O Globo
O que se vê hoje, com a resistência militar
a Lula, meio velada, meio às claras, lembra os momentos que antecederam o fim
da ditadura com a sucessão do último general por um civil
O mal-estar causado por declarações de oficiais
das três Forças sobre política, os cuidados extraordinários que o novo governo
vem tomando para lidar com a transição na área militar e a sondagem quase
clandestina do presidente eleito a membros do alto comando do Exército lembram
em tudo os momentos que antecederam o fim da ditadura com a sucessão do último
general por um civil. Quem acompanhou a eleição de Tancredo Neves pelo colégio
eleitoral em janeiro de 1985 e a posse de José Sarney em março do mesmo ano
sabe como aqueles meses foram tensos e exigiram muita cautela e tato. O que se
vê hoje, com a resistência militar a Lula, meio velada, meio às claras, tem a
cara do passado.
Para refrescar a memória do
leitor, não custa lembrar que o final da ditadura brasileira foi melancólico. O
presidente João Figueiredo chegou ao fim de seu mandato de seis anos cansado e
desmotivado. Tentou apoiar a candidatura de Mario Andreazza, seu ministro, que
perdeu na convenção do PDS para Paulo Maluf. Mesmo envergonhado, apoiou Maluf e
com ele perdeu a eleição para Tancredo. Figueiredo aceitou a vitória do
ex-governador de Minas, um político conciliador, hábil e de excelente trânsito
em todos os setores, mas nunca engoliu Sarney, que deixou o seu partido para
apoiar e ser o vice do candidato da oposição.
Tancredo conversava com generais. Embora sem a mesma desenvoltura com que dialogava com deputados, senadores, governadores e todos os outros membros do colégio eleitoral que o elegeria presidente, o governador de Minas pavimentou seu caminho ao Planalto negociando discretamente com os militares. Já Sarney era considerado persona non grata e tratado como traidor do regime por deixar o PDS para apoiar a oposição e compor a sua chapa.
Pode-se até atribuir
a morte de Tancredo ao clima de medo de um retrocesso provocado pela linha dura
do governo militar que refutava o candidato a vice. Mesmo sabendo que as
intensas dores abdominais que sentia eram sinais de uma doença potencialmente
grave (oficialmente ele tinha uma diverticulite intestinal que evoluiu para uma
infecção generalizada), o presidente eleito se recusou a buscar tratamento e
uma provável cirurgia no abdome antes de assumir o cargo. Aconselhado a se
cuidar por médicos e familiares, disse: “Façam de mim o que quiserem, mas só
depois da posse”. Tancredo não tomou posse, foi internado na véspera e morreu
36 dias depois.
Sarney assumiu o lugar do
titular hospitalizado no dia 15 de março de 1985, sem crise. Figueiredo não lhe
passou a faixa e deixou o Palácio pela porta dos fundos. Foi o último ato da
ditadura que durou 24 anos.
Confrontado com aquele
momento histórico, os dias atuais revelam desconfortos políticos semelhantes. O
desejo dos comandantes das três Forças de serem substituídos antes da posse de
Lula é um exemplo da má vontade dos militares com o presidente eleito. A mesma
má vontade que Figueiredo e seus generais tinham com Sarney. Não se pode fazer
nada contra isso. A saída talvez seja mesmo trocar estes comandantes antes da
posse. Mas vai depender de Bolsonaro. Ele é ainda o presidente e cabe somente a
ele promover estas mudanças.
Outro problema será o
afastamento de oito mil militares e parentes de militares do governo. A ideia
inicial do presidente eleito era fazer uma limpeza ainda nos primeiros dias.
Mas, como revelou Lauro Jardim, ontem, já se estuda fazer o descomissionamento
destes funcionários fardados de maneira paulatina para não desagradar generais,
almirantes e brigadeiros. Parece medo, mas também pode-se chamar de cautela.
A diferença fundamental entre
1985 e agora é que então não havia gente apoiando uma ditadura, pelo menos não
publicamente. Ninguém se agrupou nas portas dos quartéis pedindo intervenção
federal para impedir a posse do eleito. Ao contrário, os movimentos populares
que antecederam a eleição de Tancredo e Sarney eram por mais democracia, não
por menos. Milhões de brasileiros participaram de atos em diversas capitais
clamando por eleição direta para presidente. Foram manifestações gigantescas,
as maiores já realizadas no país até aqueles dias. Visto desta perspectiva, é
fácil perceber como o Brasil mudou nestes 37 anos. Para pior.
Vai faltar oposição
A capacidade de aglutinação de Lula é mais
do que conhecida. Em que pese a divisão do país, não se conhece pessoa mais
habilitada para seduzir, negociar e produzir entendimentos. Não é por outra
razão que o presidente eleito vai fazer passar a PEC da Transição e começará
seu terceiro mandato com maioria nas duas Casas legislativas. Para isso, vai ter que engolir alguns sapos,
mas quem olha para Lula até acha que ele gosta de sapo. O maior destes anfíbios
é Arthur Lira, que já foi engolido. Com o apoio do PT e de Lula, o
ex-bolsonarista seguirá na presidência da Câmara, mas agora liderando o Centrão
na base do novo governo. E tem ainda a penca de partidos que estão sendo
atraídos para o futuro governo. Pelo jeito, ficarão de fora apenas o PL de
Valdemar da Costa Neto e os parlamentares radicais de carteirinha. Isso no
início, porque mais adiante até o PL pode aderir.
Sacada do Múcio
Outro exemplo da eficiente articulação de
Lula foi o retorno de José Múcio Monteiro ao cenário político. Aposentado do
TCU e da política desde dezembro de 2020, Múcio foi elevado da planície para o
Olimpo com a velocidade de um
meteoro. Conhecido no passado por todos em Brasília como um dos
mais habilidosos políticos brasileiros, o ex-deputado ocupou o vácuo que havia
na área militar, sem título de coordenador de grupo de transição, mas com pinta
de ministro. Com a aquiescência e a simpatia de todos, sobretudo dos militares.
