sexta-feira, 18 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula testa a paciência ao ignorar críticas

O Globo

Em vez de ouvir os aduladores, ele deveria prestar atenção à bomba fiscal prestes a ser lançada sobre o país

Faltando seis semanas para a troca de poder em Brasília, tem sido decepcionante a reação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva às críticas. Animado pela vitória, ele tem preferido ouvir as vozes dos aduladores a encarar a realidade da bomba fiscal prestes a cair sobre o país. Ao comentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que amplia de forma irresponsável o gasto do governo a partir de 2023, Lula se saiu mais uma vez com um despropósito: “Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar vai aumentar? Paciência”.

Paciência, o novo governo tem testado não apenas a dos mercados, mas a de todos os brasileiros que sabem fazer contas. Aumentar gastos sem amparo de receitas nem gestão do passivo levará a um ciclo bem conhecido no Brasil: aumento descontrolado do endividamento, juros elevados, dólar mais caro, inflação alta e menos crescimento econômico. Como sabe qualquer um que já tenha contraído dívidas, países que gastam sem limites têm mais dificuldades para rolar seus compromissos.

A PEC apresentada na quarta-feira pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin é uma licença para somar R$198 bilhões às despesas do ano que vem, mais R$175 bilhões todo ano daí para frente. Além do novo Bolsa Família, que ficaria permanentemente fora do teto de gastos, mais R$ 23 bilhões são destinados ao que os avatares do novo governo chamam de “investimentos sociais”. Tudo falaciosamente em nome dos mais pobres. Na prática, trata-se de gasto no presente, com inflação e miséria contratadas no futuro.

Pelas simulações publicadas em artigo no GLOBO pelos economistas Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, Marco Bonomo e Paulo Ribeiro, do Insper, se forem aprovados os R$175 bilhões fora do teto, as consequências serão terríveis. A dívida bruta entraria em trajetória de crescimento explosivo, ultrapassando 96% do PIB no fim do próximo mandato. Nesse cenário, a economia cresceria apenas 0,5% em 2023 e 1,5% de 2024 em diante. Se o Congresso passar os R$ 198 bilhões, o resultado seria ainda pior.

Uma proposta alternativa apresentada pelos três economistas contempla espaço para gastos sociais mais urgentes, sem provocar uma longa crise nas contas públicas. Com uma PEC da Transição que autorizasse gastos de R$ 79 bilhões no ano que vem, seria possível manter o novo Bolsa Família em R$ 600 mensais, dar aumento real de 1,4% ao salário mínimo, zerar a fila do SUS, recompor o programa Farmácia Popular, a merenda escolar e ainda dar dinheiro à Cultura. A dívida subiria nos próximos quatro anos, mas cairia a partir de 2028. Mais importante: a economia apresentaria taxas maiores de crescimento.

É certo que o Congresso fará cortes na proposta. Contando com isso, o valor deve ter sido inflado. Mas só ele ter chegado perto de 2% do PIB mostra que o governo eleito sonha em ter uma quantia irresponsavelmente gigante ao final da negociação. É uma demanda que traduz discurso e prática do velho PT que levou o Brasil à bancarrota: o Estado é a solução para todos os males, o mercado vive especulando “todo santo dia”, e criar ministérios é solução mágica para tudo. Nada mais sintomático que a equipe de transição, a maior já montada, com 31 núcleos temáticos e 283 nomes para agradar a todos os grupos políticos da ampla coalizão vitoriosa na eleição — quando só uma pessoa toma decisões: o próprio Lula.

Proposta de dar aumento salarial ao governador paulista é excrescência

O Globo

Desdobramento são reajustes em cascata — e um exemplo de desleixo fiscal para o resto do país

Não tem cabimento a proposta que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) de aumentar em 50% os salários do próximo governador, vice e secretários. Caso prospere, os vencimentos do chefe do Executivo passariam de R$ 23 mil para R$ 34,5 mil. O maior problema são os desdobramentos. Como o salário do governador é referência para o teto do funcionalismo, a medida acarretaria reajustes em cascata para inúmeras categorias do serviço público. O impacto anual na folha salarial do estado é estimado em R$ 1,5 bilhão.

