O Estado de S. Paulo
Empresas e presidentes podem moldar e
garantir a equidade racial e ajudar a consolidar um ambiente antirracista
A desigualdade racial no mercado de trabalho e no ambiente corporativo brasileiro tem se constituído num daqueles extraordinários desafios que historicamente limitam o alcance da isonomia entre negros e brancos e impedem a realização da igualdade de oportunidades, sem distinção de cor ou de raça, como preconizado nos mais diversos documentos e tratados internacionais, na Constituição cidadã da nossa República e nos fundamentos que estruturam a modernidade. Sob todos os aspectos, a desigualdade racial e sua causa próxima, o racismo sistêmico que embala as relações sociais e laborais, continuam produzindo distinção e prejuízos incomensuráveis na construção e no alcance de um ambiente social em que tão somente as competências, habilidades e talentos devessem ser definitivamente os grandes medidores e condicionantes do alcance do sucesso e da realização pessoal e profissional dos indivíduos.
Primeiramente, como fruto da renitência
construída, primeiro, pela escravização e, depois, pela abolição excludente,
seletiva e demonizadora, cujo olhar discriminatório gera desconfiança da
competência do profissional negro para execução das diferentes tarefas,
principalmente aquelas de maior complexidade e prestígio. Depois, concomitante
e estrategicamente, pela estruturação de perverso mecanismo de apropriação e
monopolização de mercado para os grupos das elites hegemônicas e pela
formulação dos meios da garantia de produção e reprodução de prerrogativas do
que se convencionou designar privilégios da branquitude, como são as redes de
comunicação e relacionamento e o intransponível espírito de corpo que une os
participantes desta teia profunda de alocação, manipulação e distribuição das
oportunidades sociais e econômicas do nosso país.
Recentes estudos publicados pelos pesquisadores
Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique, na
Suíça, e Priscila Soares, da Universidade de São Paulo, explicitam, reiteram e
confirmam essa inconcebível injustiça. Segundo esses apontamentos, a elite
econômica arrebanhou até 65% dos ganhos dos brasileiros com aumento da
escolarização nos últimos 40 anos. No período, os 10% mais ricos com o mesmo
grau de instrução dos mais pobres continuaram ganhando até 50% mais que estes,
e o prêmio salarial entre brancos e negros é 50% superior para os brancos.
Outrossim, a segunda edição do levantamento Desigualdades Sociais por Cor
ou Raça no Brasil, do IBGE, apontou que em 2021, entre os trabalhadores negros
e brancos com ensino superior, os trabalhadores brancos com rendimentos mensais
próximos de R$ 3.099 superaram em cerca de 75% a renda mensal dos pretos e 70%
a dos pardos. E, por fim, que, sendo os trabalhadores negros 53% dos
trabalhadores do País, ocupavam somente 29,5% dos cargos gerenciais do mercado,
enquanto os brancos preenchiam 69% desses postos.
Assim, como se vê à exaustão, é no mercado
de trabalho e, sobretudo, no ambiente corporativo que mais se explicitam o
profundo fosso que separa a civilização e a barbárie da igualdade dos direitos
e garantia do tratamento isonômico que pressupõem o Estado Democrático de
Direito entre brancos e negros e, logo, entre o correto e o justo.
É justamente pela existência deste estado
de coisas incompreensível e injustificado que um encontro de empresas pela
equidade racial se apresenta como inédita e auspiciosa proposta de mudança e
transformação numa realidade que a todos remete na direção dos propósitos
civilizatórios. Quando a sirene da B3, a Bolsa de Valores do Brasil, soar,
neste 21 de novembro de 2022, anunciando a formatura dos primeiros 30 homens e
mulheres negros do Curso de Conselheiros de Administração, o País e o ambiente
corporativo conhecerão mais uma expressão da transformação que chegou para
ficar como prioridade na realidade empresarial brasileira: a agenda do
enfrentamento ao racismo e à discriminação racial e suas potentes e inovadoras
políticas afirmativas de valorização da diversidade racial e inclusão e
empoderamento do negro no ambiente corporativo.
Da mesma maneira, quando o Fórum
Internacional Empresarial pela Equidade Racial, realizado conjuntamente pela
Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e pelo Movimento Equidade Racial Empresarial
(Mover), reuniu suas mais de 120 empresas e presidentes, no dia 18 de novembro,
na sede da Universidade Zumbi dos Palmares – a primeira instituição focada na
formação de negros no ensino superior –, os presidentes e as empresas, além do
balanço dos avanços e das conquistas de 2022 e da publicização da 3.ª edição do
Índice de Equidade Racial Empresarial, com resultados das ações das 48 empresas
participantes, deram um salto reluzente em direção ao futuro de uma nação de
iguais.
A força e a imponência do maior encontro de
presidentes de empresas do Brasil e do mundo voltados para a equidade racial
empresarial, congregados no Fórum Internacional Empresarial pela Equidade
Racial, além do ânimo para seguir adiante, significam que existem criação, compromisso
e disposição para vencer um determinismo artificial da história e, da mesma
forma, registrar em alto e bom som que nós podemos construir o País e as
verdades que quisermos. As empresas podem fazer isso e os presidentes das
empresas podem moldar e garantir a equidade racial corporativa e, de maneira
consistente, ajudar a consolidar um ambiente corporativo antirracista, com mais
igualdade, equidade e dignidade humana.
*Doutor em educação, advogado, é Reitor da Universidade
Zumbi dos Palmares
O colunista sempre aparece fazendo análise política no Jornal da Cultura.
ResponderExcluir