O Globo
Não dá para saber exatamente para onde o
movimento caminha
Sem nenhuma surpresa, Bolsonaro reagiu à
derrota com uma ardilosa trama golpista que, ao que tudo indica, está
fracassando.
A estratégia tem até agora três etapas. A
primeira foram os bloqueios de estradas com apoio dos caminhoneiros e
conivência, quando não apoio, da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A segunda
foram as manifestações em frente aos quartéis pedindo “intervenção federal”. A
terceira, que se anuncia agora, é uma “greve” — na verdade, um locaute.
Como toda a jogada estava cantada,
Bolsonaro optou por uma mobilização sorrateira. Adotou um silêncio estratégico
após o anúncio oficial do resultado. Mas não foi apenas ele que se calou. Todas
as lideranças bolsonaristas se calaram, deixando as autoridades desorientadas e
no escuro, enquanto um esforço maciço de mobilização era feito nos aplicativos
de mensagem, como WhatsApp e Telegram.
Como os aplicativos são difíceis de
monitorar, ninguém sabia o verdadeiro alcance da mobilização. Nas primeiras 24
horas, enquanto o Telegram fervia com agitação a favor dos primeiros bloqueios,
apenas 40 mil tuítes foram feitos. A agitação foi subterrânea.
A primeira fase reproduziu a experiência da greve dos caminhoneiros de 2018, quando grupos de cidadãos radicalizados se uniram a caminhoneiros apoiados por empresários para fechar estradas. Foram mais de 300 bloqueios. A PRF foi conivente, quando não colaborou diretamente com os golpistas.
Nos últimos anos, a instituição vem sendo
cooptada pelo bolsonarismo e, à medida que sua direção e integrantes se
radicalizavam, foi ganhando mais recursos e mais competências. A história é
contada em detalhes numa reportagem da revista piauí.
A situação só não foi pior porque, como a
PRF tinha sido usada no dia da eleição para atrasar a votação no Nordeste, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já tinha começado a enquadrá-la. A ordem de
Alexandre de Moraes obrigando a PRF a agir para desobstruir as estradas, sob
risco de prisão, surtiu efeito.
A PRF não foi muito ativa, mas teve de se
mexer. Ao mesmo tempo, o TSE começou uma guerra no WhatsApp e no Telegram,
derrubando centenas de grupos de conversa, privando a mobilização golpista de
canais de comunicação e propaganda. Os bloqueios de estradas começaram a ser
criticados por todas as forças políticas, obrigando Bolsonaro a condená-los
como uma espécie de excesso.
A manifestação tardia de Bolsonaro sobre o
resultado das eleições foi um grande exercício de ambiguidade estratégica. Para
o mundo político, ele pareceu dizer que reconhecia o resultado e que a
transição de governo teria início ali, conforme manda a lei. Mas, para os
apoiadores, ficou entendido que o presidente reconhecia a revolta com as
“injustiças eleitorais” e sinalizava a continuação dos protestos. Para quem
ficou na dúvida, o Telegram foi inundado de postagens traduzindo aos apoiadores
em termos claros as partes cifradas do discurso.
Na quarta-feira, dia 2 de novembro, o
movimento rapidamente se reorientou para manifestações em frente aos quartéis.
Os protestos foram grandes. Eles se multiplicaram por todos os cantos do país,
mesmo nas pequenas cidades do interior.
Em São Paulo, o protesto em frente ao
Comando Militar do Sudeste reuniu mais de 30 mil pessoas, contadas por software
com base em fotos aéreas. E, além dele, havia outro protesto grande em frente
ao CPOR no bairro de Santana, que reuniu outras milhares de pessoas. Para ter
uma ideia da dimensão, o protesto de 7 de Setembro de 2022, convocado durante quase
dois meses, reuniu 32 mil na Avenida Paulista — contados com o mesmo método.
Protestos foram grandes também no Rio e em Brasília.
As manifestações nos quartéis exigiam
“intervenção federal”, um termo jurídico confuso que parece significar não o
que é descrito no artigo 34 da Constituição — uma intervenção do governo
federal sobre os estados —, mas uma intervenção das Forças Armadas, dando
sobrevida ao Executivo federal.
Não dá para saber exatamente para onde o
movimento golpista caminha. Em algumas cidades, foram criados acampamentos que
já estão desgastados, e há um chamado para uma “greve geral” — mas o apelo não
é aos trabalhadores, mas aos donos dos negócios. Tudo sugere que, em alguns
dias, os golpistas se renderão, e a eleição de Lula será
fato consumado.
Caberá então à Justiça investigar e
responsabilizar criminalmente todos aqueles que participaram desse levante
contra a democracia. Está na hora de colocar em uso a nova lei de defesa do
Estado Democrático e, quando couber, a lei das organizações criminosas. Contra
o golpismo, todo o peso da lei.
Apoiado.
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