quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Brasil não tem como escapar de debate sobre regra fiscal

O Globo

Proposta de técnicos do Tesouro é um excelente início para uma conversa essencial no novo governo

É bem-vinda a proposta de novo arcabouço fiscal de técnicos do Tesouro Nacional. As ideias do texto, inspiradas no debate global sobre contas públicas, começaram a ser discutidas ainda no governo Michel Temer e deverão enriquecer um diálogo de que o Brasil não tem como escapar em 2023.

Ao acabar, o governo Bolsonaro terá estourado o teto de gastos em três de seus quatro anos. Se a pandemia serviu de justificativa no início, o Congresso se encarregou de aproveitar o pretexto para transformar em prática recorrente as emendas constitucionais como forma de rompê-lo. O governo eleito quer adotar o mesmo expediente para poder gastar mais R$ 175 bilhões por quatro anos — um cheque de R$ 700 bilhões cujos fundos ninguém sabe dizer de onde virão. Na campanha eleitoral, o teto de gastos foi torpedeado de todos os lados, mas até agora os vitoriosos nada sugeriram para substituí-lo.

O Brasil já se desfez na prática das duas outras âncoras capazes de dar previsibilidade aos gastos públicos: a Lei de Responsabilidade Fiscal, sistematicamente violada pelo endividamento dos estados e municípios; e a Regra de Ouro que veta contrair dívida para pagar despesas correntes, hoje letra morta ante as sucessivas autorizações para créditos extraordinários. Com esse histórico e nesse contexto, a aprovação de uma regra fiscal crível, capaz de reduzir o endividamento público ao longo do tempo, deveria ser a principal prioridade do Congresso que toma posse no ano que vem. Sem isso, o país não terá crescimento sustentável.

A vantagem do texto do Tesouro é propor um regime mais flexível que o teto de gastos. Pela regra atual, o aumento das despesas é limitado pela inflação do ano anterior. Pela nova proposta, o gasto poderá crescer acima da inflação se a trajetória da dívida líquida for decrescente. Quanto menor o endividamento, maior o aumento autorizado na despesa. Os percentuais são decididos por faixas predeterminadas. Nos anos em que as contas fecham no azul, o governo ganha uma espécie de bônus por dispor de mais dinheiro.

Entre economistas, a proposta é considerada tecnicamente consistente. Foi executada com base em estudo cuidadoso. Retira o foco exclusivo no gasto e o dirige à dívida. Com estratégias distintas, o objetivo é idêntico: garantir que o governo não vá à bancarrota financiando projetos politicamente atraentes ou delirantes, sem dar bola para quanto custam.

O plano dos técnicos do Tesouro tem recebido mais elogios que críticas, mas não está imune a ressalvas. Não impede que o governo burle as regras por meio de empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de modo a poder gastar sem afetar o endividamento. “As condições políticas, institucionais, jurídicas e federativas que acabam por determinar o gasto público precisam melhorar muito para que tenhamos estabilidade fiscal”, afirma o economista Marcos Mendes, do Insper. “A regra proposta ajuda nesse esforço de coordenação, mas não faz mágica.”

Outra crítica ao documento é a complexidade. Mesmo os estudiosos das contas públicas precisam de tempo para entender seus detalhes. Transformá-lo em algo de fácil compreensão é uma precondição para que ganhe força no debate e tenha alguma chance no Congresso. Independentemente do que venha a acontecer com a proposta, ela é um excelente início para uma conversa essencial no novo governo.

Urge dar destino a navios-fantasmas que infestam a Baía de Guanabara

O Globo

Choque de embarcação com pilar da Ponte Rio-Niterói é novo alerta sobre risco conhecido há anos

As defensas dos pilares da Ponte Rio-Niterói existem justamente para protegê-los de eventuais choques de embarcações que passam sob a estrutura. Mas é inimaginável que tenham precisado servir de anteparo a um navio desgovernado protagonizando uma cena típica do cinema-catástrofe. Felizmente, vistorias realizadas ontem de manhã pela concessionária Ecoponte constataram que a colisão do São Luiz com um dos pilares da ponte na noite de segunda-feira não provocou danos graves, além dos transtornos causados pelo fechamento das pistas por três horas. Poderia ter sido bem pior.

