Lula testa a paciência ao ignorar críticas
O Globo
Em vez de ouvir os aduladores, ele deveria
prestar atenção à bomba fiscal prestes a ser lançada sobre o país
Faltando seis semanas para a troca de poder
em Brasília, tem sido decepcionante a reação do presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva às críticas. Animado pela vitória, ele tem preferido ouvir as
vozes dos aduladores a encarar a realidade da bomba fiscal prestes a cair sobre
o país. Ao comentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que
amplia de forma irresponsável o gasto do governo a partir de 2023, Lula se saiu
mais uma vez com um despropósito: “Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar
vai aumentar? Paciência”.
Paciência, o novo governo tem testado não apenas a dos mercados, mas a de todos os brasileiros que sabem fazer contas. Aumentar gastos sem amparo de receitas nem gestão do passivo levará a um ciclo bem conhecido no Brasil: aumento descontrolado do endividamento, juros elevados, dólar mais caro, inflação alta e menos crescimento econômico. Como sabe qualquer um que já tenha contraído dívidas, países que gastam sem limites têm mais dificuldades para rolar seus compromissos.
A PEC apresentada na quarta-feira pelo
vice-presidente eleito Geraldo Alckmin é uma licença para somar R$198 bilhões
às despesas do ano que vem, mais R$175 bilhões todo ano daí para frente. Além
do novo Bolsa Família, que ficaria permanentemente fora do teto de gastos, mais
R$ 23 bilhões são destinados ao que os avatares do novo governo chamam de
“investimentos sociais”. Tudo falaciosamente em nome dos mais pobres. Na prática,
trata-se de gasto no presente, com inflação e miséria contratadas no futuro.
Pelas simulações publicadas em artigo no
GLOBO pelos economistas Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, Marco Bonomo
e Paulo Ribeiro, do Insper, se forem aprovados os R$175 bilhões fora
do teto, as consequências serão terríveis. A dívida bruta entraria em
trajetória de crescimento explosivo, ultrapassando 96% do PIB no fim do próximo
mandato. Nesse cenário, a economia cresceria apenas 0,5% em 2023 e 1,5% de 2024
em diante. Se o Congresso passar os R$ 198 bilhões, o resultado seria ainda
pior.
Uma proposta alternativa apresentada pelos
três economistas contempla espaço para gastos sociais mais urgentes, sem
provocar uma longa crise nas contas públicas. Com uma PEC da Transição que
autorizasse gastos de R$ 79 bilhões no ano que vem, seria possível manter o
novo Bolsa Família em R$ 600 mensais, dar aumento real de 1,4% ao salário
mínimo, zerar a fila do SUS, recompor o programa Farmácia Popular, a merenda
escolar e ainda dar dinheiro à Cultura. A dívida subiria nos próximos quatro
anos, mas cairia a partir de 2028. Mais importante: a economia apresentaria
taxas maiores de crescimento.
É certo que o Congresso fará cortes na
proposta. Contando com isso, o valor deve ter sido inflado. Mas só ele ter
chegado perto de 2% do PIB mostra que o governo eleito sonha em ter uma quantia
irresponsavelmente gigante ao final da negociação. É uma demanda que traduz
discurso e prática do velho PT que levou o Brasil à bancarrota: o Estado é a
solução para todos os males, o mercado vive especulando “todo santo dia”, e criar
ministérios é solução mágica para tudo. Nada mais sintomático que a equipe de
transição, a maior já montada, com 31 núcleos temáticos e 283 nomes para
agradar a todos os grupos políticos da ampla coalizão vitoriosa na eleição —
quando só uma pessoa toma decisões: o próprio Lula.
Proposta de dar aumento salarial ao
governador paulista é excrescência
O Globo
Desdobramento são reajustes em cascata — e
um exemplo de desleixo fiscal para o resto do país
Não tem cabimento a proposta que tramita na
Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) de aumentar em 50% os salários do
próximo governador, vice e secretários. Caso prospere, os vencimentos do chefe
do Executivo passariam de R$ 23 mil para R$ 34,5 mil. O maior problema são os
desdobramentos. Como o salário do governador é referência para o teto do
funcionalismo, a medida acarretaria reajustes em cascata para inúmeras
categorias do serviço público. O impacto anual na folha salarial do estado é
estimado em R$ 1,5 bilhão.
