, não será por força das declarações de Bolsonaro, mas pela atuação das polícias estaduais —que fazem o trabalho que deveria ser executado por agentes do governo federal.

Bolsonaro só tentou se desvincular das ações criminosas porque busca proteção. Em mais de uma ocasião nos últimos anos, ele demonstrou publicamente o receio de terminar como a ex-presidente boliviana Jeanine Añez, presa por conspirar contra o resultado de uma eleição.

 

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