Brasil tem dever de repudiar ‘Capitólio dos caminhoneiros’
O Globo
Bolsonaristas adotam estratégia de Donald
Trump para tentar ganhar no grito eleição perdida na urna
Até o fechamento desta edição, o presidente
Jair Bolsonaro não havia se manifestado sobre a derrota para o presidente
eleito Luiz Inácio Lula da Silva no domingo. Mas bolsonaristas — decerto
supondo contar com a aprovação tácita de Bolsonaro — já punham em marcha desde
a véspera a mesma estratégia de Donald Trump nos Estados Unidos para criar
confusão e contestar o resultado.
O primeiro ato foi protagonizado pela
Polícia Rodoviária Federal (PRF), ao violar a proibição de blitzes determinada
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proibição visava a evitar a manobra,
comum nos Estados Unidos, conhecida como “supressão de voto”. Trata-se da
tentativa de dificultar o acesso às urnas de eleitores mais pobres ou menos
instruídos para reduzir a votação daqueles em que esses estratos costumam
votar. Quase metade das blitzes da PRF, que causaram engarrafamentos colossais,
foi no Nordeste, onde Lula teve melhor desempenho.
O uso da força policial para favorecer Bolsonaro é ato escandaloso, que precisa ser investigado e punido. O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, chegou no sábado a pedir voto em Bolsonaro numa rede social (depois apagou o pedido). Só recuou depois de uma reunião em que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, determinou multa horária de R$ 100 mil em caso de desobediência. Por ver a PRF como uma espécie de milícia bolsonarista, fica evidente que Vasques não tem mais condição de permanecer no cargo.
A rebelião não ficou por aí. Desde que foi
proclamado o resultado no domingo, manifestações de caminhoneiros começaram a
pipocar pelo Brasil, com bloqueios em rodovias como a Dutra, entre Rio e São
Paulo, ou a BR-163, no Norte de Mato Grosso. Tão preocupante quanto o
transtorno provocado pelos bloqueios é o desvario dos manifestantes. Em vídeos
bizarros, caminhoneiros convocam apoiadores de Bolsonaro a engrossar os
protestos, dizem que vão “parar tudo” e pedem intervenção militar. Alguns
afirmam que só liberarão as estradas quando as Forças Armadas estiverem no
controle. Ameaçam ainda interromper o abastecimento de alimentos no país. Pior:
alegam agir “em nome da democracia”.
A devoção dos caminhoneiros a Bolsonaro é
conhecida. No uso escandaloso da máquina pública para tentar a reeleição, ele
fez de tudo para agradá-los. Em troca, agora colhe essa fidelidade golpista. A
ação dos caminhoneiros faz lembrar a invasão violenta do Capitólio nos Estados
Unidos, em 6 de janeiro, por baderneiros inconformados com a derrota de Trump.
Tudo de que o Brasil não precisa agora é um “Capitólio dos caminhoneiros”.
As eleições acabaram. Lula venceu,
Bolsonaro perdeu. É hora de apaziguar os ânimos e seguir em frente. Na
transição, espera-se no mínimo a colaboração do atual presidente. Não há espaço
para contestação de resultados, muito menos para aventuras golpistas. A vitória
de Lula já foi reconhecida pelos demais Poderes, por aliados do atual presidente
e por governos estrangeiros. É inconcebível tentar ganhar no grito uma eleição
que Bolsonaro perdeu nas urnas. A sociedade não pode ser chantageada por
antidemocratas que não aceitam as regras do jogo, a não ser quando vencem. As
forças de segurança precisam agir com rigor para impedir o bloqueio das
estradas. Da mesma forma, as ameaças golpistas têm de ser investigadas.
Mais uma vez, mesmo sob ataques, TSE
promoveu eleição impecável
O Globo
Segurança e confiabilidade do sistema
eleitoral brasileiro voltam a ser reconhecidas pelo mundo todo
Ficou comprovado mais uma vez no domingo
que o sistema eleitoral é um patrimônio do Brasil. Com destaque especial para a
tecnologia das urnas eletrônicas, para a logística de distribuição e para a
segurança e confiabilidade da apuração. As eleições brasileiras são uma das
quatro maiores do mundo e a única que divulga resultados no mesmo dia da
votação “com segurança e transparência”, nas palavras do ministro Alexandre de
Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Menos de três horas
após o fechamento das urnas, os brasileiros já sabiam o nome do próximo
presidente e dos governadores onde houve segundo turno.