O projeto tem o apoio da base do atual
governador, Rodrigo Garcia (PSDB), e de aliados do governador eleito, o
ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos). Conta com aval também de
deputados de diferentes partidos, como Republicanos, PSDB, MDB e PT. Tudo na
correria, sem discussão e sem a apresentação de estudos sobre o efeito nas
finanças estaduais. Em menos de um minuto, parlamentares aprovaram um
requerimento para que a proposta tramite em regime de urgência. Por que a
pressa? “São Paulo permite dar esse aumento, nós temos recursos em caixa para
isso”, diz Garcia, derrotado nas últimas eleições para o Palácio dos
Bandeirantes.
O argumento é frágil. Disponibilidade
orçamentária não significa conceder aumento a quem não precisa, especialmente
num momento de crise fiscal aguda. Trata-se de um acinte à sociedade. As
calçadas de São Paulo estão repletas de barracas que servem de moradia
improvisada a famílias que não têm renda alguma. A Alesp se empenha para
aumentar ainda mais o fosso social. Sabe-se que o lobby que incensa o projeto
vem de categorias cujos vencimentos já batem no teto do funcionalismo estadual,
caso de delegados de polícia e auditores fiscais.
É lamentável que, no ocaso de seu governo,
Garcia jogue por terra a tradição de responsabilidade fiscal, marca das gestões
tucanas desde Mário Covas, nos anos 1990. É graças a tal qualidade que o estado
se mantém como um dos mais saudáveis financeiramente. De acordo com dados do
Tesouro Nacional do segundo quadrimestre de 2022, as despesas com pessoal em
relação à receita corrente líquida (37,6% no Executivo; 4,6% no Judiciário;
0,8% no Legislativo; e 1,14% no Ministério Público) estão dentro dos limites previstos
em lei. São Paulo é o quarto estado em melhor situação, atrás de Mato Grosso,
Maranhão e Distrito Federal.
O governador eleito Tarcísio de Freitas tem procurado se manter à sombra da discussão, evitando o ônus do desgaste e colhendo os benefícios das novas remunerações. Ele deveria usar seu cacife eleitoral de 13,5 milhões de votos para abortar essa excrescência com enorme potencial de influenciar outros estados. É ridículo dizer que a decisão cabe apenas aos deputados. A discussão que mobiliza o país é como acomodar no orçamento de 2023 os gastos sociais com os mais pobres. É inconcebível que, enquanto isso, deputados paulistas alheios à realidade estejam empenhados em acomodar no orçamento do ano que vem os gastos com os mais ricos.
Lula pede mais juros
Folha de S. Paulo
Danos em potencial da proposta do eleito
vão além da Bolsa e sacrificam pobres
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), propõe aumento da inflação e dos juros, menos emprego e crescimento
econômico, mais ganhos para os rentistas.
Esses seriam os efeitos práticos e
prováveis da proposta
petista para a expansão incondicional do gasto público, enfim
apresentada ao Congresso na quarta-feira (16). Não se trata apenas, como Lula diz
em tom de desdém, de alta do dólar e queda da Bolsa de Valores.
A minuta de emenda constitucional confirma
as piores expectativas semeadas desde o desfecho das eleições. Pretende-se não
somente abrir espaço no Orçamento de 2023 para a preservação da proteção social
—o que é justo e necessário— mas também abrir uma exceção permanente aos já
debilitados limites da despesa pública.
Na leitura mais otimista possível, que
exige ignorar mais uma rodada de declarações demagógicas de Lula, o texto que
veio à tona é apenas uma peça de negociação, a ser
ajustada durante a tramitação legislativa nas próximas semanas.
Nessa hipótese, partidos oposicionistas e
independentes, além do famigerado centrão, não estariam dispostos a conceder
tamanha regalia orçamentária ao novo governo. Uma norma de alcance mais
restrito, pelo mesmo raciocínio, forçaria o Planalto a novos entendimentos
congressuais em breve.