O projeto tem o apoio da base do atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), e de aliados do governador eleito, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos). Conta com aval também de deputados de diferentes partidos, como Republicanos, PSDB, MDB e PT. Tudo na correria, sem discussão e sem a apresentação de estudos sobre o efeito nas finanças estaduais. Em menos de um minuto, parlamentares aprovaram um requerimento para que a proposta tramite em regime de urgência. Por que a pressa? “São Paulo permite dar esse aumento, nós temos recursos em caixa para isso”, diz Garcia, derrotado nas últimas eleições para o Palácio dos Bandeirantes.

O argumento é frágil. Disponibilidade orçamentária não significa conceder aumento a quem não precisa, especialmente num momento de crise fiscal aguda. Trata-se de um acinte à sociedade. As calçadas de São Paulo estão repletas de barracas que servem de moradia improvisada a famílias que não têm renda alguma. A Alesp se empenha para aumentar ainda mais o fosso social. Sabe-se que o lobby que incensa o projeto vem de categorias cujos vencimentos já batem no teto do funcionalismo estadual, caso de delegados de polícia e auditores fiscais.

É lamentável que, no ocaso de seu governo, Garcia jogue por terra a tradição de responsabilidade fiscal, marca das gestões tucanas desde Mário Covas, nos anos 1990. É graças a tal qualidade que o estado se mantém como um dos mais saudáveis financeiramente. De acordo com dados do Tesouro Nacional do segundo quadrimestre de 2022, as despesas com pessoal em relação à receita corrente líquida (37,6% no Executivo; 4,6% no Judiciário; 0,8% no Legislativo; e 1,14% no Ministério Público) estão dentro dos limites previstos em lei. São Paulo é o quarto estado em melhor situação, atrás de Mato Grosso, Maranhão e Distrito Federal.

O governador eleito Tarcísio de Freitas tem procurado se manter à sombra da discussão, evitando o ônus do desgaste e colhendo os benefícios das novas remunerações. Ele deveria usar seu cacife eleitoral de 13,5 milhões de votos para abortar essa excrescência com enorme potencial de influenciar outros estados. É ridículo dizer que a decisão cabe apenas aos deputados. A discussão que mobiliza o país é como acomodar no orçamento de 2023 os gastos sociais com os mais pobres. É inconcebível que, enquanto isso, deputados paulistas alheios à realidade estejam empenhados em acomodar no orçamento do ano que vem os gastos com os mais ricos.

Lula pede mais juros

Folha de S. Paulo

Danos em potencial da proposta do eleito vão além da Bolsa e sacrificam pobres

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), propõe aumento da inflação e dos juros, menos emprego e crescimento econômico, mais ganhos para os rentistas.

Esses seriam os efeitos práticos e prováveis da proposta petista para a expansão incondicional do gasto público, enfim apresentada ao Congresso na quarta-feira (16). Não se trata apenas, como Lula diz em tom de desdém, de alta do dólar e queda da Bolsa de Valores.

A minuta de emenda constitucional confirma as piores expectativas semeadas desde o desfecho das eleições. Pretende-se não somente abrir espaço no Orçamento de 2023 para a preservação da proteção social —o que é justo e necessário— mas também abrir uma exceção permanente aos já debilitados limites da despesa pública.

Na leitura mais otimista possível, que exige ignorar mais uma rodada de declarações demagógicas de Lula, o texto que veio à tona é apenas uma peça de negociação, a ser ajustada durante a tramitação legislativa nas próximas semanas.

Nessa hipótese, partidos oposicionistas e independentes, além do famigerado centrão, não estariam dispostos a conceder tamanha regalia orçamentária ao novo governo. Uma norma de alcance mais restrito, pelo mesmo raciocínio, forçaria o Planalto a novos entendimentos congressuais em breve.

