O Globo
A PEC da Transição, como aprovada no
Senado, é obra-prima da acomodação. Contempla a todos. Amarra tudo. (Amarra
também o Supremo, não sem contemplar os ministros que fazem cálculos
políticos.) Daí por que avance tão rapidamente. Resolve o Orçamento do governo
Lula, encaminha as reeleições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco às presidências
das Casas legislativas, assegura as emendas dos alcolumbres e faz fechar as
contas de Bolsonaro.
Um arranjo perfeito.
A perfeição oportunista do bicho se pode
medir no puxadinho que projetará mais cerca de R$ 23 bilhões para fora do teto
de gastos, espécie de bônus a depender do nível de arrecadação. Com efeito já
para 2022, a gambiarra ao mesmo tempo permitirá que Bolsonaro evite a
paralisação da máquina e que Lira e Pacheco honrem os compromissos bilionários
em emendas parlamentares do orçamento secreto. As granas estavam bloqueadas.
Agora andarão. Andando, farão rir. A boiada passa. Ficam todos felizes.
O lance é o fluxo. A fluência do fluxo. Não interrompa o fluxo — e a mágica acontece. A PEC é a da continuidade do fluxo. Da transição sem traumas.
A PEC da Transição é, antes e acima de
tudo, a da manutenção de um esquema de poder. É, usando a urgência da tragédia
social brasileira, engenharia para que a troca de governos sustente e até
amplie o sistema antirrepublicano que produziu o orçamento secreto.
Pode-se armar a cena de resistência que for
e vender que sairá mais caro. Não convence. O projeto andará celeremente também
na Câmara. Há acerto. Donde a confiança em que será aprovado sem modificações.
Note-se que o relator-geral do Orçamento tem seu parecer pronto e o apregoa
mesmo antes de a PEC estar aprovada. Tem o Orçamento para 2023 preparado antes
da aprovação da emenda à Constituição que lhe daria — dará — viabilidade. Tem o
Orçamento encaixado e divulgado já prevendo os bilhões com que a PEC o inflará.
É muita certeza.
Há outros sinais emitidos. Lira está a fim.
Mandou atropelar o rito e apensar a PEC a outro projeto já com tramitação
avançada. Irá diretamente a plenário. E fala-se no deputado Elmar Nascimento,
senhor da Codevasf, para relatá-la. Se não for Elmar, será um elmar. Será
rápido. O Orçamento, engordado pela PEC, poderá levar os vales do São Francisco
e do Parnaíba para muito além de seu já fabuloso esticamento até o Amapá. A PEC
já passou.
O código para o acordo está no volume de
espaço fiscal liberado pela elevação do pé-direito do teto de gastos. Os R$ 145
bilhões pagarão — com sobras — o Bolsa Família a R$ 600, os R$ 150 adicionais
por criança de até 6 anos, o aumento real do salário mínimo e as recomposições dos
programas Farmácia Popular e Minha Casa Minha Vida. Com sobras.
Atenção às sobras.
Está dito que outras áreas prioritárias
para a alocação dos dinheiros serão infraestrutura e investimentos em geral —
algo tão vago quanto o necessário para obras Brasil adentro e aquisição de
equipamentos Brasil afora. Eis a música. A turma embarca. Nada muda.
A PEC da Transição oferece muitas
oportunidades a emendas parlamentares e contém até um plano B para o improvável
caso de o Supremo declarar a inconstitucionalidade do orçamento secreto. O
texto amplia o poder do Parlamento sobre a alocação de recursos ao permitir que
as comissões permanentes solicitem ao relator-geral a destinação de dinheiros
que ficarão livres no Orçamento. Amplia, a rigor, o já imenso poder do relator
sobre o destino das gorduras.
Prevenção que me parece desnecessária. O
pacto pela aprovação da PEC tem por costura também a negociação para que o STF
não conclua o julgamento das ações sobre o orçamento secreto neste ano. Ficaria
para depois das reeleições de Lira e Pacheco. Se ficar. A cúpula do Congresso
maneja para que os meses corram, e os ministros se deem por satisfeitos com
novas promessas de tornar o bicho compatível com os princípios constitucionais
da transparência e da impessoalidade.
O papo de modulação vem daí. Modular para
que, afinal, quede-se constitucional que o destino de porções bilionárias do
Orçamento, inclusive para Saúde, continue a depender da vontade autoritária dos
dois ou três donos do Parlamento.
Note-se que o relator-geral do Orçamento
preparou sua proposta prevendo não apenas os bilhões ainda não aprovados da PEC
— mas também contendo os bilhões para emendas do relator, a fachada para o
exercício do orçamento secreto. Está confiante em que tudo fique mesmo como
está. Ou talvez ainda melhor. Com orçamento secreto e ainda outros dinheiros
para emendamentos — agrados alcolúmbricos — que aprofundem a governabilidade de
Lula.
A PEC da Transição, sem dúvida, pacifica.
Perigo, pois...
ResponderExcluirTudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
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