Ninguém mais pensava nele, só Lula.
Mal-educado
O brasileiro cordial não existe mais ou não
é mais notado como tal. Aquele ser gentil e
humilde, às vezes jeca, não passa mais do que um retrato
desbotado, um filme preto e branco, um livro de história. O homem cordial, retratado
por Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” como a principal
contribuição brasileira para o desenvolvimento da humanidade, perdeu-se
irremediavelmente na guerra ignorante, travestida de ideológica, que se espalha
no Brasil pós-Bolsonaro.
Lobos e aloprados
Entre os “patriotas” que enfrentam chuva e
sol diante dos quartéis pregando o golpe, há alguns lobos solitários,
perigosos, aparentemente dispostos a cometer qualquer tipo de violência para
impedir a posse de Lula. Há até quem prometa dar tiro na cabeça de petistas ou
de qualquer um que fizer um “L” em sua frente. E há os aloprados, como o
sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, lotado no GSI do general Heleno,
que está na frente do quartel lutando para que “seu filho não vire um boiola e
sua filha uma sapatão esquerdista”.
Nardes
O ministro do TCU Augusto Nardes ainda não
foi localizado para receber a intimação de Alexandre de Moraes, que lhe dá dez
dias para “prestar
as informações que entender pertinentes” sobre a mensagem
que mandou a ruralistas anunciando uma certa agitação na caserna em razão da
eleição de Lula. Segundo Nardes, o clima nos quartéis poderia ter resultados
imprevisíveis. A mensagem polêmica teria o poder de insuflar manifestações
golpistas.
Ciro só
Não foi o PT que isolou Ciro Gomes. Foi ele
próprio que se colocou na condição de solitário. Mágoa nunca construiu nada em
política. Marina segue importando apesar da imensa pancadaria que recebeu do PT
na eleição de 2014, muito maior do que a sofrida por Ciro em 2018. O próprio
Lula, que poderia ser apenas um pote
até aqui de mágoa, conversa e negocia até mesmo com os que
incentivaram e aplaudiram sua prisão de quase dois anos. Ciro não negocia, não
conversa, faz beicinho e segue sozinho.
Boiada de Minas
Romeu Zema terá de explicar malfeitos na
área ambiental denunciados por funcionários da Secretaria do Meio Ambiente ao
MGTV, da Globo. Segundo estes servidores, a fiscalização fez vista grossa à
operação de mineradoras na Serra do Curral, em Belo Horizonte, deixando que
duas empresas explorassem ilegalmente minério em área protegida. A agressão é
tão grave que, se fosse no Rio, seria como se Cláudio Castro autorizasse mineração na Floresta da Tijuca.
Se Zema não se mexer, o governo Lula terá poderes para impedir a passagem da
boiada mineira, já que mineração é regulada por agência federal.
Convite
O Brasil lembra o Botafogo, cujos
torcedores dizem que há coisas que só acontecem com o time da estrela
solitária. Pois na política tem questões que só acontecem aqui. O governador
Eduardo Leite foi convidado pela cúpula do PSDB para presidir o partido. Não se
abriu uma disputa, não se
apresentaram candidaturas, não se discutiu questões
programáticas nem como será a relação com o governo eleito. Nada, debate zero.
Isso não ocorre nem na Fifa, cujo apreço pela democracia é conhecido. Talvez o
convite tenha sido a alternativa à falta de base dos tucanos ou o desinteresse
generalizado dos quadros da legenda.
Let it be
A saudosa Cristiana Lôbo tinha uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo que terminava sempre com a nota “Perguntar não ofende”. Em sua homenagem, aqui vão algumas perguntinhas à juíza Mônica Ribeiro Teixeira, que numa ação por uso indevido de direito autoral pediu comprovação de que a música “Roda Viva” era mesmo de Chico Buarque. Sem querer ofender, a senhora pode dizer quem são os autores de “Detalhes”? Quem compôs “Sampa”? De quem é “Trem das Onze”? E a magistrada sabe quem foram os criadores de “Let it be”?
Figueiredo X Bolsonaro
ResponderExcluirOs 2 últimos presidentes da república que tiveram origem militar eram/são muito diferentes: Figueiredo foi general, chefe do SNI e atuou muitos anos no Executivo como parte do Exército, depois de longa e bem sucedida carreira militar. Bolsonaro era um mau militar, que rapidamente foi processado e expulso do Exército, depois de várias indisciplinas e até planos de explodir bombas no RJ! Sua carreira foi como deputado do baixo clero, onde exerceu 7 mandatos comandando rachadinhas nos seus gabinetes e ensinando os filhos a fazer o mesmo!
Figueiredo conduziu seu governo para a transição democrática, empossando uma chapa civil e respeitando a legislação de então. Bolsonaro é um político violento, miliciano mentiroso, que constantemente atacou a Democracia e o Judiciário, ameaçando constantemente a eleição e comandando um DESgoverno GENOCIDA e criminoso.
Figueiredo era um militar pouco democrático, mas que respeitava as regras e a Democracia ainda não totalmente implantada no seu governo. Bolsonaro é um miliciano antidemocrata, péssimo militar enquanto no Exército e PÉSSIMO político tanto como deputado das rachadinhas quanto como presidente GENOCIDA e criminoso, um CANALHA COMPLETO!
A gente nunca sabe se é Valdemar da Costa Neto,ou sem o ''da'',eu prefiro com o complemento.
ResponderExcluirBoa, Amancio.
ResponderExcluirDe fino trato, essa piada!