O Estado de S. Paulo
Como o próximo governo quer crescimento e preços sob controle, convém moderar a incontinência verbal
O Brasil é mesmo curioso. O maior faniquito
no mercado financeiro com a eleição presidencial de 2022 se deu vários dias
após a proclamação do vencedor. Foi quando o presidente eleito questionou “a
tal da estabilidade fiscal”, em discurso a parlamentares feito em 10 de
novembro.
O abalo sísmico foi grande. E continua
sendo com as notícias da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
da Transição, que diz muito pouco sobre para onde vamos transitar.
O mercado é assim mesmo. Tratá-lo como se
fosse uma instância que emite opiniões políticas é grande equívoco. Ele não tem
ideologia, mas cultiva um punhado de convicções, em geral corruptelas de
conceitos mais complexos de algum “economista defunto”, como dizia John Maynard
Keynes.
O mercado não julga nem pune, apenas faz preço. Tudo o que se discute no mercado deve ser filtrado, mastigado e resumido para uma decisão que é essencialmente binária: comprar ou vender. Não há espaço para nuances, qualificações ou raciocínios sofisticados. O ambiente é o de um jogo de espelhos.
Não se trata de saber o que vai acontecer,
mas sim de adivinhar o que os outros pensam que acontecerá. Isso tudo favorece
a reprodução de mantras e verdades absolutas, dentre as quais a austeridade
fiscal é uma das que mais se destacam pelo seu poder hipnótico.
Cabe ao próximo governo entender as regras
e jogar o jogo, para seu próprio benefício. É desnecessário e custoso afrontar
os mitos do mercado, porque a reação, típica de manada, é vender títulos e
forçar a elevação dos juros, o que atrapalha o crescimento, e vender reais e
comprar dólares, o que faz a inflação subir.
Como o próximo governo quer, certamente, a
economia em crescimento e preços sob controle, convém moderar a incontinência
verbal. Mais que isso, é preciso anunciar algum tipo de regime fiscal cuja
regra impeça que o mercado pense que não há limite para gastos. Não é tão
difícil.
O mercado, na sua simplicidade dicotômica,
é capaz de engolir lorotas, como vem ocorrendo durante toda a gestão do
ministro da Economia, Paulo Guedes. Basta contar uma mentira verossímil.
O que não tem sentido é regredirmos décadas
no debate econômico e considerarmos mutuamente excludentes a urgência de
combater a miséria e a necessidade de uma gestão fiscal responsável. Todos
perdemos se formos levados a escolher entre alternativas que são plenamente
conciliáveis.
*Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP
Muito interessante o artigo! Comparem com as bobagens escritas pelo ("perfeito" - kkkk) Magnoli no sábado e disponível aqui neste blog!
ResponderExcluirSim,comparei.
ResponderExcluirThanks4tip.
ResponderExcluirRealy!