Associação foi criada na última ditadura militar do país para descobrir o paradeiro de filhos e outras pessoas desaparecidas
Por O Globo, com agências internacionais
BUENOS AIRES - Hebe de Bonafini, a
histórica presidente da associação argentina Mães
da Praça de Maio, criada durante a última ditadura (1976-1983) no país para
descobrir o paradeiro de seus filhos e outras pessoas presas pelo regime
militar e depois desaparecidas, faleceu neste domingo aos 93 anos, confirmou a
vice-presidente Cristina Kirchner. O governo decretou três dias de luto
nacional.
"Queridíssima Hebe, Mãe da Praça de
Maio, símbolo mundial da luta pelos Direitos Humanos, orgulho da Argentina.
Deus te chamou no dia da Soberania Nacional... não deve ser coincidência.
Simplesmente obrigado e até sempre", escreveu Cristina no Twitter.
Bonafini morreu na manhã deste domingo em
um hospital da cidade de La Plata, na província de Buenos Aires, onde estava
internada desde o dia 12. No mês passado, ela ficou internada três dias para
exames, mas teve alta.
Através de um comunicado divulgado nas redes sociais, o governo argentino anunciou que “decreta três dias de luto nacional e presta homenagem a Hebe, à sua memória e à sua luta, que estará sempre presente como guia nos momentos difíceis”. A Secretaria de Direitos Humanos também homenageou a militante de direitos humanos em mensagem no Twitter: "Hebe compartilhou junto com as Mães um destino que as uniu na luta contra a impunidade dos crimes do terrorismo de Estado, resistindo frente ao silêncio e ao esquecimento."
A ativista dos direitos humanos teve dois
filhos e uma nora desaparecidos durante a ditadura. O primeiro a ser preso e
sumir foi seu filho Jorge Omar, sequestrado em 8 de fevereiro de 1977 em La
Plata. Em 6 de dezembro do mesmo ano, seu outro filho, Raúl Alfredo, teve o
mesmo fim, em Berazategui. Em 25 de maio de 1978, foi a vez da mulher de Jorge,
María Elena Bugnone Cepeda, levada pelos militares.
Movida pela dor, Bonafini se uniu às
marchas semanais silenciosas das mães de desaparecidos com lenços brancos na
cabeça diante da Casa Rosada, a sede da Presidência em Buenos Aires, exigindo o
"aparecimento com vida" de seus filhos. As organizações de direitos
humanos estimam que cerca de 30 mil pessoas tenham desaparecido durante a
ditadura, assassinadas pelos militares, e muitos corpos nunca foram encontrados.
— Me esqueci de quem eu era no dia em que
eles desapareceram, nunca mais pensei em mim — disse ela há pouco tempo, na
inauguração de uma exposição fotográfica sobre sua vida no Centro Cultural
Kirchner, em Buenos Aires.
Na busca dos filhos e da nora, conheceu
Azucena Villaflor, que lhe propôs um dia irem juntas à Praça de Maio, em frente
à Casa Rosada, com uma carta para o ditador Jorge Videla. Em 30 de abril de
1977, as primeiras mães se reuniram na praça, diante da sede da Presidência
argentina.
— Começamos a nos juntar cada vez mais na
praça. No início, não caminhávamos, ficávamos ali reunidas, até que um dia veio
a polícia, bateu em nós e nos disse "andem". Nos agarramos pelos
braços e começamos a caminhar aos pares — contou Bonafini, que com as outras
mães eram chamadas inicialmente de "as loucas da Praça de Maio".
As rondas semanais que começaram naqueles
dias em que se encontravam praticamente sozinhas diante da ferocidade da
ditadura e do medo da sociedade não se interrompeu mais. A cada quinta-feira,
lembravam ao mundo o drama dos desaparecidos argentinos. Em 1979, a ativista,
que tinha somente o ensino primário, se tornou a presidente da Associação das
Mães da Praça de Maio, na qual ganhou projeção internacional e colecionou
admiradores e inimigos aos longo de décadas.
Anos mais tarde, já na redemocratização, os
enfrentamentos por motivos políticos com outras dirigentes do movimento
levaram, em 1986, à divisão da organização, partida em dois: Mães da Praça de
Maio e Mães da Praça de Maio - Linha Fundadora. Bonafini também teve diferenças
com Estella de Carlotto, titular do grupo Avós da Praça de Maio, mas as duas
voltaram a se aproximar durante os anos do kirchnerismo no poder.
Verborrágica e com estilo combativo, Bonafini
era próxima de Nestor e Cristina Kirchner e foi recebida com entusiasmo por
dirigentes de esquerda da América Latina, como Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo
Morales. Firme defensora do governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, ela chegou
a pedir desculpas públicas quando o governo argentino se uniu a uma condenação
a Caracas na ONU por violações de direitos humanos.
Ela destacou-se também por declarações
polêmicas, como em 2001, após os atentados do 11 de Setembro nos EUA, que
deixaram quase três mil mortos.
— Não vou ser hipócrita com esse tema. Não
me doeu nada — declarou na ocasião.
Nas últimas duas décadas, Bonafini se tornara uma militante aguerrida do kirchnerismo. A Igreja Católica sempre foi um de seus alvos. Em 2007, ela atacou o então prefeito de Buenos Aires e futuro presidente Mauricio Macri, de centro direita, e o então cardeal-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, futuro Papa Francisco, dizendo que os dois eram "fascismo, a volta da ditadura". Em 2017, ela foi investigada por suposto desvio de recursos públicos na Fundação Sonhos Compartilhados, ligada à organização das Mães da Praça de Maio e criada para projetos de moradia popular.
Engraçado que as pessoas pensam que o Papa Francisco é esquerdista sendo que na Argentina ele é considerado dedo duro contra a esquerda. Seria ótimo alguém explicasse qual das versões é a verdadeira.
ResponderExcluirEu acho que o papa deu uma guinada à esquerda,pediu até perdão aos homossexuais,que foram tão perseguidos pela Igreja Católica.
ResponderExcluirAs pessoas vão mudando ao longo da vida... Não sei se é o caso do Papa Francisco, mas, se fosse, não me surpreenderia. E é preferível a pessoa mudar pra melhor que pra pior, né?
ResponderExcluirKaryn massacre, quem conhece horroriza com a Rússia de Stálin. Já disse Jorge Amado, todo jovem é esquerda mas na idade adulta deixa de se-lo. Socialismo e ditaduras e as suas atrocidades. Esperando uma resposta mais robusta para minha dúvida.
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