O navio, com 200 metros de comprimento por 30 de largura, estava ancorado na Baía de Guanabara desde 7 de abril de 2016. A âncora, de 7,5 toneladas, não resistiu aos fortes ventos que atingiram o estado ontem, e ele foi arrastado e jogado contra a ponte. Situação inesperada? Não. Em fevereiro de 1996, sob rajadas de ventos de até 56 km/h, o navio Rio Negro, do Lloyd Brasileiro, também se chocou contra um pilar da ponte, sem maiores danos.

O abandono do São Luiz era conhecido. Em janeiro de 2018, reportagem do GLOBO mostrou que o graneleiro fizera sua última viagem, de Porto Alegre ao Rio, em 7 de abril de 2016, quando ancorou definitivamente na Baía de Guanabara. Na época estava tripulado por funcionários da empresa de navegação Mansur, dona da embarcação desde 1994. O objetivo era evitar que o material fosse saqueado e escapar de multas da Marinha por abandono.

Acidentes como o da noite de segunda-feira não são improváveis, considerando que a Baía de Guanabara se transformou num insólito cemitério de navios. Outra reportagem do GLOBO revelou em outubro de 2015 que havia mais de 150 embarcações abandonadas na baía, de acordo com levantamento do governo estadual. Elas representam risco não só à navegação, mas também ao meio ambiente, pelo perigo de vazamento de combustível.

Cabe à Marinha agir para que esses navios sejam retirados. O problema não tem solução fácil. Algumas embarcações estão em estado deplorável. Não interessam nem mesmo como sucata. Há casos em que a carcaça é leiloada por valores irrisórios, mesmo assim o dono não aparece para levá-la. Enquanto estão lá, precisam no mínimo ficar seguramente ancoradas.

O leilão também não garante solução. Haja vista o caso do porta-aviões São Paulo. Vendido pela Marinha como sucata, ele se transformou num problema. Devido a suspeitas de contaminação por amianto, que a Marinha nega, nenhum porto quer recebê-lo. Hoje os rebocadores da empresa que o comprou vagam pelos mares com a carcaça do navio sem que haja um destino à vista.

É preciso buscar urgentemente uma solução para remover as embarcações abandonadas na Baía de Guanabara. Enquanto isso não for feito, haverá sempre o risco de acidentes — e alguns podem ganhar proporções catastróficas. A esperada limpeza da Baía de Guanabara poderia começar pela retirada do entulho dos navios-fantasmas.

A conta da gasolina

Folha de S. Paulo

Perda de receita pressionará novo governo; União e estados devem dividir ajustes

Os governos estaduais já sentem o impacto da redução das alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transportes, aprovada em julho pelo Congresso como parte do pacote eleitoreiro de Jair Bolsonaro (PL).

Dados coletados pela Instituição Fiscal Independente mostram queda de 6,5%, já descontada a inflação, na coleta do imposto no terceiro trimestre, ante o período correspondente do ano passado.
Trata-se de uma reviravolta, tendo em vista o crescimento da arrecadação próximo a 4,5% observado até a metade do ano.

A decisão do Congresso reduziu as alíquotas do ICMS sobre esses itens tidos como essenciais, de até 30% em alguns estados, para um máximo de 18%. Como energia e combustíveis respondem por cerca de 30% da receita do tributo, em média, o efeito é significativo.

As contas serão mais afetadas em 2023, quando a influência da alta da inflação e da expansão da economia deve perder força. Com compromissos assumidos, inclusive reajustes salariais concedidos por vários governadores, haverá redução dos saldos em caixa e menor espaço para a preservação de custeio e investimentos.