Será inevitável, afinal, definir até o
próximo ano um novo mecanismo de controle da dívida pública. Ao menos, assim se
espera.
Tais conjecturas, entretanto, não podem
encobrir o essencial —os péssimos sinais emitidos pelo eleito, seu discurso
vazio e os riscos aos quais ele submete todo o país.
Na dinâmica política brasileira, é ao
Executivo que cabe zelar pela solidez das finanças públicas, e não só porque é
a popularidade do presidente que se esvai quando se elevam os preços e as
demissões.
Um Congresso fragmentado em uma miríade de
legendas sem consistência programática constitui palco propício para medidas
eleitoreiras perdulárias, casuísmos e interesses de grupos organizados.
Lula, ademais, mostra desprezo aos apoios
que buscou e conseguiu de políticos e economistas qualificados de outras
orientações, guiando-se pelo personalismo na retórica e pela pauta petista na
ação.
Há tempo e meios para evitar o desastre,
mas eles são exíguos. Em questão de semanas, uma piora geral de expectativas
começa a afetar a vida real. Dólar mais alto eleva a inflação, reduz-se a
perspectiva de redução dos juros do Banco Central, empresários freiam
contratações e investimentos.
A soberba exibida por Lula até aqui —inexplicável para quem venceu a eleição por margem mínima e terá dura oposição— é o maior obstáculo à correção de rumos.
Irã brutal
Folha de S. Paulo
Repressão violenta a protestos no país leva
ONU a criar comissão de investigação
Dois meses depois que a morte de Mahsa
Amini desencadeou uma onda de indignação popular no Irã, a nação persa segue em
transe.
A jovem curda de 22 anos, recorde-se, foi
detida pela polícia moral do regime teocrático sob a acusação de ter violado o
código de vestimenta que inclui a exigência do uso do hijab, um lenço que cobre
a cabeça. Morreu dias depois, ao que tudo indica, em decorrência de maus-tratos
sofridos na prisão.
Desde então, os protestos que eclodiram em
diversas cidades vêm ganhando volume e passaram a incorporar pautas que vão
além dos direitos das mulheres.
Marcado pela grande diversidade geográfica
e etária dos manifestantes, que hoje clamam sobretudo por liberdade e gritam
"morte ao ditador", o movimento expõe a profunda insatisfação de
parte expressiva da população iraniana com a gerontocracia que governa o país
com mão de ferro —e que, até agora, não
conseguiu oferecer outra resposta senão repressão.
Segundo a ONG Direitos Humanos do Irã, ao
menos 326 pessoas foram mortas durante os confrontos com as forças de segurança
—incluindo 43 crianças. Organizações internacionais de direitos humanos apontam
ainda que mais de 15 mil iranianos foram detidos desde o início dos protestos.
O regime também tem se valido do assédio
judicial. No domingo (13), um
manifestante foi condenado à pena capital por perturbação da
ordem pública e crime contra a segurança nacional. Estima-se que mais de 2.000
pessoas já tenham sido processadas em decorrência da participação nos atos
contra o governo.
Diante da violência sistemática, o Conselho
de Direitos Humanos da ONU convocou para o próximo dia 24 uma reunião que deve
aprovar a criação de uma missão internacional para investigar os abusos
perpetrados pelas forças iranianas.
O encontro multilateral vem na esteira de
uma rodada de sanções impostas por EUA e União Europeia a membros da polícia
moral e outras autoridades da ditadura teocrática que há 43 anos assola país.
Embora o efeito das medidas seja limitado,
e mais possa ser feito na arena diplomática, tais gestos não podem ser
menosprezados.
Trata-se de mecanismo que aumenta a pressão
internacional sobre o regime e constitui uma importante demonstração de
solidariedade à legião de iranianos que vêm arriscando a vida por mais
liberdade e justiça em seu país.
