O Globo
Vestir a cor não é crime. Nunca foi. Não
será
Não foi pouco o que se lamentou, nos
últimos tempos, o sequestro pela extrema direita brasileira do amarelo da
seleção, indumentária que costumava aproximar os amantes de futebol, súditos do
Rei Pelé. O que passou batido foi a criminalização do vermelho. Quem não gosta
de Jair Bolsonaro e seus aliados, além de não vestir a camisa canarinho, ficou
sem poder usar a cor associada pelos radicais à esquerda, ao comunismo,
ao PT,
a Lula.
Mas é vermelho o Salgueiro. É vermelha a Unidos do
Viradouro. A Estácio de Sá é vermelha. É vermelho o Boi Garantido.
São vermelhos o América, cansado de guerra, e o Internacional. É vermelho o
Natal.
A cor vermelha é associada a desafio e resistência, à esquerda revolucionária e aos sindicatos, às lutas populares e ao sangue derramado. Deu o tom a bandeiras do Partido Socialista Francês, do Partido Trabalhista do Reino Unido, do PT brasileiro, da União Soviética, da China. E, nos EUA, do Partido Republicano, de ninguém menos que Donald Trump, ídolo do quase ex-presidente do Brasil.
Na cromoterapia, vermelho é cor da
vitalidade e da paixão. Veste quem precisa de energia e estímulo; quem quer
conquistar, seduzir, causar. No candomblé, é cor de Obá, orixá guerreira e
apaixonada. Exu é rubro-negro. Na umbanda carioca, vermelho é de Ogum. Quem
nunca viu venha ver os cortejos nas paróquias consagradas a São Jorge no
feriado de 23 de abril. Nas romarias à Igreja de São Sebastião dos Frades
Capuchinhos, na primeira sexta-feira do ano ou no 20 de janeiro, dia do
padroeiro da Cidade Maravilhosa, fiéis caminham com roupas e distribuem fitas
vermelhas.
Vermelho é sinal fechado, alerta de
cuidado, aviso de não ultrapasse. Na conta de luz, significa tarifa bem mais
alta. É chamada de promoções, descontos, sale. É capitalismo na veia. Foi em
1931 que o desenhista Haddon Sundblom vestiu de vermelho o idoso barbudo, que,
inspirado em São Nicolau, tornou-se símbolo do Natal. O artista adicionou gorro
e saco de presentes ao Bom Velhinho num anúncio publicitário da Coca-Cola. E
ganhou o mundo.
É preciso muita ignorância, intolerância e
ódio para reduzir uma cor à bandeira política e, assim, perseguir (supostos)
adversários. Radicalizado, o bolsonarismo proibiu servidores públicos e
funcionários de estatais de usar roupas vermelhas. Orientou cerimonial a banir
o tom. Agiu como as facções do crime organizado que impunham regra semelhante
em áreas dominadas de comunidades do Grande Rio. Houve tempo em que visitantes
eram orientados a não entrar em favela usando a cor para evitar confusão ou
tragédia.
Neste ano, campanha em andamento, não foi
incomum ver eleitores de Lula queimando neurônios para decidir se sairiam ou
não de vermelho, votariam ou não com a cor do Partido dos Trabalhadores.
Pairava o medo, não sem razão, da violência política. Vermelho era a cor da
festa do petista Marcelo Arruda, assassinado pelo bolsonarista Jorge Guaranho,
no salão em que celebrava seu aniversário de 50 anos, em Foz do Iguaçu (PR).
Ainda ontem, quando anunciava 16 novos
nomes de ministros do terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva mencionou a
perseguição a quem externava a preferência à sua candidatura. Dom Odilo
Scherer, arcebispo de São Paulo, veio a público no segundo turno explicar que o
figurino vermelho dos cardeais católicos se relaciona ao sangue de Jesus
Cristo, não ao PT ou ao comunismo.
A corrida eleitoral chegou ao fim,
Bolsonaro foi derrotado. Nas urnas, deu vermelho. E, ironia maior, deriva dele
a cor de 2023. Semanas atrás, a Pantone anunciou que Viva Magenta é o tom do
novo ano. Foi inspirado, segundo a marca, no vermelho colchonilha, um dos
corantes naturais mais fortes e brilhantes do mundo:
— É uma cor enraizada na natureza, descende
da família dos tons vermelhos e vem expressando um novo vigor. Viva Magenta é
corajosa e destemida, uma cor pulsante, cuja exuberância impulsiona celebração,
alegria e otimismo, escrevendo assim uma nova narrativa.
O país que tenta resgatar e redimir as
cores, os símbolos e as datas nacionais sequestradas por um campo
político-ideológico intolerante e agressivo há de ressignificar também o vermelho.
Para quem quiser usá-lo por motivação política, religiosa, estética,
terapêutica, afetiva. Vestir vermelho não é crime. Nunca foi. Não será.
Vermelhou. Feliz Natal.
Parabéns, Gilvan! Adorei e vou repassar! ❤🚩👊
ResponderExcluirSinceramente. Eu preferiria até uma bandeira vermelha com o logotipo da foice e do martelo se o Brasil fosse um pais que NÃO tivesse bilionários nem jogadores de futebol comprando três aviões de 50 milhões de dólares cada um. Nem nazilatifundiários donos de terrenos nos quais cabem países civilizados que fizeram reforma agrária. MAS que também não tivesse favelas e bairros de pobres sem saneamento básico, nem moradores de rua nem cracolândias. Não tivesse 13 milhões de analfabetos (a pequena Cuba não tem). Nem 40 milhões de desdentados totais (edêntulos como dizem os dentistas). Enfim! Além disso acho a bandeira brasileira meio brega, comparem-na com a sóbria bandeira do Japão. . Além de insincera, o lema positivista era "O amor por princípio, a ordem por regra e o progresso por fim. Logo o Brasil negar o amor?! Isso é coisa da burguesia que não sabe o que é amor e sim dinheiro. O burguês é um ser vazio de conteúdo humano que confunde o ser com TER. Para o burguês o importante é a grife.
ResponderExcluirExcelente artigo de Flávia Oliveira,Gilvan,abençoado Gilvan,apenas postou.Obrigado pelo blog.
ResponderExcluirExcelente!!!
ResponderExcluirPor falar em red, é a cor do partido Republicano de USA ultradireitista
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