quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Elio Gaspari - Lula precisa mostrar alguma carta

O Globo

Os tumultos de Bolsonaro são suficientes

Pelo seu lado, Lula vinha fazendo uma transição exemplar. Brilhou na COP27, passou por Lisboa e, por causa de um desconforto médico, terá uma semana de relativo repouso. Desde sua vitória nas urnas, formou uma equipe de transição com 283 pessoas e 31 grupos de trabalho. Um brilhante espetáculo cenográfico. Pôs na mesa a PEC da Transição e tropeçou na responsabilidade fiscal. Afora ele, não há no firmamento do novo governo uma só voz autorizada. (Abundam vozes desautorizando-se, mas assim é a vida durante as alvoradas do poder.)

Falta pouco mais de um mês para o início do governo, e não é bom que isso aconteça. Se do outro lado da cerca estivessem presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, o vácuo seria irrelevante. Do outro lado está Jair Bolsonaro, calado, enquanto ainda há estradas bloqueadas e circulam mensagens sibilinamente golpistas como a do doutor Augusto Nardes.

É verdade que a Copa do Mundo sedará muitas emoções, mas Lula poderia colocar em campo pelo menos uma voz autorizada. Ele dispõe de companheiros fiéis para desempenhar esse papel sem pensar numa próxima nomeação. A barafunda da PEC da Transição arrisca misturar-se com algum tipo de blindagem do orçamento secreto. Mesmo assim, o presidente da Câmara, Arthur Lira, foi ao ponto:

— Não tem ainda o projeto, não tem ainda o texto, não tem ainda o autor, não tem ainda as assinaturas.

Pior: não tem nada próximo ao número mágico do ervanário de que o governo precisará.

Pode-se entender que Lula não queira anunciar a escolha deste ou daquele ministro, mas não colocar na cena uma única voz autorizada é exagero. Deixar o presidente do Banco Central sem interlocutor é maluquice.

Tancredo Neves elegeu-se indiretamente cavalgando uma verdadeira frente democrática formada por um saco de gatos e, ainda assim, tinha vozes autorizadas. Na economia, tinha Francisco Dornelles. Ele falava pouco, mas o que dizia tinha sentido e respaldo. Enquanto Dornelles conversava, a bolsa de apostas colocava o banqueiro Olavo Setúbal no ministério. Aberto o jogo, Dornelles foi para a Fazenda e Setúbal para o Itamaraty.

À falta de vozes autorizadas, surgem as vozes que se autorizam. São economistas, parlamentares e comissários. Essa espécie atira contra a senadora Simone Tebet. Há um mês, quando legitimava o arco de alianças eleitorais de Lula, podia ser o que quisesse. Hoje, nem tanto. Quando Tebet declarou seu voto por Lula no segundo turno, associou-o à questão da democracia. O tempo passa, e acredita-se que Lula foi eleito por isso ou por aquilo. O ingrediente democrático foi decisivo, mas, passada a eleição, ele vai parecendo secundário.

O golpismo está vivo, e vivo continuará a partir de janeiro. Lula não terá a oposição tucana de 2003. O que vem por aí é uma inimizade feroz, pronta para práticas que transformarão iniciativas como as do juiz Sergio Moro em brincadeiras de crianças.

Em 2010, quando foi publicada a primeira notícia sobre o triplex do Guarujá, Lula vivia as delícias de seu segundo mandato, e pouca importância se deu ao caso. A OAS, dona do imóvel, era uma poderosa duquesa na nobiliarquia dos empreiteiros. Deu no que deu.

 

3 comentários:

  1. Em outras palavras ta um balaio de gatos devemos ficar atentos com pode vir aproveitandose da distracao da copa

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  2. "Pode-se entender que LULA não queira anunciar a escolha deste ou daquele ministro, mas não colocar na cena uma única voz autorizada é exagero."

    Se pode entender, por que não entende? Lula, claro, poderia eleger uma "voz autorizada".

    Pelo q eu saiba, LULA é a voz autorizada em tudo e pra tudo. Mas sigamos o autor, notando q no artigo nada há q justifique a urgência: autorizada em que?

    Definir o posto ipiranga dos próximos 4 anos?
    E a gigantesca, enorme, pressão q tal personagem terá q suportar, resvalando no novo governo?
    E será q as negociações pra definir o desmembramento do super ministério já acabaram?
    E outras negociações acabaram?
    Será q LULA e assessores não pensaram nos prós e contras de tal definição?

    Enfim, como disse acima, o autor não diz a razão da urgência na definição de tal "voz autorizada" deixando patente q se trata tão somente de desejo não embasado no texto.

    O golpismo não é razão suficiente. LULA PODE ACHAR Q DEFININDO UMA VOZ AUTORIZADA AGORA PODE DEIXÁ-LO MAIS VULNERÁVEL A GOLPES - as cobranças aumentarão exponencialmente e o ciúme e inveja também.

    Sem dúvida, sobre nomeação e outros assuntos, LULA tem mais experiência do q o sr. GASPARI.

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  3. Há muita cobrança a um governo que nem começou.

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