O Globo
A julgar pelos primeiros relatórios de
alguns dos 30 grupos temáticos da transição, a desgraceira é monumental
Era uma vez um país chamado Brasil, presidido por um capitão chamado Jair Bolsonaro, que deveria comandar a nau pátria até o último dia de mandato, 31 de dezembro de 2022. Só que o capitão sumiu desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito seu sucessor. E o conjunto da obra bolsonarista, entregue a conta-gotas e de má vontade à equipe de transição de Lula, mais se assemelha a um país-fantasia. Fantasia por falido, e falido no sentido múltiplo do termo — financeiro, social, gerencial, moral. A julgar pelos primeiros relatórios de alguns dos 30 grupos temáticos da transição, a desgraceira é monumental. Por enquanto, o impacto nacional decorrente dessa ruína ainda é pouco percebido — nada consegue competir com o feitiço da sucessão de zebras, surpresas e reviravoltas de uma Copa do Mundo. E a do Catar só termina no domingo 18 de dezembro, já às vésperas do Natal. Portanto, na prática, até a posse de Lula no Palácio da Alvorada, o país continuará navegando à deriva. Algum dia, talvez, será possível computar quanto do futuro do Brasil foi perversamente esbanjado ou destruído na era Bolsonaro.
É do jogo político que toda equipe de
transição desfie queixas e aponte falhas quanto ao estado real do país que lhe
é entregue pela administração anterior. Não raro, para justificar futuros
percalços ou não cumprimento de promessas de campanha. Outras vezes, o
descalabro é do tamanho da grita. Na transição americana de 2020, a equipe leal
ao derrotado Donald Trump ficou os primeiros 16 dias pós-eleição sem sequer
atender telefonemas da equipe vencedora de Joe Biden. Muitos funcionários
públicos de carreira, temendo que alguns bancos de dados científicos viessem a
ser manipulados antes da troca de poder, chegaram a armazenar conteúdos em
nuvens fora do alcance trumpista. Jamais na história política dos Estados
Unidos ocorreu uma transferência mais envenenada das ferramentas do Estado. Mas
Estado havia.
E aqui? Aqui há falência. Os grupos
temáticos amontoados pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, no Centro
Cultural Banco do Brasil de Brasília, para a elaboração de uma radiografia
nacional, parecem atordoados. Há os que engatinham, os que já percorreram meio
caminho e os altamente preparados para a tarefa. Todos têm em comum garimpar
nos escombros do que já foi um país com políticas públicas.
O testemunho mais contundente da semana
veio durante a entrevista coletiva do grupo de trabalho de meio ambiente.
Trata-se do grupo dos sonhos de qualquer governo, dada a proficiência e o
conhecimento de seus integrantes. Na quinta-feira, o microfone foi passando de
mão em mão até chegar a vez de Izabella Teixeira fazer seu resumo.
Formada em biologia e doutora em
planejamento energético, ex-ministra do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma
Rousseff e coringa das Nações Unidas para a crise climática, quando essa
servidora pública fala, a gente presta atenção dupla. Até porque sua voz de
contralto é forte. (Seria até impiedoso imaginar um debate entre ela e Ricardo
Salles — aquele que ocupou a mesma cadeira no governo Bolsonaro e dela foi
exonerado após acusações de envolvimento em exportação ilegal de madeira da
região amazônica. A terraplenagem intelectual seria épica.)
— Não é exagero, não é drama. Todo mundo
sabe que sou muito pragmática, mas levei muitos sustos vendo os documentos —
esclareceu a ex-ministra. — Não é uma questão de ineficiência ou incompetência
[do governo Bolsonaro]. Houve uma decisão política de destruir.
Alegrou-se, porém, com a solidariedade
encontrada junto ao corpo técnico do ministério e de outras 200 instituições
que forneceram dados e foram ouvidos pelo grupo. Nunca vira tamanha força da
sociedade civil:
— Vieram de forma colaborativa, engajada,
produtiva. Não vieram reclamando.
Ela acredita que o Brasil dessa nova
envergadura tem força para reconstruir o diálogo — até porque, “sem a força da
sociedade e de vocês [a imprensa] comprometidas com a transparência e a
verdade, o Brasil não fica de pé”. Em resumo:
— Não tem dinheiro para prevenção alguma.
Acabou. Aliás, acabou de sair um ofício do presidente do Ibama suspendendo
todas as atividades por falta de dinheiro. Acabou o licenciamento ... não tem
fiscalização. Está por escrito, em ofício enviado ao secretário executivo do
Meio Ambiente explicando as razões do bloqueio de todo o dinheiro disponível.
Então me parece que o Ibama vai trabalhar virtualmente ... Feliz Natal para os
grileiros e para os criminosos neste país do crime ambiental, porque é isso que
está sendo dito.
Se todos os grupos de trabalho da transição
forem tão eficazes e produtivos quanto o do meio ambiente, o governo Lula pelo
menos saberá em que pântano estará pisando. E o que fazer para, mais adiante no
futuro, poder proporcionar um Feliz Natal para o Brasilzão que merece.
Calamidade!
ResponderExcluirVenho registrando sempre que posso:
ResponderExcluirVem aí APAGÃO DE DADOS DO e-SOCIAL, marcado pelo PGuedes&Quadrilha para o dia 11 de dezembro: Todas as senhas de acesso serão canceladas
(são dados do e-Social desde 2015).