A ignorância de Lula sobre o mercado
O Estado de S. Paulo
O presidente eleito mostra desconhecimento, ingenuidade e preconceito ao comentar a reação ‘especulativa’ do mercado às suas falas imprudentes sobre disciplina fiscal
Como cidadão, o senhor Luiz Inácio Lula da
Silva pode abominar o mercado, achar desprezível o jogo dos preços e comprar
arroz, feijão, farinha, sapatos e medicamentos como se fossem produzidos,
normalmente, sem a combinação de expectativas de mercado, estimativas de
custos, tendências dos juros e, em muitos casos, de prospecções geopolíticas. É
muito diferente, no entanto, a situação de um presidente eleito. Quem vai
governar um país deve mostrar bom senso, realismo e conhecimento de fatos
básicos do mundo real, mesmo sem formação especializada em assuntos econômicos,
agronômicos, industriais, militares, legais, diplomáticos, sanitários e
educacionais. O mercado, um ente às vezes mal compreendido e nem sempre visto
com simpatia, é um componente dessa realidade.
Tendo sido líder sindical, parlamentar e
presidente da República por dois mandatos, o vencedor da última eleição
presidencial deveria mostrar-se mais familiarizado com esse fato. No entanto, o
presidente eleito Lula da Silva tem agido, de forma insistente, como se fosse
um recém-chegado ao mundo da responsabilidade pública e das grandes decisões. O
tal mercado normalmente reage às declarações e ações de quem exerce ou vai
exercer uma função relevante. Reações são especialmente compreensíveis quando
essa função é a Presidência da República.
Qualquer pessoa com informação suficiente
sobre o dia a dia dos negócios deve ser capaz de entender, portanto, os choques
motivados por palavras desastradas de um cidadão recém-escolhido para governar
o País.
Palavras desastradas têm sido fartas nos
pronunciamentos do presidente eleito. Nada mais previsível que ações em queda e
dólar em alta quando ele deixa antever qualquer desmando na condução das
finanças públicas. No dia 10, ele falou da “tal estabilidade fiscal” como se
fosse um assunto secundário. Diante da repercussão, acusou o mercado de ficar
nervoso “à toa”. Mas as declarações infelizes têm mostrado mais que descuido ou
imprudência. Revelam desconhecimento e preconceito.
Sim, o experiente político Lula mal conhece
o mercado, ignora seu funcionamento e é preconceituoso em relação aos critérios
de quem participa do jogo – nas finanças, na indústria, na agropecuária e nos
serviços. Essa ignorância foi exibida, de forma inequívoca, na quinta-feira,
quando ele se referiu à especulação: “Se eu falar isso, vai cair a bolsa, vai
aumentar o dólar. Porque o dólar não aumenta e a bolsa cai por conta das
pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo
santo dia”.
Ao revelar sua visão ingênua da especulação,
o presidente eleito escancara seu despreparo para cuidar de certos assuntos e
um preconceito surpreendente. Especulação, em sentido próprio, é, sim, coisa de
gente séria. Quem toma decisões com base na avaliação de hipóteses, na
ponderação de sinais às vezes muito limitados e em probabilidades às vezes mal
conhecidas está especulando.
Uma alteração repentina do tempo no Brasil,
na Austrália ou na Argentina pode motivar uma revisão das projeções no mercado
agrícola no qual safras são negociadas desde antes do plantio, com preços
sujeitos a muitos fatores, como chuvas ou estiagens fora dos padrões esperados
ou mudanças nas políticas de juros.
Não só grandes negociantes participam do
jogo. Um pequeno produtor de feijão leva em conta fatores bem definidos, como a
política de preços mínimos, e outros bem menos seguros, como a expectativa de
mercado, ao decidir a extensão do novo plantio. Com ou sem lances
espetaculares, decisões baseadas em projeções, expectativas e às vezes em
apostas elementares podem ocorrer em muitos mercados – nos de moedas, de ouro,
de títulos públicos e privados, de combustíveis, de minerais estratégicos e de
alimentos. Parte do dinheiro movimentado nesse cassino acaba financiando a
produção valorizada por quem condena a tal especulação. Talvez algum economista
do PT conheça esses fatos. Se passar a informação ao seu líder, poderá poupá-lo
de novas demonstrações de apedeutismo.
