O Globo
Apoio do PT a Lira abre primeira
divergência na aliança que elegeu Lula
O acordo
do PT com Arthur Lira abriu a primeira divergência entre os partidos
que apoiaram Lula. A bancada do PSOL avisou que votará contra a reeleição do
presidente da Câmara. Deve apresentar uma candidatura de protesto e renovar as
críticas ao Centrão e ao orçamento secreto.
Eleito por uma frente ampla, Lula já
começou a fazer concessões. Em nome da chamada governabilidade, desistiu de
peitar o principal aliado de Jair Bolsonaro no Congresso. Ao mesmo tempo,
negocia a distribuição de ministérios para siglas com as quais não tem nenhuma
afinidade ideológica, como PSD e União Brasil.
O presidente eleito é conhecido pelo pragmatismo. Em 2002, amaciou o discurso econômico para vencer resistências no empresariado e no mercado financeiro. Vinte anos depois, tende a repetir o movimento na direção de ruralistas, evangélicos e militares.
A conciliação deve render frutos, mas
também produzirá seus descontentes. No primeiro mandato lulista, eles se
entrincheiraram na esquerda do PT. O partido chegou a promover um expurgo:
expulsou quatro parlamentares que votaram contra a reforma da Previdência. Na
época, os rebeldes se organizaram para fundar o PSOL. Agora a sigla encabeça a
resistência ao acordo com o Centrão.
“Lira exerceu um péssimo papel na
presidência da Câmara. Mudou o regimento para dificultar a participação das
minorias e, em certas ocasiões, foi mais cruel com o povo do que o próprio
Bolsonaro. É inaceitável apoiá-lo em nome de uma preocupação com a
governabilidade”, critica a deputada Luiza Erundina, reeleita para o sétimo
mandato.
Passadas as eleições para a cúpula do
Congresso, deverão surgir novos atritos em torno da política econômica, da
relação com o funcionalismo e da política agrária. O PSOL abriu mão de lançar
candidato à Presidência para apoiar Lula no primeiro turno, mas ainda não
decidiu se participará oficialmente do novo governo. O martelo deverá ser
batido em reunião no dia 17.
“O
PSOL vai defender o mandato de Lula com todo o empenho, desde a posse. Isso não
significará chancela a todas as ações do governo”, avisa o deputado eleito Chico
Alencar. Na visão dele, o desafio é encontrar o equilíbrio entre a adesão cega
e a crítica gratuita. “Não devemos fazer oposição, mas também não podemos abrir
mão de fazer pressão à esquerda, sem sectarismo”, defende.
Embora participe da transição, o PSOL está
dividido sobre a ocupação de cargos na Esplanada. Isso não ocorre por falta de
candidatos. A deputada eleita Sonia Guajajara é a favorita para assumir o novo
Ministério dos Povos Originários. Campeão de votos em São Paulo, o deputado
eleito Guilherme Boulos é cotado para o Ministério das Cidades.
“Sabemos que 2023 será diferente de 2003,
quando ainda não havia uma extrema direita organizada no país. Mas entendo que
o PSOL vai colaborar mais se mantiver a independência para enfrentar o golpismo
e o fisiologismo do Centrão”, sustenta a deputada reeleita Fernanda Melchionna.
Mesmo que o partido decida entrar no
governo, Lula pode se preparar para ouvir cobranças à esquerda. “Haverá, na
próxima legislatura, uma minoria de grilos falantes”, promete Chico Alencar.
“Mesmo sem chance de sucesso, alertaremos sempre sobre certos princípios que o
pragmatismo vigente não deveria desconhecer”.
Lembro bem da dissidência que gerou o PSOL.
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