Em mensagem ao presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva, o presidente americano, Joe Biden, ressaltou o processo
eleitoral “livre, justo e confiável”. O responsável pela política externa da
União Europeia, Josep Borrell, elogiou o TSE “pela forma eficaz e transparente
como conduziu seu mandato constitucional ao longo de todas as fases do processo
eleitoral, demonstrando uma vez mais a força das instituições brasileiras e da
sua democracia”.
O segundo turno das eleições deste ano
registrou o maior número de votos da história brasileira. Houve queda na
abstenção e nos votos brancos e nulos. Com isso, pouco mais de 75% do
eleitorado escolheu um dos dois candidatos a presidente, prova de que não falta
legitimidade ao sistema de escolha.
Tal nível de eficiência num país de
dimensões continentais não é casual. Para se tornar uma realidade, são
necessários um planejamento minucioso e uma execução cuidadosa. Foi exatamente
isso o que aconteceu mais uma vez no Brasil. Das 472.075 urnas eletrônicas
utilizadas, menos de 1% teve de ser substituído. Em contraste com o pleito do
dia 2 de outubro, no domingo não foram registradas longas filas, sinal de que
deu certo o treinamento dos mesários.
O TSE logrou garantir ao país uma eleição
limpa, confiável e rápida mesmo sofrendo ataques sórdidos e mentirosos. Há
anos, o presidente Jair Bolsonaro não perde uma oportunidade de levantar
suspeitas sem prova alguma sobre o sistema eletrônico de votação. Mesmo sob a
pressão dessas investidas e num pleito extremamente polarizado, o TSE cumpriu
seu papel.
Um dos pontos a lamentar é o silêncio do Ministério da Defesa. Chamado a participar da fiscalização das urnas com outras organizações, até agora a pasta não se manifestou, numa decisão que só faz levantar suspeitas sobre suas reais motivações. Não que o TSE precise dessa chancela. Quem precisa agora desfazer as suspeitas são as próprias Forças Armadas. Do contrário, só darão mais credibilidade aos indícios de que tenham aceitado fazer o jogo do bolsonarismo.
Força oposicionista
Folha de S. Paulo
Eleições para Legislativo e estados indicam
que Lula terá de fazer concessões
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o primeiro a
obter um terceiro mandato por meio do voto, e Jair Bolsonaro
(PL) é o primeiro presidente a perder a reeleição. O conjunto dos ineditismos
de 2022, porém, não configura situação política favorável para o recém-eleito.
Lula volta ao poder com a maioria mais
diminuta de um presidente desde a redemocratização. O incumbente foi derrotado
pela repulsa de metade do eleitorado, mas não deixou de obter votação
expressiva, tendo a seu favor a queda do desemprego e da inflação.
Dado o resultado das urnas, o petista chega
ao poder com menos capital eleitoral e popularidade para queimar. Terá, assim,
menos tempo para elaborar um programa de aceitação nacional mais ampla,
urgência extremada pela situação social e econômica.
Lula terá de lidar com um Congresso de
composição inédita na República de 1988. Partidos do velho
centrão, de centro-direita e direita dominam cerca de metade da Câmara, ao
menos. O centro e partidos tradicionais como MDB e PSDB perderam peso relativo
ou se tornaram diminutos. A esquerda teve o pior resultado desde 1998.
O Senado tem um bloco de 35 parlamentares
de PL, União Brasil, PP e Republicanos. Um outro grupo mais centrista, de MDB,
PSD e PSDB, tem 24 cadeiras. O PT e seus aliados tradicionais à esquerda, 13.
Embora a casa seja mais ponderada do que a Câmara, a negociação ali será também
penosa.
Filiações partidárias são maleáveis e
sujeitas a condições tais como a popularidade presidencial ou a barganha de
poder. O ponto de partida, porém, indica que o custo de convencimento será
maior, tanto mais porque parte relevante dos eleitos têm compromissos mais
estritos com um eleitorado conservador ou reacionário.
