Folha de S. Paulo
Artista atingiu grau de evolução que para a
maioria está apenas nos livros
"O mundo só anda para
frente." Gilberto Gil me
disse isso há poucos meses quando perguntei se ele não temia um retrocesso
maior, que nos levasse aos tempos em que foi preso e viveu exilado em Londres. Afirmou,
convicto: "não, não tem isso, não, as pessoas querem viver em paz".
Ao ver a cena revoltante em que Gil e Flora foram acossados e agredidos, uma imagem ficou. Gil
parece o tempo todo uns degraus acima da barbárie, como se flutuasse sobre o
ódio e a ignorância, sentimentos tão mundanos para quem já alcançou outra
dimensão. Naquele patamar em que vivem apenas os deuses da sabedoria, da
sensibilidade, da escuta, da paz.
Não foram analistas e cientistas políticos, colegas de profissão, os que acalmaram meu coração diante de todas as ameaças que vivemos e que continuaremos a enfrentar, mas a frase dita num fim de tarde de junho: "o mundo só anda para frente".
Eu me lembrei de livros que ecoam esse
otimismo, dos quais falei para Gil em nossa conversa sobre o futuro do país.
"Utopia para Realistas", de Rutger Bregman, e "O Novo
Iluminismo", de Steven Pinker, olham nessa mesma direção: para frente. O que não
significa que o mundo seja cor-de-rosa, que os humanos sejam pura bondade e que
a natureza não seja caótica, como pondera Pinker.
Mas em momentos em que vivemos agitações
sociais e questionamentos sobre o trabalho, o dinheiro, a família e a
felicidade temos a oportunidade de passar por grandes transformações. Bregman
cita marcos da civilização que já foram ideias utópicas, tais como o fim da
escravidão e o início da democracia, para mostrar que podemos construir uma
sociedade melhor com ideias visionárias, mas viáveis.
Humanos subdesenvolvidos são maus,
ressentidos, agressivos. Gilberto Gil sabe que o mundo anda para frente porque
já chegou num grau de evolução que para a maioria está apenas nos livros, que
ainda devo para ele.
Além de Gil ser um grande artista,quando fala só destila sabedoria.
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