Será inevitável, afinal, definir até o próximo ano um novo mecanismo de controle da dívida pública. Ao menos, assim se espera.

Tais conjecturas, entretanto, não podem encobrir o essencial —os péssimos sinais emitidos pelo eleito, seu discurso vazio e os riscos aos quais ele submete todo o país.

Na dinâmica política brasileira, é ao Executivo que cabe zelar pela solidez das finanças públicas, e não só porque é a popularidade do presidente que se esvai quando se elevam os preços e as demissões.

Um Congresso fragmentado em uma miríade de legendas sem consistência programática constitui palco propício para medidas eleitoreiras perdulárias, casuísmos e interesses de grupos organizados.

Lula, ademais, mostra desprezo aos apoios que buscou e conseguiu de políticos e economistas qualificados de outras orientações, guiando-se pelo personalismo na retórica e pela pauta petista na ação.

Há tempo e meios para evitar o desastre, mas eles são exíguos. Em questão de semanas, uma piora geral de expectativas começa a afetar a vida real. Dólar mais alto eleva a inflação, reduz-se a perspectiva de redução dos juros do Banco Central, empresários freiam contratações e investimentos.

A soberba exibida por Lula até aqui —inexplicável para quem venceu a eleição por margem mínima e terá dura oposição— é o maior obstáculo à correção de rumos.

Irã brutal

Folha de S. Paulo

Repressão violenta a protestos no país leva ONU a criar comissão de investigação

Dois meses depois que a morte de Mahsa Amini desencadeou uma onda de indignação popular no Irã, a nação persa segue em transe.

A jovem curda de 22 anos, recorde-se, foi detida pela polícia moral do regime teocrático sob a acusação de ter violado o código de vestimenta que inclui a exigência do uso do hijab, um lenço que cobre a cabeça. Morreu dias depois, ao que tudo indica, em decorrência de maus-tratos sofridos na prisão.

Desde então, os protestos que eclodiram em diversas cidades vêm ganhando volume e passaram a incorporar pautas que vão além dos direitos das mulheres.

Marcado pela grande diversidade geográfica e etária dos manifestantes, que hoje clamam sobretudo por liberdade e gritam "morte ao ditador", o movimento expõe a profunda insatisfação de parte expressiva da população iraniana com a gerontocracia que governa o país com mão de ferro —e que, até agora, não conseguiu oferecer outra resposta senão repressão.

Segundo a ONG Direitos Humanos do Irã, ao menos 326 pessoas foram mortas durante os confrontos com as forças de segurança —incluindo 43 crianças. Organizações internacionais de direitos humanos apontam ainda que mais de 15 mil iranianos foram detidos desde o início dos protestos.

O regime também tem se valido do assédio judicial. No domingo (13), um manifestante foi condenado à pena capital por perturbação da ordem pública e crime contra a segurança nacional. Estima-se que mais de 2.000 pessoas já tenham sido processadas em decorrência da participação nos atos contra o governo.

Diante da violência sistemática, o Conselho de Direitos Humanos da ONU convocou para o próximo dia 24 uma reunião que deve aprovar a criação de uma missão internacional para investigar os abusos perpetrados pelas forças iranianas.

O encontro multilateral vem na esteira de uma rodada de sanções impostas por EUA e União Europeia a membros da polícia moral e outras autoridades da ditadura teocrática que há 43 anos assola país.

Embora o efeito das medidas seja limitado, e mais possa ser feito na arena diplomática, tais gestos não podem ser menosprezados.

Trata-se de mecanismo que aumenta a pressão internacional sobre o regime e constitui uma importante demonstração de solidariedade à legião de iranianos que vêm arriscando a vida por mais liberdade e justiça em seu país.

