O Globo
Não se via mudança mais aguda de governo desde 1985, quando José Sarney assumiu o lugar de João Figueiredo no Palácio do Planalto. Deixava então o poder o último general e assumia o primeiro civil desde o golpe de 1964. A troca agora, de Bolsonaro por Lula, tem uma dimensão ainda maior. Sai um extremista de direita e entra um político de esquerda. Mas o que parece à primeira vista um cavalo de pau de 180 graus, pode não ser bem assim. O que acontece é que muda tudo para não mudar muito. Ou para mudar pouco.Começando pela base que o novo governo está montando no Congresso, o que se enxerga é um amálgama multipartidário que pode se chamar de Centrão ampliado. Lula negocia com os mesmos parlamentares e partidos que emprestaram apoio a Bolsonaro nos últimos dois anos, ampliando sua sustentação pelos partidos de esquerda que formaram sua chapa vitoriosa. O presidente eleito governará com uma ampla maioria, mas ainda assim volúvel. Lula estará sujeito aos mesmos humores que Arthur Lira e sua turma demonstraram com Bolsonaro desde a posse do deputado na presidência da Câmara.
As relações intrínsecas que mexem com as
engrenagens do poder permanecem exatamente iguais, sobretudo se o orçamento
secreto for mantido, ainda que com algumas mudanças que o tornem mais
democrático e transparente. O STF vai julgar na semana que vem o instrumento
legislativo que usurpou poderes naturais do Poder Executivo, mas dar ao
Congresso parte do Orçamento, menos robusto, mais transparente e com destinação
mais bem orientada, poderia ser útil a Lula. Teria a mesma eficiência que o
mensalão inventado por José Dirceu.
É verdade que o foco social do novo governo
é inteiramente diferente do atual. Mas, se considerados os gastos excepcionais
feitos por motivação eleitoreira nos meses finais da administração em curso, o
alcance de medidas não será tão diverso. É claro também que haverá mais
oxigênio para Educação, Saúde, Cultura e Meio Ambiente, setores agora
negligenciados. O problema é a escassez de recursos que o governo Lula terá de
administrar. Evidentemente haverá políticas e boa vontade em todas estas áreas,
mas, em que pese a aprovação da PEC da Transição, com falta de dinheiro que
ninguém espere por revoluções. O que se quer é fazer as coisas funcionarem
outra vez.
Na economia tampouco o novo governo fará
uma revolução. Não apenas porque não conseguiria avançar em razão de reações
negativas intransponíveis que enfrentaria, mas porque não quer. Os petistas
sabem que Lula não é Dilma. Ele não quer e nem precisa marcar posição. Seu
objetivo é fazer um governo que dê certo em um país com crescimento econômico.
Distributivista, sim. Foco nos mais pobres, claro. Mas responsável para ser
perene, para durar.
O que muda mesmo, de fato e de maneira
categórica, é o respeito pela democracia. Não que o PT não tenha lá seus
cacoetes autoritários. Viu-se isso na tentativa de se estabelecer um certo
controle externo da mídia, apelido inventado pelo ex-ministro Franklin Martins
para a censura. Mas o ambiente político vai melhorar, sem qualquer dúvida.
Termina no dia 31 de dezembro o estado de permanente beligerância do Executivo
com o Judiciário. O perigo gigantesco de golpe que o país passou, antes e mesmo
logo depois das eleições de outubro, deixa de existir a partir de janeiro do
ano que vem.
O lado bom da história é que o Brasil torna
a ser um país normal, com a transformação das suas políticas interna e externa.
O Brasil volta a ocupar os espaços globais que havia perdido. Os homens e as
mulheres que ocuparão os principais cargos políticos do país serão merecedores
das atribuições que receberão. Os primeiros nomes anunciados para o Ministério
(Haddad, Múcio, Lino, Vieira e Costa) não deixam dúvidas. Não teremos mais
Frias, nem Farias. Nem Lorenzonis, nem Araújos. Nem Pazuellos, Queirogas ou
Weintraubs. Nem Salles, nem Damares. O país se qualifica, como se qualificaria
com qualquer outro presidente, fora Bolsonaro.