No comando dos estados, a esquerda teve
também seu pior resultado desde 1998. A relação dos governadores com o
Executivo federal, porém, costuma se dar em termos algo mais construtivos, por
interesse de cooperação administrativa e de repartição de fundos.
Registre-se que até o bolsonarista Tarcísio
de Freitas (Republicanos), que conquistou o Palácio dos Bandeirantes, declarou
que pretende trabalhar em harmonia com o governo petista de Brasília.
É fácil perceber que Lula terá de negociar
cargos e planos a fim de montar uma coalizão parlamentar, conquistar eleitores
oposicionistas, manter aqueles que aderiram a sua candidatura por rejeição a
Bolsonaro e obter apoios sociais que fundamentem esses movimentos políticos.
O presidente eleito tem reafirmado que seu governo irá muito além do PT. Trata-se um bom ponto de partida, mas a tarefa será árdua.
Crédito perigoso
Folha de S. Paulo
Estimular dívida com Auxílio Brasil não é o
melhor caminho para reduzir pobreza
Em mais um caso de uso da máquina pública
para fins eleitorais, o governo Jair Bolsonaro (PL) abriu um caminho perigoso
ao liberar o acesso de beneficiários do Auxílio Brasil ao crédito consignado.
Cerca de 20 milhões de inscritos no
programa poderão obter financiamento que pode chegar a mais de R$ 2.500. A
restrição principal é para a parcela mensal do pagamento, que não pode superar
R$ 160. O prazo máximo é de 24 meses, com limite de 3,5% ao mês para os juros.
Em que pese o potencial benefício para
muitas famílias já endividadas ou em situação de necessidade, o incentivo a que
contraiam mais empréstimos é temerário.
A começar pelos juros, que podem ser até 87% mais
altos que os cobrados em outras modalidades de crédito com
desconto na renda dos assalariados dos setores público e privado ou de
aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Isso ocorre porque é muito maior a
probabilidade de que um cadastrado no Auxílio Brasil deixe o programa e, assim,
perca a capacidade de pagamento. A situação é distinta daquela de um servidor
público ou aposentado, que tem renda permanente.
Não por acaso, o interesse dos bancos foi
baixo. Apenas 12 instituições se cadastraram e foram autorizadas a operar o
programa, com destaque absoluto para a Caixa Econômica Federal. Nenhum dos
grandes privados se inscreveu.
Além do risco de crédito, há a preocupação
com abalos na imagem se for necessário lidar com inadimplência, que certamente
será maior que a observada em outros tipos de financiamento consignado.
Outros sinais da precariedade do programa
vêm de questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), que levaram a
Caixa a suspender a concessão por alguns dias, e também da objeção de entidades
de defesa do consumidor, que veem na iniciativa uma armadilha para as famílias.
O estímulo ao endividamento a partir de um
programa de amparo criado às pressas não é uma política das mais promissoras.
Muito melhor é garantir renda mínima permanente em montante digno, mas com
condicionalidades e foco na pobreza e na primeira infância.
Tais elementos foram enfraquecidos pela ânsia do governo em maximizar o número de beneficiários, sem cuidado em manter cadastro adequado e proximidade com a população pela presença de agentes sociais nos municípios.
Lula não ganhou um cheque em branco
O Estado de S. Paulo
Muitos dos que votaram no petista o fizeram
não por apoiar seu programa, aliás inexistente, mas para frear Bolsonaro. Lula
precisa entender que sua eleição não é aval à agenda do PT
O discurso da vitória mostrou que Luiz
Inácio Lula da Silva conhece as reais circunstâncias nas quais foi eleito, pela
terceira vez, presidente da República. “Esta não é uma vitória minha, nem do
PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha”, disse. Esse
reconhecimento é muito importante, pois indica que Lula aparentemente captou o
recado das urnas – e não pode, sob pena de inviabilizar seu governo, ignorar
esse recado uma vez investido da Presidência.