A ignorância de Lula sobre o mercado

O Estado de S. Paulo

O presidente eleito mostra desconhecimento, ingenuidade e preconceito ao comentar a reação ‘especulativa’ do mercado às suas falas imprudentes sobre disciplina fiscal

Como cidadão, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva pode abominar o mercado, achar desprezível o jogo dos preços e comprar arroz, feijão, farinha, sapatos e medicamentos como se fossem produzidos, normalmente, sem a combinação de expectativas de mercado, estimativas de custos, tendências dos juros e, em muitos casos, de prospecções geopolíticas. É muito diferente, no entanto, a situação de um presidente eleito. Quem vai governar um país deve mostrar bom senso, realismo e conhecimento de fatos básicos do mundo real, mesmo sem formação especializada em assuntos econômicos, agronômicos, industriais, militares, legais, diplomáticos, sanitários e educacionais. O mercado, um ente às vezes mal compreendido e nem sempre visto com simpatia, é um componente dessa realidade.

Tendo sido líder sindical, parlamentar e presidente da República por dois mandatos, o vencedor da última eleição presidencial deveria mostrar-se mais familiarizado com esse fato. No entanto, o presidente eleito Lula da Silva tem agido, de forma insistente, como se fosse um recém-chegado ao mundo da responsabilidade pública e das grandes decisões. O tal mercado normalmente reage às declarações e ações de quem exerce ou vai exercer uma função relevante. Reações são especialmente compreensíveis quando essa função é a Presidência da República.

Qualquer pessoa com informação suficiente sobre o dia a dia dos negócios deve ser capaz de entender, portanto, os choques motivados por palavras desastradas de um cidadão recém-escolhido para governar o País.

Palavras desastradas têm sido fartas nos pronunciamentos do presidente eleito. Nada mais previsível que ações em queda e dólar em alta quando ele deixa antever qualquer desmando na condução das finanças públicas. No dia 10, ele falou da “tal estabilidade fiscal” como se fosse um assunto secundário. Diante da repercussão, acusou o mercado de ficar nervoso “à toa”. Mas as declarações infelizes têm mostrado mais que descuido ou imprudência. Revelam desconhecimento e preconceito.

Sim, o experiente político Lula mal conhece o mercado, ignora seu funcionamento e é preconceituoso em relação aos critérios de quem participa do jogo – nas finanças, na indústria, na agropecuária e nos serviços. Essa ignorância foi exibida, de forma inequívoca, na quinta-feira, quando ele se referiu à especulação: “Se eu falar isso, vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Porque o dólar não aumenta e a bolsa cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”.

Ao revelar sua visão ingênua da especulação, o presidente eleito escancara seu despreparo para cuidar de certos assuntos e um preconceito surpreendente. Especulação, em sentido próprio, é, sim, coisa de gente séria. Quem toma decisões com base na avaliação de hipóteses, na ponderação de sinais às vezes muito limitados e em probabilidades às vezes mal conhecidas está especulando.

Uma alteração repentina do tempo no Brasil, na Austrália ou na Argentina pode motivar uma revisão das projeções no mercado agrícola no qual safras são negociadas desde antes do plantio, com preços sujeitos a muitos fatores, como chuvas ou estiagens fora dos padrões esperados ou mudanças nas políticas de juros.

Não só grandes negociantes participam do jogo. Um pequeno produtor de feijão leva em conta fatores bem definidos, como a política de preços mínimos, e outros bem menos seguros, como a expectativa de mercado, ao decidir a extensão do novo plantio. Com ou sem lances espetaculares, decisões baseadas em projeções, expectativas e às vezes em apostas elementares podem ocorrer em muitos mercados – nos de moedas, de ouro, de títulos públicos e privados, de combustíveis, de minerais estratégicos e de alimentos. Parte do dinheiro movimentado nesse cassino acaba financiando a produção valorizada por quem condena a tal especulação. Talvez algum economista do PT conheça esses fatos. Se passar a informação ao seu líder, poderá poupá-lo de novas demonstrações de apedeutismo.