Golpe e cadeia
A prisão do ex-presidente do Peru, Pedro
Castillo, é um bom exemplo do que pode acontecer quando alguém tenta dar um
golpe em uma democracia. Um excelente recado para os patriotas que marcham
enrolados em bandeiras diante de quartéis e para Bolsonaro, que faz muito bem
em ficar calado. Vai para a casa com duas aposentadorias mais um salário do PL
para fazer nada. Melhor do que ir para a cadeia.
Bolsonarismo se esvazia
Aos poucos o bolsonarismo raiz vai perdendo
sua estatura. Os radicais são cada vez menos, embora ainda muito maiores do que
eram nas manifestações de 2013, quando poucos gatos pingados portavam cartazes
e faixas pedindo intervenção militar. O que se vê hoje nas portas de quartéis
são os seus ideólogos rodeados de desavisados e malucos, gente que se deixa
ingenuamente instrumentalizar. Os grandes nomes do grupo, que existiu com força
até a eleição de outubro e seria perigoso se Bolsonaro tivesse prevalecido, se
afastaram. O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o deputado
Arthur Lira já anunciaram que estão fora. O bolsonarismo raiz ainda tem
quadros, mas é gente do nível de Roberto Jefferson, Carla Zambelli e de
militares que ganharam boquinhas federais nos últimos quatro anos.
Haddad x reformas
Não vai ser fácil, já vimos antes. Mas
Fernando Haddad entrará para a História se conseguir negociar e aprovar uma
reforma tributária. A reforma que parecia mais fácil, a administrativa, se
complicou diante do fortalecimento excepcional e imerecido que se deu aos
servidores militares pelo governo Bolsonaro. Andar para frente agora vai exigir
cuidados adicionais e tempo. Pode caber ao vice-presidente Geraldo Alckmin
tocar esta pauta.
Lágrimas e mentiras
Todo mundo já escreveu sobre o choro do
presidente em cerimônia militar. O colunista poderia até passar sem fazer
qualquer menção, mas achou que ainda cabia uma última avaliação, que faz apenas
reproduzindo texto do escritor Publílio Siro (85 a.C.), contida em sua obra
“Sentenças”. Desconsidere o machismo ancestral da frase, pense nela como se
fosse atribuída a qualquer gênero: “Mulheres (As pessoas) aprendem a derramar
lágrimas de maneira a poder mentir melhor”.
Duda Salabert
Todos os parlamentares têm valor
indiscutível, inarredável, irrevogável. Representam seus eleitores, o povo.
Alguns, contudo, acrescentam mais para a cidadania do que outros. Muitos são
especiais e merecem destaque. É o caso de Duda Salabert, vereadora de primeiro
mandato em Belo Horizonte e deputada federal eleita em outubro. Professora,
ambientalista e ativista, Duda é trans, uma das primeiras parlamentares trans
da História nacional. Atacada e ameaçada por seguidores dos filhos de Jair
Bolsonaro nas redes sociais, Duda foi demitida da escola em que trabalhava. Na
semana passada, numa entrevista ao jornal Estado de Minas, Duda disse o
seguinte: “Estou na política, mas sou professora. E reconheço que meu papel em
sala de aula é muito mais importante do que meu papel no espaço legislativo. No
espaço legislativo eu crio leis, e em sala de aula nós criamos consciências. E
o que muda o mundo não são novas leis, mas novas formas de pensar o mundo”.
O poder em pompa
Recebi um livro quase biográfico de
Francisco Dornelles, um dos poucos governadores do Rio que não foram presos ou
legalmente impedidos de continuar no cargo desde Anthony Garotinho. Escrito
pela jornalista Cecília Costa, o livro conta etapas importantes da sua vida a
partir de depoimentos do próprio biografado. O título “O poder sem pompa” faz
justiça a Dornelles, um político brilhante mas de hábitos modestos, embora
lembre episódio antagônico de seu tio Tancredo Neves contado por Fernando
Henrique Cardoso. Eleito pelo colégio eleitoral de 1985, Tancredo acabou não
conseguindo vaga para FH, então destacado senador por São Paulo, na montagem do
Ministério. O presidente inventou então um novo cargo parlamentar, o de líder
do governo no Congresso, que se somaria aos dos já existentes líderes na Câmara
e no Senado. Ao comunicar a decisão a FH, Tancredo perguntou onde seria o seu
gabinete. O senador disse que não precisaria mudar, continuaria despachando da
sua sala no Anexo I do Senado. O presidente eleito o interrompeu e disse: “Nada
disso, Fernando, você precisa de um gabinete maior. O poder exige pompa”. O
cargo inventado por Tancredo existe até hoje.
