Folha de S. Paulo
Presidente eleito não precisa repetir os
erros do americano que recolocaram a direita radical no jogo
Como Joe Biden, Lula derrotou nas
urnas um presidente
extremista –e, como Biden, enfrentou a contestação golpista do
resultado eleitoral. Mas o brasileiro não precisa reproduzir os erros seguintes
do americano, que recolocaram a direita radical no jogo do poder.
Biden venceu no voto popular por 4 pontos
percentuais e os democratas conquistaram maiorias na Câmara e no Senado. Daí,
concluíram erradamente que dispunham de um mandato político irrestrito.
De saída, o presidente articulou dois
pacotes fiscais: um de infraestrutura, negociado com os republicanos, de US$
1,2 trilhão, e outro social e ambiental, combatido pelos republicanos, de US$
1,9 trilhão. Poderia aprovar logo o primeiro, selando um mega triunfo
parlamentar, e fatiar o segundo, passando suas iniciativas mais relevantes.
A húbris não deixou. Contrariando o discurso de reconciliação nacional empregado na campanha presidencial, os democratas transformaram o pacote bipartidário em refém do pacote controverso, exigindo a aprovação simultânea de ambos. Previsivelmente, fracassaram: numa batalha de meses, que consumiu o capital político do presidente, o estímulo fiscal maior foi derrotado.
Dali em diante, o governo Biden desceu a
ladeira da popularidade. Nas eleições parlamentares de meio de mandato, os
republicanos venceram o voto popular por 3 pontos percentuais e recuperaram a
maioria na Câmara. A derrota só não foi esmagadora porque, hipnotizados por
Trump, os republicanos alinharam fileiras de candidatos lunáticos para as duas
casas do Congresso. Hoje, o favorito para as presidenciais de 2024 é Ron
DeSantis, republicano da direita dura que evita os excessos teatrais
trumpianos.
Lula venceu Bolsonaro por menos de
2 pontos percentuais e os partidos de esquerda somam apenas 27%
das cadeiras da Câmara. Mas, à sombra da húbris, o presidente eleito negociou com
Arthur Lira a PEC da Transição para, em seguida, designar uma
equipe econômica sob controle petista.
Por essa via, o novo presidente contraria
seu discurso de campanha sobre a economia ("previsibilidade, estabilidade
e credibilidade") e sua promessa de um governo de unidade democrática
antibolsonarista. A nomeação de Mercadante para o BNDES, defendida por Nelson
Barbosa, ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, sob o argumento de que
"o PT venceu as eleições", serviu como senha para a blitzkrieg contra
a Lei das Estatais conduzida em conjunto pelo centrão e pelo PT. A "base
aliada" já pode, novamente, colonizar a Petrobras.
A desculpa do improviso não se aplica ao
discurso lido por Lula na cerimônia de
diplomação. Nele, a húbris explode como cogumelo atômico em
duas falsas equivalências.
"Eu sei quanto custou ao povo
brasileiro essa espera para que a gente pudesse reconquistar (sic!) a
democracia": aqui, Lula sugere que experimentamos quatro anos de ditadura
e identifica sua própria eleição como um retorno à democracia.
"Poucas vezes na nossa história a
vontade popular teve que vencer tantos obstáculos para enfim ser ouvida":
aqui, Lula desenha um sinal de igual entre ele mesmo e a vontade popular. São
sentenças de quem já esqueceu o que disse nos meses de campanha.
Biden mobilizou sua frágil maioria
parlamentar para votar o programa máximo de seu partido, colhendo uma derrota
desastrosa. Lula firma um pacto faustiano com a direita fisiológica para montar
uma maioria espúria e aprovar o que lhe dá na telha. Nesse passo, traça um rumo
econômico insustentável e aliena o eleitorado que acreditou na
frente democrática.
Vitórias condicionais não devem ser tomadas
como triunfos absolutos. Nos EUA, Biden restaurou a perspectiva de poder da
facção republicana direitista. Aqui, Lula ameaça reconstruir uma maioria
eleitoral inclinada à extrema direita. Ainda é tempo de dar meia-volta,
desistindo da PEC e do pacto com o centrão.
Fechado com o articulista.
ResponderExcluirLula sempre foi autoritário, sente inveja dos desmandos do Bolsonaro e agora tenta imitá-lo. Quem tem poder sonha em em torná-lo absoluto e eterno. Uma marca indelével de pessoas complexada. Biden e Trump são exemplos de idosos que perderam a noção do ridículo.
ResponderExcluirDemétrio Magnoli...
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