Folha de S. Paulo
Brasil
não precisa se somar às sanções à Rússia, mas condená-las é legitimar a guerra
imperial
O
Brasil "vai voltar a todo mundo", garantiu
Mauro Vieira, novo ministro das Relações Exteriores. Não é a
ideologia, mas o interesse nacional, que guiará nossa política externa. As
declarações marcam uma nítida ruptura com a orientação bolsonarista, que
fechou-nos num casulo de relações preferenciais com governos da direita
nacionalista e correntes do fundamentalismo cristão. O que se fala é positivo.
O problema reside no que se cala.
Guerra Fria 2.0 entre EUA e China? O Brasil rejeita a escolha, anunciando uma "nova era" na parceria com Washington e o aprofundamento do intercâmbio com Pequim. Mais: diante da polaridade entre as duas grandes potências, o Brasil empenha-se em consolidar as relações com a Europa, por meio da implementação do acordo Mercosul/União Europeia. "Não nos preocupamos com a ideologia; a ideologia é a integração", enfatizou Vieira, abordando a América do Sul.
Quem,
senão lunáticos, pode se opor ao restabelecimento de relações com o governo
Maduro, que corresponde simplesmente ao reconhecimento de uma realidade? Nações
conversam com nações, independentemente de seus regimes políticos. Aqui, porém,
emerge uma lacuna: o primeiro silêncio.
O
interesse nacional não se mede apenas por comércio e investimentos. Nossa
Constituição, expressão do interesse nacional, manda organizar a política
exterior também em torno de valores: a defesa dos direitos humanos. O novo
governo violará o contrato constitucional se evitar a crítica às ditaduras,
especialmente no nosso entorno.
O
chileno Boric as critica, sem abandonar o diálogo. Nos mandatos
petistas anteriores, o Brasil fez o oposto, celebrando os regimes cubano,
venezuelano e nicaraguense. Era "ideologia", não
"integração".
O
segundo silêncio é pior. Dias atrás, Lula
conversou com Putin —mas não com Zelenski. Na
esfera diplomática, o gesto indica uma preferência. A palavra "paz"
surgiu na conversa. Outra palavra, "negociações", pontua as
declarações do presidente eleito e de Vieira, quando se trata da guerra de
conquista russa na Ucrânia.
Nunca,
porém, proferem-se as expressões "soberania nacional",
"integridade territorial" e "retirada das forças
invasoras". A Ucrânia resiste à invasão —e opera na contraofensiva,
retomando áreas ocupadas pela Rússia. Nesse cenário, Putin fala em
"paz" e "negociações", senhas para o congelamento
temporário do conflito até a reorganização das forças russas e a retomada do
impulso ofensivo.
Turquia
e Índia, que optaram pela neutralidade, também usam as duas palavras —mas as
complementam com a defesa da integridade territorial ucraniana. O Brasil não:
sua condenação retórica da agressão inicial, expressa na ONU, desembocou na
fórmula que interessa ao Kremlin.
"Numa
eventual negociação, o Brasil defenderia que a Rússia devolva à Ucrânia os
territórios anexados recentemente?", perguntou-se a Vieira. Sua resposta:
"Não se pode partir de nenhum princípio preestabelecido. Ou dizer, só
sento para negociar se for assim". Registre-se que a pergunta não abrange
os territórios anexados pela Rússia em 2014, mas exclusivamente as novas
anexações proclamadas em setembro. O novo ministro trata a integridade
territorial como um estorvo que atrapalha a "paz" putinista. Quem
disse que nossa política externa abandonou a ideologia?
Sob
Bolsonaro, o Brasil posicionou-se contra as sanções à Rússia. Vieira foi mais
longe, tachando-as como "ilegais". A afirmação é falsa, pois elas
—como a ajuda militar à Ucrânia— derivam do conceito jurídico de autodefesa
coletiva, inscrito na Carta da ONU.
O
Brasil não precisa se somar às sanções ou à ajuda militar, mas condená-las
equivale a legitimar a guerra imperial. O chocante, porém, mais uma vez, está
naquilo que se silencia: o novo ministro esqueceu de qualificar como ilegais as
anexações russas. O silêncio grita.
O Brasil capenga na eterna ignorância supondo que nunca
ResponderExcluirseremos invadidos, ledo engano dos estupidos. Amazônia é um eterno convite e tem muitos países interessados quem dirá a China.
A Rússia dá seu recado, entenda quem tiver inteligência para entender, nesse mundo ninguém está salvo do bicho homem, ambição e poder, é o necessário para começar o trabalho de um ignorânte narcissista empoderado. A história da Rússia - presente, passado revelam seu futuro que juntando com as guerras que produziram, revelam as atrocidades de que são capazes. Um país cuja população jamais conheceu o gosto da liberdade dentro de seu país. É disso que se despreende a minha convicção.
ResponderExcluirDemétrio colocando o dedo na ferida,apoiar ditadura de esquerda é imperdoável.
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