Uma parte significativa do eleitorado
certamente não votou em Lula por concordar com o programa de governo do PT, até
porque não foi apresentado nenhum programa de governo. Para esses eleitores,
certamente na casa das dezenas de milhões, foi um voto para impedir que Jair
Bolsonaro ficasse mais quatro anos no Palácio do Planalto. Foi um voto contra
os devaneios autoritários, contra o conflito institucional, contra a
irresponsabilidade no cuidado da população, contra a agressividade na vida
política e social. Foi um voto, como Lula admitiu no domingo, “para que a
democracia saísse vencedora”.
Eis um fato inegável das eleições de 2022.
O PT ganhou a eleição presidencial, mas não obteve um cheque em branco da
população. Apesar de disputar com o presidente da República mais disfuncional e
incompetente desde a redemocratização, Lula não ganhou no primeiro turno. E, a
confirmar as imensas reservas que o eleitorado tem em relação ao PT, a
distância de votos entre Lula e Bolsonaro diminuiu significativamente no
segundo turno. Em relação ao dia 2 de outubro, o candidato do PL conquistou no
domingo mais 7,1 milhões de votos (de 51,1 milhões foi para 58,2 milhões) e o
do PT, mais 3 milhões (de 57,3 milhões foi para 60,3 milhões).
O resultado estreitíssimo – nunca um
candidato a presidente da República havia ganhado as eleições com tão pequena
margem de vantagem – confirma a importância de ter havido um segundo turno. Por
mais que tenha sido uma campanha sem projetos e sem propostas, na qual as agressões
e mentiras foram as grandes protagonistas, essas quatro semanas serviram para
que o resultado final das eleições manifestasse, tal como deve ocorrer na
democracia, as preferências do eleitorado. Tanto no primeiro turno como no
segundo, não houve o menor indício de adesão incondicional da população ao
lulopetismo. E essa inequívoca mensagem do eleitor tem de ser respeitada e
acolhida pelo candidato eleito não apenas no discurso da vitória, mas ao longo
de todo o governo. Trata-se de uma decorrência da própria ideia de democracia
representativa. Todo o poder emana do povo, diz a Constituição de 1988 em seu
primeiro artigo.
No domingo à noite, Lula assumiu um
compromisso importante com o País. “A partir de 1.º de janeiro de 2023, vou
governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram
em mim”, afirmou. Depois de quatro anos de um governo que insistiu em dividir a
sociedade e em agredir todas as instituições que não lhe foram submissas, aqui
está o maior desafio do próximo presidente da República. É preciso promover a
paz e a união, distensionar as relações entre os Poderes, respeitar quem pensa
de forma diferente. Nada disso ocorrerá se Lula repetir o que foi feito nos 13
anos de PT no governo federal. Os tempos atuais demandam um novo agir.
Diante da rejeição do eleitorado brasileiro
ao PT, Lula, para ganhar as eleições, teve de recorrer ao apoio de lideranças
políticas cujo histórico é muito diferente do de seu partido. No discurso de
domingo, o presidente eleito reconheceu esse fato, agradecendo, em primeiro
lugar, o apoio da senadora Simone Tebet no segundo turno. Essa necessidade de
ampliar a base estava explícita já na própria composição da chapa, com Geraldo
Alckmin como candidato a vice. Se ter ido muito além do PT foi importante para
Lula ganhar as eleições, essa abertura será ainda mais necessária para cumprir
o compromisso de governar para todos os brasileiros.
“A ninguém interessa viver num país
dividido, em permanente estado de guerra”, disse Lula no domingo. Ninguém mais
do que o presidente eleito tem a possibilidade de promover a paz e a união no
País. Essa é agora sua responsabilidade, que não pode ficar apenas em
palavras.
Por uma transição pacífica
O Estado de S. Paulo
Finda a disputa eleitoral, lideranças associadas a Bolsonaro deram demonstrações de compromisso com a democracia. Esse é o espírito que deve pautar período de transição de governo
Os resultados não deixam dúvida: a eleição
presidencial deste ano foi a mais acirrada da história do País. A diferença
entre a votação obtida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo
presidente Jair Bolsonaro (PL) foi de pouco mais de 2 milhões de votos. De um
lado, isso expõe um país profundamente dividido entre duas lideranças
populares. Por outro, reafirma a força de nossa jovem democracia. Encerrada a
disputa eleitoral, é chegado o momento de pacificação, sobretudo nos próximos
dias, quando se inicia o período de transição de governo.
