É grande o otimismo com o governo Lula. Não canso de aplaudi-lo quando fala de fome e desigualdade. Sua vitória inaugura um novo tempo de afirmação dos valores universais da democracia e direitos humanos.
Fundo em minha alma saudosa e inquieta a
questão do combate à fome. Acompanhei centenas de pessoas à espera das
quentinhas distribuídas no paço da Catedral do Rio de Janeiro, bem como da
experiência das cozinhas solidárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto que
atua na região dos Arcos da Lapa.
Tenho a percepção que ao mesmo tempo que a miséria e a fome crescem, existe o recrudescimento das ações humanitárias de organizações da sociedade civil, de grupos informais, de voluntários trazendo à tona o valor ético da solidariedade. Valor inerente à alma da nossa brasilidade, que clama nas suas iniciativas por menor dispersão e articulação entre Estado e Sociedade. Tudo isso deve estar nas pautas indutoras do novo governo.
Nesses dias de esperança lembro os idos de
93 e 94, culminando com o Natal sem Fome e de intenso protagonismo da cidadania
brasileira, marcados pelas ações de combate à fome: “Alimentação escolar
descentralizada”, “Leite é Saúde”, “Alimentação do Trabalhador”, distribuição
de cestas básicas através do Ministério do Exército e CONAB e outras ações
coordenadas pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar, sob a batuta de Dom
Mauro Morelli. O Mapa da Fome, do Ipea, criado pela saudosa Anna Peliano e sua
competente equipe. Gigante da sociedade, a quem eu chamava de Ministro de
Esperança, foi Betinho, animador da Ação da Cidadania contra Fome a Miséria e
pela Vida e liderança no CONSEA.
No CONSEA, Conselho Nacional de Segurança
Alimentar, com nomes que o Movimento pela Ética na Política levou ao Presidente
Itamar, houve uma composição inédita com 21 membros da sociedade civil e 8
ministros. A sala “Josué de Castro” não dava conta da presença de ativos grupos
de trabalho atuando de forma ligeira sob o mantra “a fome tem pressa”.
O CONSEA no governo Itamar inaugurou um
modelo inédito de relação Estado/Sociedade. Por incrível que pareça a ideia do
Conselho foi uma sugestão do Lula, levada pelo líder do governo no Senado Pedro
Simon já em janeiro de 1993. Inovação e mudança de paradigma no trato político
da questão social, embora esquecida, merece ser lembrada.
Conselheiros como Cristovam Buarque, Dom
Luciano Mendes de Almeida, Celso Japiassú, Plinio de Arruda Sampaio e tantos
outros estão sempre vivos na minha memória.
A Lei Orgânica da Assistência Social
sancionada em 7 de dezembro de 1993 que assegurou benefícios para idosos e
deficientes assegurando a base legal para programas de transferência de renda
vindouros, sem a contrapartida da contribuição previdenciária. A LOAS foi
também a base para construção do Sistema Único de Assistência Social o SUAS
criado e aperfeiçoado na era Lula/Dilma.
Com a alegria com os novos tempos que se
avizinham, tomo a liberdade de sugerir ao Lula e ao novo governo, algo com o
mesmo espírito que ele sugeriu ao Itamar. Eis a sugestão: resgate as boas
experiências do passado, especialmente as que foram construídas a partir da
Nova República sob a égide da Constituição de 88.
São inúmeras as boas práticas, vou me deter
em algumas para provocar o desejo de ir além.
No Governo Sarney, a política de
abastecimento, a ampliação do acesso à merenda escolar para a comunidade e o
Programa do Leite.
No Governo Collor, o Ministério da Criança,
o Pacto pela Infância, uma articulação dos governadores que definiu metas
claras para toda a nação sob a liderança de Agop Kayayan, da Unicef, Dom
Luciano da CNBB, Aristides Junqueira, da Procuradoria da República, Betinho, do
Ibase sem esquecer de Antônio Carlos Gomes da Costa que liderou a manufatura do
ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com FHC, os programas Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação e Erradicação do trabalho infantil, (PETI) ganharam relevo antes de
serem unificados no Bolsa Família, que conquistou grande escala e notoriedade
internacional como estratégia privilegiada de inclusão social, combate à fome e
fomento ao consumo dos setores populares.
O Comunidade Solidária, sob o comando de
Ruth Cardoso, atuou na integração de programas de combate à pobreza nos
munícipios mais pobres e no fortalecimento do terceiro setor.
Caro Lula, sugiro que crie uma estrutura
ágil e simples para lembrar e divulgar – e se possível reinventar, com as
marcas dos novos tempos e dos novos atores, as lições e práticas de políticas
públicas sociais que foram relegadas, talvez por terem sofrido a
descontinuidade por serem políticas de governo e não políticas de estado.
Lá se vão 50 anos que Josué de Castro
morreu no exílio em 1973. Sua biografia e seus ensinamentos devem ser lembrados
nos livros didáticos. A placa “Josué de Castro”, colocada e depois arrancada na
sala do CONSEA em 13 de maio de 1993, no Palácio do Planalto, precisa ser
reinaugurada.
A saudação de Dom Helder na instalação do
CONSEA no dia da Abolição da Escravatura, ainda ecoa em meus ouvidos…
*Denise Paiva - Pós-graduada em Serviço
Social – Assessorias: Ministério da Saúde e Ação Social de Moçambique
(1978-1980) - P.M.Juiz de Fora em três mandatos – Gabinete da P.M.São Paulo na
Gestão Luísa Erundina (1990-1992) - de 1992 a 2005 junto à Presidência da
República e Ministério da Justiça em Brasília – Atualmente é Pesquisadora e
Consultora.
Excelente texto! Parabéns à autora e ao blog por divulgá-lo. É mesmo necessário valorizar e reaproveitar iniciativas que deram resultado no passado e que podem continuar oportunas na substituição do DESgoverno Bolsonaro!
ResponderExcluirExcelente trabalho muito esclarecedor.
ResponderExcluirMeu coração está pesado pela falta do nosso grande Pele, que Deus o tenha.
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