O Globo
Kremlin renunciou temporariamente às metas
originais da guerra
A palavra “paz” ressurgiu após a
reconquista ucraniana de Kherson, uma derrota estratégica da Rússia. A Ucrânia está
“pronta para a paz; paz para todo o nosso país”, declarou Volodymyr Zelensky.
Vladimir Putin “disse repetidamente que estamos prontos para negociações — mas
elas, naturalmente devem levar em conta a situação militar”, replicou um
porta-voz do Ministério do Exterior russo. Paz significa coisas diferentes para
Ucrânia e Rússia.
Diante dos fracassos militares, o Kremlin renunciou temporariamente às metas originais da guerra. No lugar de uma Ucrânia inscrita no “mundo russo”, Putin almeja uma longa trégua baseada na “situação militar” atual. As hostilidades seriam suspensas com a continuidade da ocupação russa de Luhansk e parte de Donetsk, além da faixa de terras meridionais que formam uma “ponte terrestre” entre Rússia e Crimeia.
A condição para a paz putinista é a quebra
do apoio ocidental à Ucrânia. Moscou aposta na divisão europeia, especialmente
após a chegada ao poder da coalizão de direita italiana. O “general inverno” —
a explosão de preços do gás — faria o serviço, provocando turbulência social e
cindindo as nações europeias.
O cenário putinista de paz ofereceria ao
regime a oportunidade de proclamar uma vitória parcial para uma sociedade russa
inquieta, em que esvanece o apoio à guerra. “Paz”, aqui, é termo enganoso. A
trégua prolongada propiciaria uma recuperação da capacidade militar russa e a
preparação de uma nova ofensiva.
Zelensky não falava em “paz” desde o início
da contraofensiva ucraniana, em abril. “Paz para todo o nosso país” traz a
condição da Ucrânia: a devolução da totalidade dos territórios ocupados,
inclusive na primeira invasão, de 2014.
O cenário ucraniano de paz equivaleria a
uma vitória completa, mesmo se a Rússia conservasse a Crimeia. Só se realizaria
por um colapso militar russo e, necessariamente, estaria associado à queda de
Putin e ao desmoronamento final da “Grande Rússia”. Da paz sem anexações
nasceria uma nova ordem política, tanto na Rússia quanto na Europa. De certo
modo, engendraria um retorno ao ciclo de 1989-1991, marcado pelas revoluções
democráticas na Europa do Leste, pelo fim da Guerra Fria e pela implosão da
URSS.
Os dois cenários anteriores são
improváveis. A vitória parcial russa derivaria de uma “facada nas costas” de
seus aliados ocidentais: a flexibilização das sanções à Rússia e uma redução
brusca da ajuda militar à Ucrânia, como quer uma facção da direita europeia (e
como sugeriram tanto Bolsonaro quanto Lula). Na ponta oposta, uma vitória total
ucraniana dependeria do fornecimento ocidental de sistemas bélicos mais
avançados, algo que o governo Biden rechaça por temer uma escalada nuclear
russa.
Guerras, quase sempre, concluem-se por
negociações baseadas em concessões amargas. A paz mais provável na guerra em
curso situa-se em algum ponto intermediário entre uma vitória parcial russa e
uma vitória total ucraniana. Um cenário realista envolveria o retorno ao statu
quo ante, ou seja, o recuo das forças russas às posições ocupadas em 23 de
fevereiro, com o estabelecimento de um formato de negociações sobre o estatuto
final da Crimeia e dos enclaves separatistas no Donbass.
Nessa hipótese, investigada em conversas diplomáticas
reservadas, a Ucrânia não teria de volta todo seu território original, mas
conservaria suas saídas aos mares Negro e de Azov. O futuro do país seria
assegurado por um fundo internacional de reconstrução, que abriria caminho à
sonhada entrada na União Europeia, assim como por férreos compromissos de
segurança assumidos pelos parceiros ocidentais. Na Guerra Fria, a Alemanha
Ocidental prosperou sem a Alemanha Oriental, e a Finlândia tornou-se um país
rico sem a Carélia. A Ucrânia pode seguir um rumo similar.
A vitória, mesmo parcial, significaria um
golpe dramático no neonacionalismo russo. Depois de arrastar sua nação a uma
aventura militar tresloucada, o regime de Putin ingressaria em crise
existencial. A Rússia teria que se acostumar à condição de país normal,
afastando a ideia de restauração imperial.
Perfeito !
ResponderExcluirO mais pretensioso colunista fazendo mais um dos seus tradicionais amadorismos... Escreveu pouca besteira desta vez!
ResponderExcluirDemétrio e sua geopolítica.
ResponderExcluirÀs vezes erra, às vezes acerta... Como todo mundo!
ResponderExcluir