Valor Econômico
Pastas políticas e Itamaraty hoje são tão
importantes quanto a Fazenda
Dez dias antes do primeiro turno, o
presidente de um dos maiores bancos de investimento do mundo fez uma reunião em
São Paulo com seus principais executivos para a América Latina e Brasil, além
de investidores locais. Disse que estava desencantado com o eixo Rússia/China,
além de temer a situação interna de Chile e Argentina. Por isso, era aqui que
queria aportar. Um investidor lhe perguntou se a perspectiva era independente
da eleição presidencial. “Sim”, respondeu.
A disposição se confirmou no fluxo de estrangeiros para a bolsa, a queda no dólar e no Ibovespa em alta no dia seguinte ao segundo turno. E se manteve com a repercussão internacional da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta segunda, em questão de minutos, Henrique Meirelles deixou de ser o ministro dos sonhos e Fernando Haddad, o dos pesadelos. Nem por isso, esta reprise da atribulada transição de 2002 sugere que a história se repetirá. Naquele ano, o rebaixamento do peso do Brasil na carteira de títulos da dívida externa de países emergentes do JP Morgan acabou levando Lula a antecipar o ex-presidente mundial do Banco de Boston, recém-eleito deputado federal pelo PSDB, para o Banco Central. Ainda assim, o anúncio só foi feito em dezembro.
Desta vez, graças à autonomia do BC, a
pressão se concentra no nome a ser indicado para o Ministério da Fazenda. Nem a
nomeação de Geraldo Alckmin para comandar a transição foi capaz de aplacar a
ansiedade, alimentada pelo modus operandi de sempre. Quem tem informação não
passa. Aquelas que circulam o fazem pelas mãos e bocas de quem pretende testar
e queimar pretensões.
A nomeação de Alckmin não aplacou a
ansiedade porque ele, ao contrário de Antonio Palocci, em 2002, não é candidato
a ministro da Fazenda. Uma vez no governo, pode vir a ser acionado por Lula
para missões especiais como a negociação da reforma tributária, a exemplo do
que fez, como vice de Mario Covas no governo de São Paulo, com as
privatizações. Mas não usará a transição, como Palocci, para se cacifar para
ministérios.
Hoje a maior credencial de Alckmin é sua
proximidade com o presidente eleito. O grau de lealdade que os une já é
comparado àquele que, por oito anos, ligou Lula ao vice de seus governos
anteriores. José de Alencar costumava chegar ao Planalto no fim do expediente,
com uma cachaça camuflada numa pasta, e ali permanecia noite adentro trocando
confidências sobre o governo. Tirando a bebida, a relação caminha para se
reproduzir. A dedicação à causa, refletida nas palmas incontidas com que foi
flagrado na virada da apuração, fez com que se impusesse ao PT.
É natural que tenha convidado Persio Arida,
colaborador de sua campanha de 2018, e André Lara Resende, que desempenhou o
mesmo papel na de Marina Silva, para colaborarem com a transição. Na pior das
hipóteses, serve como mais um ansiolítico. Caso aceite, caberá ao vice, em
grande parte, convencer a ambos, mas principalmente a Arida, a colaborar com
propostas que não necessariamente terão resultados à sua imagem e semelhança.
Processo ao qual o próprio Alckmin se submeteu ao aderir à chapa lulista.
O que a ansiedade desta transição despreza
é que o êxito do governo Lula hoje está menos concentrado no Ministério da
Fazenda do que 20 anos atrás. Tanto o entorno petista está mais fiscalista
quanto o mercado tem ciência de que o teto de gastos já desabou. Encontrar uma
âncora fiscal para este governo é uma tarefa tão importante quanto negociar um
puxadinho com um orçamento herdado de um governo oposto. E isso depende de uma
negociação política a ser feita fora da Fazenda, por muitas mãos, inclusive a
do vice.
Tão importante quanto a Fazenda é o
Itamaraty. Lula pretende se valer da boa vontade internacional, simbolizada
pelos 93 chefes de Estado que, em 24 horas, o cumprimentaram pela eleição, para
colocar o Brasil na liderança da agenda climática. Não é por outra razão que
Aloizio Mercadante ambiciona o cargo. Em 2003, Lula tornou-se uma liderança
mundial no combate à fome, o que desperta compaixão mas não atrai investimentos
como hoje o faz a agenda climática.
Maria Cristina Fernandes.
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