Os estados aproveitaram a bonança até agora. A arrecadação em alta propiciou superávit primário (excluindo gastos com juros) de R$ 57 bilhões nos 12 meses encerrados em setembro. Já se nota, entretanto, uma queda sensível nesse saldo positivo acumulado, que chegava a impressionantes R$ 102 bilhões em maio.

Para os governadores, o corte foi uma interferência indevida, que fere a autonomia federativa. Por isso, cobram compensações da União. A lei aprovada prevê que o governo federal deverá compensar perdas superiores a 5%, mas vale apenas para este ano.

A controvérsia está no Supremo Tribunal Federal, que avalia a constitucionalidade da regra e busca uma conciliação das partes. Será estranho se a corte optar por apenas sustar a legislação, uma vez que já decidiu antes pelo corte de tributos sobre produtos essenciais.

Uma alternativa plausível é o gradualismo, para que os Estados tenham tempo de adaptação, obrigando a União a arcar com compensações por mais algum tempo.

Em qualquer caso, porém, há que ter em mente a penúria dos cofres federais, que serão deficitários em 2023 —ainda mais com a ampliação de despesas pretendida pelo governo eleito. Eis mais um motivo para prudência na confecção do Orçamento do próximo ano.

As alíquotas anteriores de ICMS de fato eram excessivas. O ideal é que os Estados arquem com grande parte do ajuste, por meio de controle de desembolsos com pessoal, reformas na administração e revisão de benefícios fiscais.

O problema deveria também servir de estímulo a uma reforma tributária que harmonize a cobrança sobre bens e serviços e acabe com a guerra fiscal na Federação.

Novas famílias

Folha de S. Paulo

Com Congresso omisso, Judiciário é protagonista em decisões na pauta de costumes

Diante do conservadorismo do Congresso, o Judiciário tem atuado de forma expressiva na garantia de direitos individuais, principalmente na área da família.

"Fidelidade não é essencial para a configuração de união estável." Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 8, em ação na qual a autora exigia o reconhecimento de união estável de 20 anos com o falecido companheiro com quem teve três filhos —o homem teve 23 filhos com sete mulheres diferentes.

Trata-se de uma evolução necessária, uma vez que reconhece a complexidade da realidade familiar contemporânea e garante direitos em união estável.

Diversos exemplos mostram como a omissão do Congresso estimula o protagonismo do Judiciário.
Em 2017, o STJ determinou que não há diferença, para efeitos de sucessão de bens ou herança, entre união estável e casamento.

As decisões se estendem também à filiação. Em fevereiro de 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a chamada multiparentalidade, ao permitir a inclusão do nome da madrasta na certidão de nascimento ao lado do nome da mãe biológica. Nos últimos anos, cresceu o número de registros de "pais em dobro" —certidões com mais de duas filiações.

O reconhecimento, há mais de uma década, pelos tribunais superiores e pelo Conselho Nacional de Justiça das relações homoafetivas, inclusive por meio do casamento, é outro avanço —bem como a validação da adoção por casais homoafetivos em processos no STJ e no Supremo Tribunal Federal.

Em uma década, de 2005 para 2015, o arranjo familiar de casais com filhos deixou de ser majoritário, caindo de 50,1% para 42,3%, segundo a síntese de indicadores sociais do IBGE. Dito de outro modo, a maioria das famílias brasileiras não se encaixa mais no modelo tradicional, e as leis precisam acompanhar mudanças culturais.

Essa atualização deveria ser feita preferencialmente pelo Congresso, não pelo Judiciário. O debate parlamentar cria normas mais sólidas, duradouras, que não ficam à mercê dos humores de juízes. Mesmo quando as decisões são corretas, o ativismo de magistrados sempre pode incentivar excessos.

