O Globo
Brasil deveria dar despedida breve a
Bolsonaro e se ocupar da agenda que vai além das tarefas executivas e inclui a
reconstrução do ambiente de diálogo
O Brasil deveria fazer como Jair Bolsonaro
e lhe dar uma despedida breve, telegráfica, do tamanho de um tuíte. Se o
presidente não se preocupou em, quase 48 horas depois da inédita derrota de um
incumbente à reeleição, respeitar a liturgia do cargo e endereçar uma mensagem
ampla ao conjunto da sociedade brasileira, dividida e traumatizada por uma
campanha eleitoral suja, que sigamos sua ideia e passemos a nos dedicar ao dia
seguinte.
Como escrevi no dia da eleição, há um país
a reconstruir. E, ainda assim, o bolsonarismo se dedicou a depredá-lo um pouco
mais desde domingo, numa sinalização clara de que não pretende exercer oposição
ao próximo governo de forma democrática e institucional, mas sim promovendo
arruaças e conturbando o ambiente econômico, político e social.
A transição, portanto, tem de se ocupar das
muitas tarefas executivas necessárias para superar quatro anos de retrocessos,
desmonte das estruturas de fiscalização, desrespeito aos direitos civis e
coletivos e desarranjo fiscal para fins eleitoreiros, sem falar na política
armamentista assassina e nos sigilos de cem anos para tudo.
Será preciso também fazer o caminho de volta para o convívio civilizado entre os que têm ideologias distintas, professam diferentes religiões, vivem nas várias regiões do país, pobres e ricos, trabalhadores e patrões, pais e filhos. Não é pouca coisa, e haverá sabotadores impedindo o trânsito como fizeram os caminhoneiros insurrectos nas estradas.
Lula continua com a bússola bem calibrada.
Depois de dois discursos no tom certo, submergiu, não interveio na balbúrdia
dos caminhoneiros, dedicou-se ao papel diplomático de falar com chefes de
Estado — o que aumentou o contraste de sua estatura com o rápido encolhimento
da figura de Bolsonaro — e nomeou Geraldo Alckmin para ser o responsável pela
montagem do futuro governo.
Essa decisão desarma o discurso dos
radicais da extrema direita que, como Bolsonaro fez ontem, tentarão ver um bode
expiatório de esquerda em tudo que o futuro ocupante do Planalto fizer.
Também sinaliza aquilo que o próprio Lula
adiantou já no domingo: seu terceiro governo não será do PT, mas do conjunto de
forças que ajudaram a elegê-lo e só conseguiram por uma estreita margem, fazendo
frente não só ao reacionarismo recalcitrante que queima pneus nas rodovias, mas
também ao antipetismo que segue como uma força importante e ao peso da máquina
e de setores do PIB. Tudo isso são bombas a desarmar se Lula quiser ter
tranquilidade para governar.
Os sinais do “tchau, Bolsonaro” não vieram,
nos últimos dias, apenas do bunker lulista. Partiram, com fastio evidente, do
Centrão. Já no domingo, Arthur Lira reconhecia com um semblante até aliviado o
resultado do pleito, o mesmo que Bolsonaro não conseguiu proferir em sua fala
birrenta. Estava acompanhado de Ricardo Barros, que, nesta terça, tão logo
Bolsonaro falou, gravou um vídeo a seus conterrâneos paranaenses pedindo a
desobstrução das vias porque a vida precisa seguir.
Da mesma natureza foram as iniciativas de
Hamilton Mourão e Ciro Nogueira de abrir canais para a transição mesmo antes de
Bolsonaro aceitar romper seu silêncio canhestro. Isolado, não restou ao
presidente ainda em exercício senão reunir um exército bastante desfalcado para
ler a sua nota de má vontade e sair quase que literalmente correndo.
Nada indica que a transição será tranquila
e, sobretudo, com dados à disposição. A obsessão por esconder dados foi uma das
principais marcas da atual gestão, e o temor com a responsabilização futura
explica em grande medida as muitas firulas inventadas por Bolsonaro para tentar
melar o resultado das eleições, desde antes mesmo da derrota que ainda não
consegue admitir. Não será necessário. O “sistema” já tratou de fazê-lo
entender que só faltam dois meses para sair, pelos fundos ou passando a faixa
ao vencedor, Lula, em 1º de janeiro.
Despedida breve, mas CADEIA LONGA...
ResponderExcluirLonga é a cadeia,tão breve a vida,rs.Parafraseando Tom Jobim,''Longa é a arte,tão breve a vida''.
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