É preciso prestigiar o Ministério da Justiça

O Estado de S. Paulo

Promoção da segurança exige cumprimento da lei e políticas públicas responsáveis, não uma pasta específica. Valorizar o Ministério da Justiça é sinal de zelo pelo Estado de Direito

Na estrutura do Executivo federal, existe o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com a perspectiva de um novo governo, observa-se uma pressão política crescente para que seja recriada uma pasta exclusiva para a segurança pública. Em fevereiro de 2018, o presidente Michel Temer instituiu, por meio da Medida Provisória (MP) 821/2018, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que, no início do governo Bolsonaro, foi reincorporado à pasta da Justiça.

O tema exige cuidado. O Ministério da Justiça tem papel fundamental no bom funcionamento da administração federal. A pasta é responsável, no âmbito do Executivo federal, pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Tem uma importância histórica e institucional única, expressa na própria configuração urbanística e arquitetônica de Brasília, que conferiu posição de destaque ao Palácio da Justiça Raymundo Faoro, sede da pasta.

Não é uma questão burocrática. Não é um tema abstrato. Um governo que preza o Estado Democrático de Direito – que vislumbra sua função exclusivamente dentro dos limites da lei, que entende o exercício do poder exclusivamente dentro dos trilhos institucionais – valoriza necessariamente o Ministério da Justiça. A retidão legal e constitucional do exercício do poder federal depende, em boa medida, da pasta da Justiça. É sintomático que, sob o governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça tenha tido tão pouca relevância institucional e tão pouco peso político, ao mesmo tempo que se viu envolto em escândalos, como as suspeitas de interferência na Polícia Federal.

O Ministério da Justiça tem também um papel muito importante para fora do governo, com a sociedade. No âmbito da administração federal, ele é o grande defensor dos direitos de todos e de cada um dos cidadãos. Tem uma função educativa e comunicativa especialíssima a respeito do funcionamento prático de um Estado Democrático de Direito, com seus princípios, requisitos e garantias. Em 2019, neste espaço, elogiou-se uma campanha publicitária do Ministério da Justiça da Alemanha a respeito do Estado de Direito (O que é o Estado de Direito, 14/10/2019). Desde então, no Brasil, o tema ganhou ainda mais relevância e urgência. Não há cumprimento da lei, tampouco respeito às liberdades, se as pessoas desconhecem seu conteúdo concreto e suas exigências práticas.

Quanto à questão da segurança pública, vale destacar que, por força do princípio federativo, a competência imediata é dos Estados. No entanto, é óbvio que o tema, uma das prioridades da população, exige atenção especial do Executivo federal. A criminalidade contemporânea não é meramente local, ultrapassando fronteiras estaduais e nacionais. Mas a importância do tema não faz exigir, por si só, a criação de um Ministério específico.

A rigor, uma compreensão responsável acerca da segurança pública – que não é meramente punição; é, sobretudo, prevenção – recomenda justamente que o tema fique sob a alçada do Ministério da Justiça, uma vez que tudo se relaciona com o cumprimento da lei e com o respeito ao Estado Democrático de Direito. Por exemplo, seja em qual esfera for, o tema das polícias nunca é meramente operacional. É sempre institucional. Sempre envolve o enquadramento do uso da força nos trilhos legais.

É muito oportuno e simbólico, portanto, que o Ministério da Justiça se ocupe também da segurança pública. O caminho para a promoção da paz e da ordem pública é a lei – o exercício do poder dentro da mais estrita institucionalidade, respeitando o direito de todos. Segurança pública não requer medidas espetaculosas e populistas. Exige políticas públicas responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma coordenada com Estados e municípios.É preciso restaurar o prestígio do Ministério da Justiça, que é resgatar o próprio sentido do Estado Democrático de Direito. Não há exercício do poder fora da lei. Todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e os mesmos deveres, sem discriminações e sem privilégios.