É preciso prestigiar o Ministério da
Justiça
O Estado de S. Paulo
Promoção da segurança exige cumprimento da lei e políticas públicas responsáveis, não uma pasta específica. Valorizar o Ministério da Justiça é sinal de zelo pelo Estado de Direito
Na estrutura do Executivo federal, existe o
Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com a perspectiva de um novo
governo, observa-se uma pressão política crescente para que seja recriada uma
pasta exclusiva para a segurança pública. Em fevereiro de 2018, o presidente
Michel Temer instituiu, por meio da Medida Provisória (MP) 821/2018, o
Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que, no início do governo
Bolsonaro, foi reincorporado à pasta da Justiça.
O tema exige cuidado. O Ministério da
Justiça tem papel fundamental no bom funcionamento da administração federal. A
pasta é responsável, no âmbito do Executivo federal, pela defesa da ordem
jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Tem uma importância
histórica e institucional única, expressa na própria configuração urbanística e
arquitetônica de Brasília, que conferiu posição de destaque ao Palácio da
Justiça Raymundo Faoro, sede da pasta.
Não é uma questão burocrática. Não é um
tema abstrato. Um governo que preza o Estado Democrático de Direito – que
vislumbra sua função exclusivamente dentro dos limites da lei, que entende o
exercício do poder exclusivamente dentro dos trilhos institucionais – valoriza
necessariamente o Ministério da Justiça. A retidão legal e constitucional do
exercício do poder federal depende, em boa medida, da pasta da Justiça. É
sintomático que, sob o governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça tenha
tido tão pouca relevância institucional e tão pouco peso político, ao mesmo
tempo que se viu envolto em escândalos, como as suspeitas de interferência na
Polícia Federal.
O Ministério da Justiça tem também um papel
muito importante para fora do governo, com a sociedade. No âmbito da
administração federal, ele é o grande defensor dos direitos de todos e de cada
um dos cidadãos. Tem uma função educativa e comunicativa especialíssima a
respeito do funcionamento prático de um Estado Democrático de Direito, com seus
princípios, requisitos e garantias. Em 2019, neste espaço, elogiou-se uma
campanha publicitária do Ministério da Justiça da Alemanha a respeito do Estado
de Direito (O que é o
Estado de Direito, 14/10/2019). Desde então, no Brasil, o tema
ganhou ainda mais relevância e urgência. Não há cumprimento da lei, tampouco
respeito às liberdades, se as pessoas desconhecem seu conteúdo concreto e suas
exigências práticas.
Quanto à questão da segurança pública, vale
destacar que, por força do princípio federativo, a competência imediata é dos
Estados. No entanto, é óbvio que o tema, uma das prioridades da população,
exige atenção especial do Executivo federal. A criminalidade contemporânea não
é meramente local, ultrapassando fronteiras estaduais e nacionais. Mas a
importância do tema não faz exigir, por si só, a criação de um Ministério
específico.
A rigor, uma compreensão responsável acerca
da segurança pública – que não é meramente punição; é, sobretudo, prevenção –
recomenda justamente que o tema fique sob a alçada do Ministério da Justiça,
uma vez que tudo se relaciona com o cumprimento da lei e com o respeito ao
Estado Democrático de Direito. Por exemplo, seja em qual esfera for, o tema das
polícias nunca é meramente operacional. É sempre institucional. Sempre envolve
o enquadramento do uso da força nos trilhos legais.
É muito oportuno e simbólico, portanto, que
o Ministério da Justiça se ocupe também da segurança pública. O caminho para a
promoção da paz e da ordem pública é a lei – o exercício do poder dentro da
mais estrita institucionalidade, respeitando o direito de todos. Segurança
pública não requer medidas espetaculosas e populistas. Exige políticas públicas
responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma coordenada com Estados e
municípios.É preciso restaurar o prestígio do Ministério da Justiça, que é
resgatar o próprio sentido do Estado Democrático de Direito. Não há exercício
do poder fora da lei. Todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e
os mesmos deveres, sem discriminações e sem privilégios.
