quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Joel Birman* - Onde está o Estado?

O Globo

Autoridades do atual governo não tomaram providências contra os atos antidemocráticos, com a conivência de Bolsonaro, que, pelo silêncio, os estimulou

Desde que Lula venceu, o país acompanhou as manifestações contestando as eleições, seja alegando fraude, seja incitando o golpe militar, pois o vencedor seria criminoso. O Poder Judiciário se tornou alvo das massas, pois ocupou no governo Bolsonaro a posição de contraponto a seus imperativos ditatoriais. Enfim, a democracia foi atacada pelos insurgentes financiados por empresários pró-Bolsonaro, provocando perplexidade nos demais.

Durante esse tempo, uma pergunta se impunha: onde está o Estado brasileiro? Isso porque defender a intervenção militar e impedir o direito de ir e vir dos cidadãos não são questões de opinião, mas palavras de ordem antidemocráticas. Contudo a liberdade de opinião se sustentou no argumento de que, se não existia destruição de bens públicos nas manifestações, não existia violência contra a democracia.

Esta foi a opinião de André Mendonça, ministro do Supremo e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que o indicou para a Suprema Corte por ser “terrivelmente evangélico”. Quando ministro da Justiça começou a listar como subversivos os críticos do governo Bolsonaro para persegui-los, assim como a reavivar a Lei de Segurança Nacional da ditadura militar. Porém nada podemos esperar de um ministro-jurista que bateu continência para Bolsonaro quando foi empossado, assumindo a posição de servidão voluntária da caserna do presidente.

As autoridades do atual governo não tomaram providências contra os atos antidemocráticos, com a conivência de Bolsonaro, que, pelo silêncio, os estimulou, esperando que a população por ele armada pudesse realizar a guerra civil e incitar os militares na aventura golpista. A Polícia Federal e o Ministério Público não agiram segundo as regras constitucionais, pois têm o rabo preso com o governo Bolsonaro, que já interveio na autonomia dessas instituições de Estado. O mesmo ocorreu com a Polícia Militar. Somente Alexandre de Moraes ameaçou os insurgentes, avisando que nada ficaria impune.

Os acontecimentos graves ocorridos em Brasília no dia 12 de dezembro, não por acaso dia da diplomação de Lula, mostraram como os alicerces do Estado foram subvertidos. Carros e ônibus foram queimados, a sede da Polícia Federal foi assediada pelos revoltosos, enquanto a Polícia Militar assistia ao circo de horrores como um espetáculo pirotécnico, e ninguém foi punido por tais atos. Tudo culminou com a tentativa de realização de um ato terrorista, felizmente impedido, na posse de Lula, nova versão do Riocentro. Porém, entre a palavra e o ato do ministro do Supremo, existe o abismo: a agonia do governo Bolsonaro, na expectativa milagrosa de que as Forças Armadas possam realizar o golpe. Por isso Bolsonaro veste a camiseta de Zelensky nas suas lives, como se estivesse num bunker esperando dar o golpe de misericórdia na democracia. É isso que espera o presidente no seu fim indigno, apesar de, como mostram seus últimos choros, a ficha da derrota ter caído, na versão tropical da ópera bufa do Capitólio americano.

*Joel Birman é psicanalista e professor da UFRJ

 

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