Há 20 anos, a Lei 10.609/2002 se tornou um
marco nacional ao regulamentar a instituição de uma equipe de transição para o
presidente eleito, tradição que o País seguia informalmente desde 1989. Ao
futuro presidente, compete o direito de nomear até 50 pessoas para cargos
especiais, entre eles um coordenador, para ter acesso a informações sobre o
funcionamento de todos os órgãos da administração pública e preparar atos de
sua iniciativa a serem editados após a posse. A nomeação formal deste gabinete
cabe ao ministro da Casa Civil, cargo hoje ocupado por Ciro Nogueira.
Não se trata da antecipação do fim do
mandato de Jair Bolsonaro, o que acontecerá no dia 31 de dezembro deste ano, ou
de um gesto de elegância ou gentileza do incumbente para com seu sucessor. É
apenas e tão somente o estrito cumprimento da lei, algo que se espera tanto de
Bolsonaro quanto de Lula. Uma transição pacífica, no entanto, exige uma
maturidade que o presidente não demonstrou na noite de domingo, quando foi
incapaz de cumprimentar o adversário ou ao menos agradecer a confiança
depositada por mais de 58 milhões de brasileiros que foram às urnas para votar
por sua reeleição.
Se não precisa se envolver diretamente com
essa passagem, Bolsonaro tampouco pode boicotá-la ou recusar-se a aceitar seus
termos. Aceitar derrotas, afinal, é algo intrínseco a todos que optam pela vida
pública – e o fato de Bolsonaro e alguns bolsonaristas terem demonstrado
dificuldade para formular um discurso para um momento como este diz muito sobre
suas convicções democráticas. A despeito desse constrangedor silêncio
presidencial, há razões para acreditar que o País atravessará esse período com
a conciliação necessária. Da parte de Lula, em seu primeiro discurso após a vitória,
ele acertadamente pregou união e prometeu um governo para todos os brasileiros,
independentemente de suas escolhas políticas.
Lideranças associadas a Bolsonaro também
deram demonstrações de lucidez e compromisso inequívoco com a democracia.
Talvez a mais importante delas tenha vindo do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL). Mais do que um mero aliado, Lira foi a garantia de uma estabilidade
política sem a qual provavelmente Bolsonaro não teria conseguido concluir o
mandato, daí a relevância de suas declarações reconhecendo o resultado das
urnas minutos após o anúncio pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “A vontade
da maioria manifestada nas urnas jamais deverá ser contestada. Seguiremos em
frente na construção de um País soberano, justo e com menos desigualdades”,
afirmou.
Da mesma forma, o ex-ministro de
Infraestrutura de Bolsonaro e governador eleito de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, assegurou que buscará manter uma relação republicana com o presidente
eleito. “A partir de agora vamos olhar para frente, olhar para os interesses do
Estado de São Paulo”, disse, reconhecendo a importância do entendimento entre
Estados e o governo federal. Já o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles,
deputado federal eleito pelo PL-SP, postou, por meio de sua conta do Twitter,
que o resultado eleitoral traz reflexões e a necessidade de buscar caminhos de
pacificação de um país dividido ao meio. “É hora de serenidade.”
É por esse espírito democrático que este
jornal espera que o período de transição de governo seja marcado. Que a reação
do bolsonarismo radical à eleição de Lula, simbolizada pelo deselegante
silêncio de Bolsonaro sobre o resultado, pela deputada doidivanas que apontou
uma arma para um desafeto no meio da rua e pelos caminhoneiros que promoveram
baderna para protestar contra a vitória petista, seja apenas esperneio de mau
perdedor.
O sistema eleitoral orgulha o Brasil
O Estado de S. Paulo
Que a alegada ‘fragilidade’ das urnas volte a ser o que sempre foi: um não assunto, que só interessa a golpistas
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi
novamente um dos grandes protagonistas no segundo turno da eleição geral, ao
lado dos dois candidatos à Presidência da República, dos candidatos ao governo
de 12 Estados e, é claro, dos mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar
neste ano.
Tratou-se de um protagonismo bem distante
do sentido que o presidente Jair Bolsonaro tentou atribuir à atuação do TSE,
qual seja, o de “desequilibrar” a disputa em favor do petista Luiz Inácio Lula
da Silva. Nada mais longe da verdade factual.