O Enem resiste
O Estado de S. Paulo
Prova com temas hostilizados pelo bolsonarismo mostra que a institucionalidade venceu a ideologia
A educação, como se sabe, está entre as
áreas mais prejudicadas pela sucessão de erros e omissões do governo de Jair
Bolsonaro. Extremismo ideológico, incompetência e falta de projeto nacional,
coroados por graves denúncias de corrupção, deram o tom desde o início do
mandato − e contribuíram para que o retrocesso educacional fosse ainda maior
durante a pandemia de covid-19. Ao que parece, contudo, felizmente o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), a despeito da queda vertiginosa no número de
inscritos, sobreviveu à trevosa era bolsonarista. Prova disso foi o primeiro
dia de exame, no último domingo, com um rol de questões elogiadas por
professores, dadas a sua abrangência, sua relevância e contemporaneidade.
Os 2,4 milhões de participantes responderam
a testes de Linguagens e Ciências Humanas, além da prova de Redação. Assuntos
negligenciados ou mesmo combatidos na agenda bolsonarista ganharam destaque. Na
redação, por exemplo, os candidatos tiveram que escrever sobre Desafios
para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Trata-se de
uma ousadia, considerando que ainda está no governo um presidente claramente
avesso a reconhecer a importância dos povos tradicionais do País.
Na parte objetiva da prova, houve perguntas
sobre Estado de Direito, desigualdades sociais, meio ambiente e o papel da
mulher na sociedade, temas que só frequentam o discurso de Bolsonaro quando lhe
servem de pretexto para causar confusão e tumultuar a democracia.
Em larga medida, a resiliência do exame
reflete o que pode ser resumido em uma palavra: institucionalidade. O Enem é
promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), uma autarquia do Ministério da Educação (MEC) formada por
servidores concursados. Trata-se de profissionais que, ao longo de quase quatro
anos, resistiram a pressões de todo o tipo, inclusive do próprio presidente da
República, que não se cansou de criticar publicamente o teor das questões,
cobrando alinhamento ideológico a dogmas bolsonaristas.
No Inep, a institucionalidade de um órgão
de Estado serviu de obstáculo a investidas cujo propósito era interferir
indevidamente no conteúdo das questões. Tal resistência, por óbvio, foi
carregada de tensões, e envolveu até um pedido coletivo de exoneração às
vésperas do Enem de 2021, assim como denúncias de assédio moral ou da inépcia
de dirigentes máximos do instituto.
Não à toa, o comando do Inep experimentou alta rotatividade no atual governo, com um total de cinco presidentes nomeados por Bolsonaro. Em julho, já em meio à campanha pela reeleição e temendo um descalabro administrativo, o governo parece ter jogado a toalha ao indicar, interinamente, Carlos Moreno, um respeitado técnico. Como tivemos a oportunidade de registrar neste espaço, à época, foi uma decisão sensata – um fato raro. Ao resistir aos desmandos bolsonaristas, o Inep deu um bom exemplo à administração pública e firmou um padrão que deve orientar sua atuação hoje e sempre, sob qualquer governo.
Lula reforça discurso de gastos, sem a
contrapartida fiscal
Valor Econômico
A tramitação da PEC da Transição será um
teste para se conhecer a força da real oposição ao governo de Lula
O orçamento de 2023, elaborado pelo governo
Jair Bolsonaro, é deplorável e inexequível e era imperativo que o governo
eleito tentasse corrigi-lo. O problema é que ele quer bem mais que um alívio
temporário que o permita ter as condições mínimas de administrar o país a
partir do ano que vem. A equipe de Lula apresentou uma proposta de emenda
constitucional para retirar todo o Auxílio Brasil (que voltará a ser Bolsa
Família), do teto de gastos de forma permanente, ou, se não for possível, por
toda a duração de seu mandato.
A iniciativa do governo eleito de enfatizar
liberdade de gastos antes de sinalizar a contrapartida de sua política fiscal
abriu espaço para atritos, incompreensões e descoordenação no início da
transição. Uma delas, relevante, é que os economistas da equipe de transição
não foram informados do que está sendo discutido e decidido pelo senador
Wellington Dias (PT-PI), responsável pela negociação do orçamento pelo novo
governo. Isso inverte a lógica do que deveria ser uma transição ordenada.