Populismo, sintoma da crise democrática

O Estado de S. Paulo

Não se pode reduzir líderes populistas e seus e eleitores a inimigos ‘fascistas’. Mais importante que isolar e punir os demagogos é responder às demandas legítimas de quem os apoia

O populismo – ou seja, todo movimento político baseado na ideia de um povo “genuíno” necessitado de um líder forte para libertá-lo da opressão das elites “corruptas” – é causa e sintoma da crise das democracias. O problema das reações liberais é que frequentemente superestimam o populismo como causa e o subestimam como sintoma, consumindo recursos na desmoralização da “oferta” populista, enquanto sua “demanda” é negligenciada.

Os impactos dessa oferta têm sido amplamente denunciados: os populistas enfraquecem as instituições republicanas e os freios ao Poder Executivo, exacerbando a polarização e tornando as pessoas mais tolerantes aos abusos dos princípios democráticos desde que os “inimigos” do povo sejam punidos.

Sem dúvida é preciso se opor a essas táticas. Mas muitos liberais creem que essa oposição consiste em mimetizar a retórica populista ou disparar ataques frontais, desqualificando líderes e eleitores populistas como “imbecis”, “dementes” ou “perversos” e clamando pelo seu ostracismo, quando não sua criminalização. Essa estratégia só intensifica a polarização maniqueísta, e frequentemente reforça a paranoia populista contra um “cartel” das elites políticas, econômicas e midiáticas.

Mais eficazes são abordagens que busquem revigorar instituições guardiãs de direitos fundamentais, a imprensa independente ou a educação cívica. Mas, como alegam os autores de Populism, C. Mudde e C.R. Kaltwasser, “mais importante, dado que o populismo frequentemente faz as perguntas certas, mas provê as respostas erradas, é que o objetivo último não seja só a destruição da oferta populista, mas, sobretudo, o enfraquecimento da demanda populista”.

Como apontou o articulista Martin Wolf no Financial Times, “a linha comum de todos esses movimentos é uma rejeição à elite ocidental contemporânea e à síntese de democracia liberal, governança tecnocrática e capitalismo global que ela promoveu”. Que as alternativas propostas pelos populistas sejam iliberais e simplistas, não significa que a insatisfação de seus eleitores não seja legítima. Ao contrário: a “síntese” falhou em muitos aspectos, e as hostilidades às elites são em parte consequência de sua incompetência e ganância.

Mas os liberais têm sido complacentes com as disparidades sociais, a má qualidade dos serviços públicos ou a concentração do poder econômico. Ao invés de simplesmente depreciar o eleitorado populista como “fascista” ou uma “bando de deploráveis”, eles precisam buscar uma genuína empatia com suas ansiedades e revoltas. Eles devem admitir que um novo contrato social é necessário, e empregar seu arsenal – a competição de ideias e um reformismo incansável – nesse sentido. Devem lembrar que seu ideal fundador é a inclusão cívica de todos e que o meio para isso é a distribuição do poder político e do capital econômico. Se quiserem salvar a democracia liberal, a governança racional e o livre mercado, terão de pensar e debater com mais afinco sobre como reformá-los.

Na disputa contra os populistas, eles devem focar mais na mensagem que no mensageiro. Campanhas histéricas e hiperbólicas contra o populista e seus malfeitos só inflamam seus eleitores radicais e alienam os moderados. Mais do que questionar os motivos morais desses eleitores, é preciso apelar a seus interesses e valores positivos, e indagar pelos meios para remediar suas frustrações, sejam culturais (como o sentimento de desrespeito por valores identitários), políticas (por não se sentirem representados) ou socioeconômicas (como a ansiedade por emprego, segurança ou saúde).

Há enfim o desafio do registro emocional. Populistas excitam o ressentimento e a ira para vender o retorno a um passado idealizado ou o avanço a um futuro utópico. Os liberais devem ser razoáveis e realistas – mas não racionalistas, condescendentes e, sobretudo, tediosos. Devem rejeitar o insulto, o choque, a enganação, mas buscar formas criativas de propor políticas concretas com paixão e convicção. Mais do que acreditar, eles precisarão encontrar meios de mostrar que a esperança vence o medo.