O Enem resiste

O Estado de S. Paulo

Prova com temas hostilizados pelo bolsonarismo mostra que a institucionalidade venceu a ideologia

A educação, como se sabe, está entre as áreas mais prejudicadas pela sucessão de erros e omissões do governo de Jair Bolsonaro. Extremismo ideológico, incompetência e falta de projeto nacional, coroados por graves denúncias de corrupção, deram o tom desde o início do mandato − e contribuíram para que o retrocesso educacional fosse ainda maior durante a pandemia de covid-19. Ao que parece, contudo, felizmente o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a despeito da queda vertiginosa no número de inscritos, sobreviveu à trevosa era bolsonarista. Prova disso foi o primeiro dia de exame, no último domingo, com um rol de questões elogiadas por professores, dadas a sua abrangência, sua relevância e contemporaneidade.

Os 2,4 milhões de participantes responderam a testes de Linguagens e Ciências Humanas, além da prova de Redação. Assuntos negligenciados ou mesmo combatidos na agenda bolsonarista ganharam destaque. Na redação, por exemplo, os candidatos tiveram que escrever sobre Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil. Trata-se de uma ousadia, considerando que ainda está no governo um presidente claramente avesso a reconhecer a importância dos povos tradicionais do País. 

Na parte objetiva da prova, houve perguntas sobre Estado de Direito, desigualdades sociais, meio ambiente e o papel da mulher na sociedade, temas que só frequentam o discurso de Bolsonaro quando lhe servem de pretexto para causar confusão e tumultuar a democracia.

Em larga medida, a resiliência do exame reflete o que pode ser resumido em uma palavra: institucionalidade. O Enem é promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), uma autarquia do Ministério da Educação (MEC) formada por servidores concursados. Trata-se de profissionais que, ao longo de quase quatro anos, resistiram a pressões de todo o tipo, inclusive do próprio presidente da República, que não se cansou de criticar publicamente o teor das questões, cobrando alinhamento ideológico a dogmas bolsonaristas. 

No Inep, a institucionalidade de um órgão de Estado serviu de obstáculo a investidas cujo propósito era interferir indevidamente no conteúdo das questões. Tal resistência, por óbvio, foi carregada de tensões, e envolveu até um pedido coletivo de exoneração às vésperas do Enem de 2021, assim como denúncias de assédio moral ou da inépcia de dirigentes máximos do instituto. 

Não à toa, o comando do Inep experimentou alta rotatividade no atual governo, com um total de cinco presidentes nomeados por Bolsonaro. Em julho, já em meio à campanha pela reeleição e temendo um descalabro administrativo, o governo parece ter jogado a toalha ao indicar, interinamente, Carlos Moreno, um respeitado técnico. Como tivemos a oportunidade de registrar neste espaço, à época, foi uma decisão sensata – um fato raro. Ao resistir aos desmandos bolsonaristas, o Inep deu um bom exemplo à administração pública e firmou um padrão que deve orientar sua atuação hoje e sempre, sob qualquer governo.

Lula reforça discurso de gastos, sem a contrapartida fiscal

Valor Econômico

A tramitação da PEC da Transição será um teste para se conhecer a força da real oposição ao governo de Lula

O orçamento de 2023, elaborado pelo governo Jair Bolsonaro, é deplorável e inexequível e era imperativo que o governo eleito tentasse corrigi-lo. O problema é que ele quer bem mais que um alívio temporário que o permita ter as condições mínimas de administrar o país a partir do ano que vem. A equipe de Lula apresentou uma proposta de emenda constitucional para retirar todo o Auxílio Brasil (que voltará a ser Bolsa Família), do teto de gastos de forma permanente, ou, se não for possível, por toda a duração de seu mandato.

A iniciativa do governo eleito de enfatizar liberdade de gastos antes de sinalizar a contrapartida de sua política fiscal abriu espaço para atritos, incompreensões e descoordenação no início da transição. Uma delas, relevante, é que os economistas da equipe de transição não foram informados do que está sendo discutido e decidido pelo senador Wellington Dias (PT-PI), responsável pela negociação do orçamento pelo novo governo. Isso inverte a lógica do que deveria ser uma transição ordenada. Espera-se do heteróclito quarteto formado por Persio Arida, Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Melo o desenho da nova política fiscal, pois a promessa de Lula foi acabar com o teto de gastos.

