O que vai pelas cabeças da direção do PT, talvez, nem seus membros saibam. Há muito, o partido deixou de ser uma unidade coordenada capaz de submeter suas diversas tendências a objetivos estratégicos. Esses eram os tempos de José Dirceu. Eles se foram.
Conhecendo um pouco da história e da natureza política do partido e do Brasil, não é absurdo concluir que parte expressiva de seus dirigentes esteja, hoje, mais absorvida pelo calendário eleitoral (2026) do que preocupada com a dificílima tarefa que será governar o Brasil após as desventuras em série dos últimos anos.
Suspeito que, mais que simples, haja um raciocínio simplório e pernicioso, cujo fio seria o seguinte: no governo da frente ampla sob Lula, serão potenciais “presidenciáveis” Geraldo Alckmin, Simone Tebet, Flávio Dino e, talvez, Marina Silva. O tempo dirá se o presidente Lula realmente não será candidato a reeleição. Como um organismo que vive para se reproduzir, enxergando a competição, a cultura hegemonista do PT tem feito soar suas sirenes do perigo.
E, assim, por falta de nome com maior recall e visibilidade, setores do partido debruçam-se no desafio de fazer de Fernando Haddad o candidato em 2026. A estratégia não poderia ser mais manjada: a ocupação do mais vistoso espaço no governo, o ressuscitado Ministério da Fazenda. É muito difícil se libertar de vícios adquiridos no movimento estudantil...
Cálculo grosseiro
Tudo depende, é claro, de Lula, mas pode ser que Haddad se torne mesmo ministro da Fazenda: seu nome tem sido plantado nas mais diversas hortas da imprensa e pode, ao final, se consolidar como fato consumado. Em política, tudo pode ser. E os silêncios e sinais de Lula têm colocado oxigênio nesse balão. Mas, parece-me um cálculo grosseiro.
Não se trata de discutir aqui a adequação de Haddad para o cargo, suas qualidades ou defeitos – certamente, sua escolha levaria a custos maiores, dada a desconfiança do mercado financeiro, o que não se dissipará tão cedo. Mas, a não ser que a intenção seja, ao final, queimar seu nome, o fato é que esse tipo de ânsia se configura como aqueles erros crassos que rondam a política e alteram o curso de processos que facilmente poderiam ter sido muito mais amplos e, talvez, eficazes ao final de tudo.
É preciso compreender o quadro que será herdado por Lula: os problemas fiscais e econômicos são inúmeros; a crise no ambiente econômico internacional parece tão certa quanto perniciosa para países como o Brasil. Faltará dinheiro para quase tudo na mesma proporção em que as críticas, até mesmo no campo governista, serão abundantes – o governo sequer começou e elas, as críticas, já surgiram às mancheias.
Fazenda: um manancial de ônus
O mais provável é que a Fazenda venha a se provar um manancial de ônus muito mais vultosos e desgastantes do que geradora de bônus e realizações, pelo menos nos dois primeiros anos.
O raciocínio sustenta-se em várias hipóteses. A mais romântica dá conta de que a fortuna que levou Fernando Henrique Cardoso da Fazenda ao Planalto, em 1994, possa se repetir. Ingenuidade quixotesca. Em 1993-94, o mundo era outro, as condições do país eram outras e a qualidade dos quadros com que FHC pôde dispor– forjados nas ondas mundiais daquelas circunstâncias – também era outra.
Independente da simpatia ou da aversão que o futuro ministro desperte no mercado financeiro, sua sina será de dizer “não” infinitas vezes mais do que poderá dizer “sim” – se é que poderá fazê-lo tão cedo. Inflação, dívida, emprego, recursos escassos, dispendiosas e indispensáveis políticas públicas, o ajuste geral da economia nacional, a crise internacional, o desafio da reforma tributária podem até torná-lo poderoso, mas nem por isso popular com corporações e sociedade em geral.
Em tempos difíceis, só vontade política não resolve
Muito mais inteligente seria definir o nome de quem não possua veleidade política e pretensão eleitoral, deixando ao petista, ao final ungido por Lula, algo mais gratificante e popular – e nem por isso desimportante – como a Saúde ou o Desenvolvimento Regional, por exemplo.
Sim, o próximo governo não pode se limitar à rigidez fiscal. A responsabilidade em relação ao gasto público é condição sine qua non, mas bem longe de suficiente para estes tempos difíceis. A crença de que a simples “vontade política” bastaria é um erro que tem acompanhado a esquerda há séculos. Ao final, Lula poderá cometer um erro comparável à sua sucessão, em 2010.
A herança deixada pelos tempos de postos Ipiranga levará ao desgaste e exigirá sacrifícios e resiliência. O rescaldo dos tsunamis recentes não permitirá comprar popularidade no curto prazo. A fama e a experiência de Lula não parecem casar bem com isso. Nem toda ousadia é genial.
*Carlos Melo, cientista político, professor do Insper.
Parece aquelas bancas de supermercado.
ResponderExcluirA de 'Frios', por exemplo, com seus pratinhos prontos de queijos, mortadelas e presuntos...
A de 'Carlos Melo, com os 'pratinhos' de 'Conhecendo um pouco', 'Suspeito que', 'O mais provável é', 'O raciocínio sustenta-se'...
Que mixórdia!