Crise fiscal torna as estradas piores

O Estado de S. Paulo

Sem investimento suficiente, qualidade da malha rodoviária sob responsabilidade do governo piora, e perspectiva é sombria, mostra CNT; a privatização pode reverter essa tendência

A notória deterioração das rodovias no governo Bolsonaro mostra a urgência da recuperação da malha de transportes para que ela não aumente os custos das empresas nem se transforme em gargalo do crescimento. A perda de qualidade ocorre em ritmo acelerado e precisa ser contida o quanto antes, adverte a Confederação Nacional do Transporte (CNT), que anualmente avalia o estado geral da malha rodoviária pavimentada do País. A recuperação exige, obviamente, mais investimentos. Mas os recursos que o governo federal tem destinado para as rodovias sob sua responsabilidade vêm diminuindo.

É um quadro que, combinado com promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, como o aumento do benefício do Auxílio Brasil para R$ 600, torna as soluções ainda mais difíceis. O exame dos números das contas públicas mostra que não há dinheiro para mais investimentos. Responsável pela melhora da qualidade das estradas, como vem mostrando há anos a pesquisa da CNT, a gestão privada precisa ser estimulada.

Há muito espaço para a privatização. Da extensão rodoviária pavimentada, de 213,5 mil quilômetros, as estradas geridas pela iniciativa privada somam apenas 23,2 mil quilômetros, ou 10,9% do total. O setor público ainda é responsável por 89,1% da malha pavimentada nacional.

Embora tenha havido deterioração também na qualidade das estradas sob gestão privada desde 2019, o estado geral destas continua sendo muito melhor do que a da malha sob responsabilidade dos governos federal e estaduais. A proporção das rodovias concedidas à gestão privada classificada como ótima ou boa diminuiu de 74,2% em 2021 para 69,0% em 2022, mas continua muito mais alta do que a observada nas estradas sob gestão estatal. Nestas, a proporção, já baixa, de 28,2% em 2021, caiu para 24,7% neste ano. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, as estradas federais e estaduais classificadas como ótima ou boa representavam 32,5% do total. Assim, ao longo do atual governo, a queda foi de 7,8 pontos porcentuais.

Para avaliar o estado geral das rodovias, a pesquisa da CNT analisa o pavimento, a sinalização e a geometria das vias. No caso do pavimento, apenas 8,9% da malha pública está em condição perfeita, 50,5% estão desgastados, 35% apresentam trincas e remendos, 5% têm afundamento e buracos e 0,6% foi considerado destruído.

Há forte correlação entre a perda de qualidade da malha rodoviária estatal e a redução dos investimentos públicos em infraestrutura. Em 2010 e 2011, os investimentos do governo federal em rodovias representaram 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB); no ano passado, ficaram em apenas 0,07% do PIB. Para este ano, o Orçamento previu investimentos de R$ 5,79 bilhões. Em 2012, haviam alcançado R$ 33,7 bilhões.

Para o próximo ano, de acordo com o projeto de Orçamento em exame no Congresso, o Ministério da Infraestrutura disporá de R$ 6 bilhões para investimentos em transportes. As rodovias representam parte dos modais de transportes aos quais serão destinados esses investimentos. A CNT estima que, para sanar as deficiências existentes hoje apenas na malha rodoviária pública, seriam necessários R$ 94,9 bilhões.

Outros modais igualmente carecem de investimentos. O principal porto do País já opera com 90% de sua capacidade. O crescimento anual do movimento de carga e descarga indica que, sem aumento dessa capacidade, as operações podem entrar em colapso, como mostrou o economista Raul Velloso em artigo publicado no Estadão (10/11).