O governo eleito apresentou proposta para retirar R$ 198 bilhões do teto, perto de 2% do PIB, em orçamento que já prevê déficit de R$ 64 bilhões. Soa incongruente querer recursos livres de limite por tanto tempo para um governo que vai extingui-lo. O ano de 2023 deve ser suficiente para que ele apresente sua política para as contas públicas. Após mais de dez meses na dianteira de Lula nas pesquisas eleitorais, é razoável supor que um esboço fiscal exista. Pode ser que o novo governo julgue que não tenha força para derrubar o teto, o que é menos provável diante de um Congresso que por três anos consecutivos aprovou desvios dos limites sem pestanejar.

O volume de recursos que ficarão fora do teto parece excessivo, tanto mais quando menos se conhece o que virá no lugar do teto de gastos. Essencial é garantir recursos para os R$ 600 do Auxílio Brasil, que custará R$ 152 bilhões, mais R$ 18 bilhões para incluir R$ 150 de pagamento a cadastrados com filhos menores de 6 anos. Esse complemento, porém, bem poderia ser feito com calma, no redesenho de um programa que foi desfigurado, tornou-se bem mais caro e perdeu todo o foco.

Fora ou dentro do teto, os programas sociais darão um salto no orçamento, se a PEC passar. Só o futuro Bolsa Família, mais R$ 80 bilhões (atuais) do benefício de prestação continuada e R$ 66 bilhões do abono salarial e seguro desemprego consumirão R$ 320 bilhões. Isso equivale a 14,2% das receitas totais do governo central (sem transferências), de R$ 2,3 trilhões arrecadados nos 12 meses encerrados em setembro, corrigidos pelo IPCA.

O uso de receitas extraordinárias para investimento, limitado a R$ 22,3 bilhões, retira indevidamente recursos destinados ao pagamento de dívidas para gastos. “Vamos colocar na Constituição a possibilidade de ter excesso de arrecadação num ano em que teremos déficit primário. É um total nonsense”, disse ao Valor o economista Gabriel de Barros.

O presidente eleito voltou ontem a contrapor programas sociais à austeridade fiscal, provocando reação de economistas que nele votaram, como Arminio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha que, em carta, afirmaram que essa oposição não existe e as consequências ruins de sustentá-las. O tom de Lula voltou a agitar os mercados, que indicaram alta de juros em 2023 e taxas acima de 13% em todo o próximo mandato.

A inquietação é alimentada pelo desequilíbrio do discurso de Lula, quase que todo centrado em gastos e estímulos ao crescimento, o que eleva o déficit público quando a conta de juros é enorme, e menos no equilíbrio fiscal. Como na campanha, Lula aponta seu passado de responsabilidade fiscal em dois mandatos como garantia. Na época, robustos superávits primários foram assegurados por um ciclo de alta das commodities e aumento de arrecadação. Não é o que se prevê para o próximo par de anos.

A tramitação da PEC da Transição será um teste para se conhecer a força da real oposição ao governo de Lula e dos aliados que aparecerão no caminho. O relator no Senado não será Marcelo Castro (MDB-PI), simpático a ela. David Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, disse que ela só passará na Casa caso a exceção ao teto dure um ano. O senador foi um dos grandes beneficiários das emendas do relator, cuja manutenção é uma das moedas de barganha implícitas nas negociações da PEC.

3 comentários:

  1. Os editoriais canalhas como sempre fazendo discursinho raso uníssono em defesa do capital. Eles não querem que o Brasil invista, eles querem que o Brasil venda todo seu patrimònio de preferência. Desestatize tudo em favor do capital financeiro e como forma para pagar os títulos. Pra cima deles Lula!

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  2. Pra cima deles Lula. - não difere do Bolsonaro, petistas em plena hipocrisia

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  3. É o que temíamos a capa dó fingimento, mostrando a que veio.

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