Com tenacidade ímpar para lidar com ataques
igualmente inauditos contra o sistema eleitoral – até mesmo no dia da eleição,
como as operações da Polícia Rodoviária Federal, no mínimo irregulares,
demonstraram –, o TSE garantiu que o pleito transcorresse com total
tranquilidade, sem dar azo aos mais tênues indícios que pudessem comprometer a
lisura do pleito e, principalmente, a legitimidade dos eleitos.
Tanto foi assim que logo após a confirmação
do resultado da eleição presidencial, dignitários do mundo inteiro, como o
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; o presidente da França, Emmanuel
Macron; e os primeiros-ministros da Espanha, Pedro Sánchez; e da Alemanha, Olaf
Scholz, entre outros, vieram a público cumprimentar Lula da Silva por sua
inquestionável vitória.
Não resta dúvida, portanto, de que o
sistema eleitoral é digno da mais firme confiança dos cidadãos brasileiros. A
bem da verdade, essa confiança jamais havia sido posta em xeque com seriedade,
ou seja, para além das lamúrias de um ou outro perdedor, até que Bolsonaro
resolvesse fazer da mentira sobre a “fragilidade” das urnas eletrônicas uma
muleta para seu golpismo escancarado.
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro
pôs-se a atacar a higidez do mesmo sistema eleitoral que permitiu que não
apenas ele, mas quase toda a sua prole fizesse da atividade política um negócio
familiar. O desiderato do presidente nunca foi sequer escamoteado: disseminar
suspeição sobre a segurança das urnas como forma de justificar uma derrota que
decorreu primordialmente de um governo ruim. Até as Forças Armadas foram
envolvidas nesse ardil. Aliás, o Ministério da Defesa ainda deve à sociedade o
relatório da “fiscalização” da votação feita pelos militares.
Desde que as urnas eletrônicas foram
adotadas, em 1996, a segurança do sistema eleitoral brasileiro nunca fez parte
da agenda do debate público, sempre foi um não assunto. A rigor, quando se
tratou do modelo do País para organizar e apurar eleições ao longo desses 26
anos, foi para enfatizar a confiabilidade de um sistema que se tornou
referência para os países democráticos e orgulho para o Brasil.
Foi todo esse histórico de sucesso que o TSE se pôs a defender firmemente na eleição de 2022. Não foi uma tarefa trivial, considerando que a principal origem dos ataques ao sistema foi ninguém menos que o presidente Jair Bolsonaro, do alto do cargo que ocupa. Agora, passada a eleição, que a alegada “fragilidade” do sistema eleitoral volte a ser um não assunto, que só interessa a golpistas.
Urnas abrem leque de opções para disputa em
2026
Valor Econômico
O eixo SP-Minas deixou de ser tucano, mas
mantém peso determinante na gestação de alternativas de poder
O fim de uma eleição presidencial é o
início da próxima. A disputa de 2026 poderá se dar em bases distintas. Com a
saída de Lula da cena política, haverá uma troca de gerações no PT e a ascensão
de lideranças que se consolidaram hoje nas urnas. A distribuição do comando
político entre os principais Estados da federação tende a colocar novos
personagens na disputa pelo Planalto em 2026, insinua uma potencial reordenação
de forças em busca da centro-direita perdida e mantém no cenário a
possibilidade de Jair Bolsonaro capitanear uma oposição barulhenta e radical.
A sucessão de Lula no PT nunca foi colocada
a sério e a dependência do partido de seu líder único deixou a renovação a meio
caminho. Fernando Haddad é o político mais próximo do presidente eleito e com
mais chances de substituir Lula em eleições presidenciais, como fez em 2018,
quando o ex-presidente estava preso em Curitiba. Lula ofuscou outros
pretendentes natos do partido. Após seus dois primeiros mandatos, quando teve
de escolher quem concorreria ao Planalto pelo PT, Lula ignorou os quadros partidário
e optou por uma militante recém-egressa do PDT, Dilma Rousseff, cujo governo
foi muito mal-sucedido. O PT tem bons quadros regionais, mas praticamente
nenhum de projeção nacional, com exceção de Haddad.