Espera-se do heteróclito quarteto formado por Persio Arida, Lara Resende, Nelson
Barbosa e Guilherme Melo o desenho da nova política fiscal, pois a promessa de
Lula foi acabar com o teto de gastos.
O governo eleito apresentou proposta para
retirar R$ 198 bilhões do teto, perto de 2% do PIB, em orçamento que já prevê
déficit de R$ 64 bilhões. Soa incongruente querer recursos livres de limite por
tanto tempo para um governo que vai extingui-lo. O ano de 2023 deve ser
suficiente para que ele apresente sua política para as contas públicas. Após
mais de dez meses na dianteira de Lula nas pesquisas eleitorais, é razoável
supor que um esboço fiscal exista. Pode ser que o novo governo julgue que não
tenha força para derrubar o teto, o que é menos provável diante de um Congresso
que por três anos consecutivos aprovou desvios dos limites sem pestanejar.
O volume de recursos que ficarão fora do
teto parece excessivo, tanto mais quando menos se conhece o que virá no lugar
do teto de gastos. Essencial é garantir recursos para os R$ 600 do Auxílio
Brasil, que custará R$ 152 bilhões, mais R$ 18 bilhões para incluir R$ 150 de
pagamento a cadastrados com filhos menores de 6 anos. Esse complemento, porém,
bem poderia ser feito com calma, no redesenho de um programa que foi
desfigurado, tornou-se bem mais caro e perdeu todo o foco.
Fora ou dentro do teto, os programas
sociais darão um salto no orçamento, se a PEC passar. Só o futuro Bolsa
Família, mais R$ 80 bilhões (atuais) do benefício de prestação continuada e R$
66 bilhões do abono salarial e seguro desemprego consumirão R$ 320 bilhões.
Isso equivale a 14,2% das receitas totais do governo central (sem
transferências), de R$ 2,3 trilhões arrecadados nos 12 meses encerrados em
setembro, corrigidos pelo IPCA.
O uso de receitas extraordinárias para
investimento, limitado a R$ 22,3 bilhões, retira indevidamente recursos
destinados ao pagamento de dívidas para gastos. “Vamos colocar na Constituição
a possibilidade de ter excesso de arrecadação num ano em que teremos déficit
primário. É um total nonsense”, disse ao Valor o economista Gabriel de Barros.
O presidente eleito voltou ontem a
contrapor programas sociais à austeridade fiscal, provocando reação de
economistas que nele votaram, como Arminio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha
que, em carta, afirmaram que essa oposição não existe e as consequências ruins
de sustentá-las. O tom de Lula voltou a agitar os mercados, que indicaram alta
de juros em 2023 e taxas acima de 13% em todo o próximo mandato.
A inquietação é alimentada pelo
desequilíbrio do discurso de Lula, quase que todo centrado em gastos e
estímulos ao crescimento, o que eleva o déficit público quando a conta de juros
é enorme, e menos no equilíbrio fiscal. Como na campanha, Lula aponta seu
passado de responsabilidade fiscal em dois mandatos como garantia. Na época,
robustos superávits primários foram assegurados por um ciclo de alta das
commodities e aumento de arrecadação. Não é o que se prevê para o próximo par
de anos.
A tramitação da PEC da Transição será um
teste para se conhecer a força da real oposição ao governo de Lula e dos
aliados que aparecerão no caminho. O relator no Senado não será Marcelo Castro
(MDB-PI), simpático a ela. David Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da
Comissão de Constituição e Justiça, disse que ela só passará na Casa caso a
exceção ao teto dure um ano. O senador foi um dos grandes beneficiários das
emendas do relator, cuja manutenção é uma das moedas de barganha implícitas nas
negociações da PEC.
Os editoriais canalhas como sempre fazendo discursinho raso uníssono em defesa do capital. Eles não querem que o Brasil invista, eles querem que o Brasil venda todo seu patrimònio de preferência. Desestatize tudo em favor do capital financeiro e como forma para pagar os títulos. Pra cima deles Lula!
ResponderExcluirPra cima deles Lula. - não difere do Bolsonaro, petistas em plena hipocrisia
ResponderExcluirÉ o que temíamos a capa dó fingimento, mostrando a que veio.
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