A contínua e rápida perda de capacidade de investimentos do setor público resulta de um problema estrutural do Orçamento da União, no qual as despesas com Previdência Social, assistência social e folha de pessoal crescem mais, e a um ritmo cada vez mais intenso, do que as receitas, o que leva à compressão de outros gastos, entre eles os investimentos. É preciso reformar essa estrutura fiscal e, ao mesmo tempo, acelerar as privatizações. É o caminho que o governo Lula terá de seguir, para evitar que a crise fiscal paralise o País. 

Cuidado ambiental é bom negócio

O Estado de S. Paulo

Revalorização da política ambientalista pode facilitar o retorno de grandes fundos de investimento

Florestas preservadas podem representar bilhões de dólares e euros aplicados no País, a cada ano, e o resultado da eleição presidencial é um sinal positivo para os investidores. Representantes de fundos noruegueses já expressaram otimismo quanto à política ambiental do futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Dirigentes de um fundo responsável pela gestão de mais de 400 bilhões de euros estudam suspender, segundo comentário citado pelo Estadão, restrições à compra de títulos do governo brasileiro. Representante de outro grupo mencionou os danos à imagem do Brasil, durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, e citou o mandato anterior do presidente eleito como um fator de credibilidade. A presença do presidente Lula na Cop-27 pode reforçar essa avaliação.

O Brasil pode proporcionar excelentes negócios a investidores de todo o mundo, mas os mercados mais desenvolvidos impõem responsabilidades ambientais e sociais a empresas de todos os setores. É essencial o respeito a certos valores. Grupos brasileiros, incluídos alguns dos maiores da área financeira, já incluíram a preservação ecológica em suas normas de operação. Normas desse tipo já balizam há vários anos a atuação de grupos baseados no mundo rico.

A importância do investimento externo ultrapassa os benefícios diretos para este ou aquele setor ou para a aceleração do crescimento. Além desses ganhos, de enorme relevância para o Brasil, o ingresso regular de moedas fortes proporciona tranquilidade cambial, previsibilidade e redução dos custos financeiros. Quando recursos estrangeiros facilitam, por exemplo, o financiamento do Tesouro, o governo tem mais espaço para operar e cumprir suas tarefas. Mas certas condições são indispensáveis para a atração regular do capital de fora.

Quando improvisação e voluntarismo afetam as decisões do Executivo, como afetaram muitas vezes nos últimos anos, perde-se previsibilidade e prejudica-se o fluxo regular de capitais. O câmbio torna-se instável e os juros são pressionados para cima. Dólar sobrevalorizado contamina preços internos e consumidores pagam pela insegurança. Conter a inflação em ambiente de incerteza fiscal e de instabilidade cambial foi um duro desafio para os condutores da política monetária.

Durante a maior parte do mandato do presidente Jair Bolsonaro, a tolerância à devastação ambiental assustou investidores externos, afetou o ingresso de recursos e pôs em risco, seguidamente, exportações do agronegócio, principal fonte de receita comercial. Foi muito trabalhoso, nesse período, preservar importantes mercados da agropecuária e defender a imagem da atividade rural brasileira. Aos desmandos ambientais ainda se acrescentaram problemas diplomáticos ocasionados por atitudes e palavras do presidente Bolsonaro, de seus filhos e de alguns de seus auxiliares mais próximos. Não só pelo resgate da política ambientalista, mas também por outros fatores de relevância diplomática, a mudança de governo poderá marcar um reingresso do Brasil no cenário mundial.

Corrupção também é um entrave à agenda climática

Valor Econômico

Conselhos e fóruns participativos relacionados à agenda climática, esfacelados nos últimos anos, devem ser recompostos

Não bastassem os enormes desafios políticos e econômicos que o Brasil enfrenta para levar adiante seus compromissos ambientais, a organização não governamental Transparência Internacional apontou que a corrupção está na raiz de vários desvios e insucessos das iniciativas para o meio ambiente. A conclusão é da pesquisa “Atlas de Clima e Corrupção”, que a organização acaba de divulgar e que coloca nova frente de debate na COP27.