A sucessão petista poderá importar menos se
Lula fizer um mau governo ou for impedido de governar por uma oposição
generalizada. Esse seria o pior cenário, o status quo da alternância dos dois
polos na Presidência, com Lula sucedendo Bolsonaro e depois sendo sucedido por
Bolsonaro novamente, ou por alguém com as mesmas posições políticas. Resta, no
entanto, saber qual o papel que Jair Bolsonaro desempenhará a partir de
janeiro. Pela primeira vez em 32 anos, estará na planície, sem mandato e
possivelmente com dezenas de processos o perseguindo na Justiça.
Bolsonaro não teve interesse em criar um
partido seu e o atual ao qual é filiado, o PL, pertence a Valdemar Costa Neto,
cujos interesses não coincidem sempre com os do clã Bolsonaro. Sem ser
formalmente líder de nada, indisciplinado e destrutivo, é duvidoso que
Bolsonaro construa, com ou sem o PL, um movimento organizado longevo. Até hoje
não teve nenhum interesse nisso.
Com o crescimento dos bolsonaristas no polo
extremo, há um vácuo na centro-direita a ser preenchido - a terceira via não
conseguiu fazê-lo em 2022 -, e que foi ocupado pelo PSDB. Pelo lado das forças
políticas que não se inclinaram para o bolsonarismo, Simone Tebet (MDB), a
governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e o governador reeleito
do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), podem galvanizar um reordenamento
de grupos centristas que desapareceram do mapa político. Tebet, que fez uma boa
campanha presidencial, continuará em evidência, pois deverá fazer parte do novo
governo de Lula.
Entre os que ascenderam apoiados na onda
bolsonarista, há candidatos naturais a tentar a sorte em uma disputa em que os
favoritos do passado, como Lula, se foram e sem outro líder popular, como
Bolsonaro, no páreo. O governador reeleito de Minas, Romeu Zema (Novo), é um
deles. Zema é conservador, apoiou o presidente no segundo turno, mas guardou
prudente distância dele no primeiro turno, quando enfrentou a candidatura
apoiada pelo PT de Alexandre Kalil (PSD). Moderação e movimentos em direção ao
centro podem posicioná-lo na próxima corrida presidencial.
Ao assumir o comando do Estado mais rico do
país e desbancar os tucanos, que governaram São Paulo por 28 anos, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, reuniu
condições políticas para pensar em voos mais altos em 2026. Mais burocrata que
homem de partido, Tarcísio bateu tucanos e petistas e alinhou as forças
conservadoras do Estado. Se Bolsonaro naufragar na operação política de
comandar a oposição ao governo Lula, algo difícil de se realizar sem cargos públicos
ou partidários que lhe deem evidência e publicidade, Tarcísio pode tentar voo
em aliança com legendas mais moderadas, como o PSD, de Ratinho Jr, reeleito
para o governo do Paraná.
O PSD de Kassab, por seu lado, esteve na
operação que engendrou a candidatura de Tarcisio e de Kalil e, ao que tudo
indica, fará aliança com Lula. Kassab foi ministro de Dilma Rousseff. Tem a
quinta maior bancada na Câmara, com 42 deputados.
O eixo SP-Minas deixou de ser tucano, mas
mantém peso determinante na gestação de alternativas de poder. O desempenho do
governo Lula determinará, claro, as chances de seus opositores e a de seu
sucessor.
Vergonha nacional! A ação da PRF durante e após as eleições foi realmente vergonhosa, escandalosa! A PRF agiu e age como uma MILÍCIA BOLSONARISTA! Seu diretor tem que ser demitido imediatamente! Já torturaram e assassinaram um cidadão dentro duma viatura, e quase nada aconteceu... Se associam aos caminhoneiros antidemocratas e nada fazem para liberar as rodovias. E os bolsonaristas que se diziam defensores da liberdade absoluta, apoiam estes bloqueios que impedem o ir e vir de todos os cidadãos!
ResponderExcluirBolsonaro é um canalha omisso! 2 dias de omissão permitindo que seus milicianos caminhoneiros bloqueiem rodovias federais prejudicando toda a população, e o canalha nada fez para resolver os bloqueios! GENOCIDA INCOMPETENTE!
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