Golpismo radiofônico
Apesar da distância que cada vez mais separa o bolsonarismo raiz da realidade, ainda tem gente fazendo radiofonia pró-golpe.
"O lado bom da história é que o Brasil torna a ser um país normal, com a transformação das suas políticas interna e externa"
ResponderExcluirDe anormal para normal parece uma ciclópica mudança. E para melhor. Q bom!
"Os primeiros nomes anunciados para o Ministério (Haddad, Múcio, Lino, Vieira e Costa) não deixam dúvidas. Não teremos mais Frias, nem Farias. Nem Lorenzonis, nem Araújos. Nem Pazuellos, Queirogas ou Weintraubs. Nem Salles, nem Damares."
ResponderExcluirImpressionante a má qualidade do ministério do boçal da República. Mas a frase seguinte faz muito bem a qualificação desse grupo insano:
"O país se qualifica, como se qualificaria com qualquer outro presidente, fora Bolsonaro."
De fato, o paspalho da República é tão ruim, tão despreparado q qq um fará melhor.
Seria cômico não fosse a destruição q o genocida implantou com ignorância orgulhosa.
"O que se vê hoje nas portas de quartéis são os seus ideólogos rodeados de desavisados e malucos, gente que se deixa ingenuamente instrumentalizar."
ResponderExcluirNão são ingênuos. São estúpidos, burros mesmo.
" O bolsonarismo raiz ainda tem quadros, mas é gente do nível de Roberto Jefferson, Carla Zambelli e de militares que ganharam boquinhas federais nos últimos quatro anos."
ResponderExcluirA q nível desceram nossos milicos. Nível do bob jef e da espanhola! Há q se esforçar muuuuuito.
Acho que há ingênuos, sim, mas não devem ser a maioria. De qualquer modo, são quase todos milicianos bolsonaristas, antidemocratas e CRIMINOSOS!
ResponderExcluir"Não teremos mais Frias, nem Farias. Nem Lorenzonis, nem Araújos. Nem Pazuellos, Queirogas ou Weintraubs. Nem Salles, nem Damares."
ResponderExcluirSerá um governo com menos canalhas... E sem lobos e criminosos disfarçados de pastores!
Haverá grandes mudanças no Executivo, mas o Legislativo pouco se altera... Lira e Pacheco continuam fortes e comandando, parlamentares bolsonaristas ainda são numerosos e importantes! Com este Congresso, o governo de Lula e dos seus ministros não será simples, e muitas mudanças terão que ser negociadas com o Congresso! Então, o tamanho das mudanças dependerá em parte do que o Congresso quiser ou priorizar!
ResponderExcluirTem muita gente competente no Brasil.
ResponderExcluirEm primeiro lugar os investidos de autoridade no Brasil se emocionam quando encontram a visão da sua própria falta de educação.
ResponderExcluirA maioria da população escolhe o Político que lhes permitirá pecar mais mas há ainda uma ignorância generalizada que peca contra o espírito santo (imperdoável).
Os homens tremem ao saberem que comeu a mulher do capeta tentando se esconder na casa do capeta.
As Federações de Partidos serão a saída de alternação do chamado centrão a não ser as ideias de concenso vai lhes tirar do esfacelamento.
A quantidade de Ministérios deixa folgada a cúpula do Distrito Federal com uma Câmara Distrital estatutária , território que ainda não produz nada e que devido as grandes distâncias a serem percorridas sustenta a Petrobrás no consumo de combustível, concecionárias e construtoras em seus caríssimos Terrenos sem uma Constituição totalmente subsidiada por impostos pagos pelos Estados da Federação há 62 anos.