segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Demétrio Magnoli - Linaga, o novo partido lulista

O Globo

Lira dá ao presidente eleito a PEC da Transição e recebe, em troca, a manutenção do 'orçamento secreto'

Liga Nacional pelo Gasto (Linaga) — eis um nome apropriado para o novo partido articulado entre Lula e Arthur Lira. É um partido único, que reúne todos os partidos, da esquerda à direita, reconciliados em torno do populismo fiscal. Sua ata de fundação prevê um intercâmbio: o presidente da Câmara dá ao presidente eleito a PEC da Transição e recebe, em troca, a manutenção do “orçamento secreto”, com o apoio velado à sua reeleição.

A PEC da Transição é, de fato, uma PEC Kamikaze 2. Sua versão original, aprovada em julho com os votos indispensáveis da maioria da oposição, inclusive do PT, conferia a Bolsonaro o direito de perfurar o teto de gastos. A adesão da coalizão lulista à emenda (in)constitucional destinava-se a estabelecer um precedente: se o presidente pode perfurar o teto para nutrir suas chances de reeleição, por que o presidente eleito não poderia arrombá-lo para cumprir suas promessas de campanha?

A PEC Kamikaze original continha uma armadilha: a validade do auxílio de R$ 600, que caduca em dezembro. Lula poderia contorná-la pelo atalho de usar os recursos orçamentários para pagar o valor ao longo do primeiro semestre de 2023, enquanto negociaria despesas extraordinárias com o Congresso. A negociação envolveria uma nova âncora fiscal, em substituição ao teto de gastos desmoralizado pela PEC Kamikaze. A hipótese, porém, foi descartada pelo presidente eleito, em nome das suas exorbitantes promessas de campanha.

Lula prometeu leite e mel desde o primeiro ano. Os R$ 600 eram obrigatórios, tanto no plano social quanto no político. Mas ele adicionou benefícios extras para filhos pequenos e, ainda, isenção de IR até R$ 5.000, além de diversas outras despesas menores.

O suplemento para crianças do novo Bolsa Família deriva da função que o programa desempenha na concorrência política: cada presidente deve deixar sua própria marca, ampliando os valores transferidos, a fim de extrair vantagens eleitorais. A isenção de IR obedece ao objetivo de recuperar eleitores de classe média perdidos para o bolsonarismo.

O presidente eleito rebatizou praticamente todos os gastos como “investimentos”. Na campanha, classificou Lira como “imperador do Japão”, referindo-se ao “orçamento secreto”. Hoje, nos círculos petistas, o mecanismo escandaloso recebe a denominação eufemística de emendas de relator — e falta apenas aplicar também a tais recursos o nome de “investimentos”. Tudo pelo social — eis a mensagem ilusória inscrita na PEC Kamikaze 2.

Na declaração de apoio a Lula publicada pelos economistas do Plano Real, eles expressaram a esperança de que o novo governo seguiria o rumo da responsabilidade fiscal. Em princípio, não era prova de ingenuidade: Lula 1 fez isso, adiando o populismo fiscal para o segundo mandato e a farra da gastança para Dilma 1. Contudo a grande conciliação Lula-Lira evidencia que o presidente eleito escolheu o caminho trilhado por Lula 2.

Tudo pelo social? A explosão do teto de gastos embutido na PEC Kamikaze 2, financiada por dívida pública, provocará elevação dos juros e retração dos investimentos privados, reduzindo a taxa de crescimento econômico. Os pobres perderão duas vezes. Numa ponta, pela transferência invisível de renda para os detentores de títulos do Tesouro. Na outra, pela inevitável austeridade contratada para o futuro próximo. A PEC Kamikaze 2 também pode ser batizada como PEC da Crise Fiscal.

A fundação da Linaga separa a massa de compromissos de campanha do presidente eleito em dois hemisférios. O primeiro contém o verdadeiro programa de governo: a restauração de um projeto de crescimento baseado no gasto público e na expansão descontrolada dos investimentos das estatais. O segundo abriga as promessas vazias e o ilusionismo: responsabilidade fiscal, previsibilidade de política econômica, fim do “orçamento secreto”.

O imperativo democrático de derrotar Bolsonaro determinou o apoio dos economistas do Plano Real à candidatura de Lula. O advento da Linaga é o primeiro teste de fogo da aliança excepcional cristalizada na equipe de transição.

 

8 comentários:

  1. Como sempre, parecer com gabarito de um mestre.

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  2. Mais uma vez, perdeu oportunidade de ficar quieto! Mas, como deve ganhar por coluna escrita, independente da qualidade, embolsou mais uns reais pra espalhar sua incompetência...

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  3. Veja o q diz Celso Rocha de Barros, hoje, neste blog, e perceba o quão subjetivos podem ser os analistas, neste caso o Magnoli:

    "Todo mundo sabe que é impossível governar o Brasil com o Orçamento que Paulo Guedes mandou para o Congresso.
    O próprio Bolsonaro já havia admitido que, se eleito, tentaria o que o PT está fazendo agora"

    Magnoli sabe o q Barros sabe. Ambos têm suas ideologias, q transparecem nos seus escritos.

    De minha parte, fico com Barros. Q cada um escolha o seu.

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  4. O ''anônimo'' sabe das coisas.

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  5. todo anônimo é um covarde; o daqui é burro. Demétrio perfeito.

    MAM

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  6. Uma perguntinha ao Demétrio. O governo da Frente Democrática tem musculatura para peitar o Centrão? Já que insinua que a PEC, possível no momento, é inconstitucional, cabe ao Supremo decretar isso. E creio que o companheiro articulista erra ou mente ao dizer que foi coisa do PT chamar o "orçamento secreto" de "emendas do relator". Não gosto desses articulistas que se referem ao novo governo como um governo do PT. Isso interessa ao boçal. "Petismo" é um irmão gêmeo do "Comunismo". O "Bolchevismo" foi o fantasma usado pelo nazi-fascismo. O "petismo" é a joia da coroa do fascismo bundalelê do boçal.

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