A pesquisa reúne casos em que a corrupção esteve na raiz ou viabilizou casos de agressão ao meio ambiente no Brasil e que podem voltar a acontecer. Um dos dez casos analisados envolve a mineração e a mobilização de influência ilegítima de empresas associadas à atividade para defender seus interesses, financiar campanhas e ocupar posições-chave em órgãos responsáveis pelo setor para obter a aprovação de direitos de lavra nem sempre legítimos, e ainda a mobilização pelo Projeto de Lei 191/2020 que, se for aprovado, abre a exploração de minérios, petróleo e recursos hídricos em terras indígenas. A proposta ameaçará até 863 mil km² de Floresta Amazônica se aprovada, levando ao aumento das emissões de gases de efeito estufa, estima a Transparência Internacional.

Além da corrupção, grupos de interesse obtiveram vantagens para negócios que estão na contramão do combate às mudanças climáticas. Apesar dos alertas internacionais para a redução do uso global do carvão para zerar as emissões de carbono líquidas até 2050, do compromisso assumido pelo governo brasileiro de reduzir pela metade as emissões de gases do aquecimento global até 2030, e de neutralizar as emissões até 2050, foi sancionada em janeiro lei que garantiu a contratação, até 2040, da energia elétrica gerada por carvão mineral explorado em Santa Catarina, o que beneficia especificamente um conjunto de usinas deficitárias com subsídio bilionário, segundo a Transparência.

A corrupção compromete projetos de energia renovável eólica no Nordeste, onde a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público descobriram esquema de desvio de recursos em projeto de transição energética.

Em muitas situações, a população é diretamente afetada como na corrupção constatada em obras emergenciais contratadas em Petrópolis (RJ) para combater os efeitos de chuvas intensas após o desastre ocorrido em 2011. Os recursos foram desviados pelo governo estadual, o que abriu espaço para futuras novas tragédias na região Serrana do Rio, como aconteceu neste ano. Exemplo semelhante é o desvio de recursos para obras de enfrentamento da seca por conta da corrupção no DNOCS.

Há ainda os casos de “esquentamento” de madeira extraída ilegalmente da região amazônica com o suborno de agentes públicos e privados; a compra de decisões judiciais para legitimar fraudes em registros imobiliários de terras griladas associadas ao desmatamento; e a geração de créditos de carbono fraudulentos com a grilagem de terras em reservas extrativistas na Ilha do Marajó.

A Transparência Internacional incluiu no estudo o caso do congelamento de fundos destinados à agenda climática e combate ao desmatamento, que bloqueou o uso de cerca de R$ 4,5 bilhões, somando o Fundo Amazônia, o Fundo Clima e a doação do Green Climate Fund ao Brasil, recebida em 2020, em estratégia chamada de “cupinização institucional” pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. O valor corresponde a mais de 13 vezes a previsão de gastos da União com o combate ao desmatamento em 2022, segundo o Observatório do Clima, citado no relatório.

Para a organização, essas práticas e a deficiências na governança climática impedem o país de cumprir sua Contribuição Nacionalmente Determinada de cortar emissões em 50% até 2030, e atingir neutralidade climática até 2050, metas do Acordo de Paris. Há ainda repercussões na qualidade de vida da população.

Para enfrentar o impacto negativo da corrupção nas políticas ambientais, a Transparência faz recomendações básicas como fortalecer órgãos, fundos, comitês interministeriais, políticas, e planos climáticos e ambientais, em acordo com os compromissos assumidos pelo país. Conselhos e fóruns participativos relacionados à agenda climática, que foram esfacelados nos últimos anos, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente, devem ser recompostos. Sugere ainda o fortalecimento da ação dos órgãos anticorrupção e antilavagem, melhoria da transparência do financiamento climático e dos mercados de carbono e a regulamentação do lobby.

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