terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Joel Pinheiro da Fonseca - Twitter e a liberdade de expressão

Folha de S. Paulo

A comunicação de massas foi pulverizada. Não há mais a coesão institucional que permitia simplesmente tirar algumas pessoas e conteúdos do debate público

É cedo para declarar que o Twitter sob Elon Musk será um fracasso, como alguns predizem. Enquanto a transformação não vem, ele já está dando o que falar. Na semana passada, um jornalista independente, com a cooperação de Musk, tornou públicas as trocas de mensagens entre comitês de campanha das eleições americanas de 2020 e os funcionários e executivos do Twitter encarregados de moderar o conteúdo na plataforma. Mais especificamente, mostrou que houve uma decisão interna de interditar uma matéria do New York Post em outubro de 2020 sobre um laptop do filho de Hunter Biden -filho de Joe Biden -que teve seu conteúdo vazado.

O que mais chama atenção é a natureza errática da política de remoção de conteúdo. Contatos pessoais com funcionários do Twitter falavam mais alto do que qualquer regra aplicada isonomicamente. E, inegavelmente, o Partido Democrata tinha mais contato com os funcionários da rede do que os Republicanos, embora esses também a tenham acionado diversas vezes.

Tudo indicava que o conteúdo do laptop fosse autêntico (e, de fato, foi o que se comprovou), embora seu conteúdo, comprometedor para Hunter Biden, não tivesse rigorosamente nada que comprometesse seu pai. No entanto, na reta final de uma eleição, a aparência de corrupção envolvendo o filho poderia ser facilmente estendida ao pai.

Qual espaço uma plataforma deveria dar a essa história? Em tese, numa rede social aberta como o Twitter diz ser, não há um editor que decide a relevância de um tema para lhe dar mais ou menos destaque. É o próprio interesse do público - independente de nosso juízo sobre o mérito das questões - que determina o que aparece mais ou menos.

Uma decisão ao menos podemos concordar que foi equivocada: a de alguns jornais à época do vazamento que se recusaram a cobrir a história por se tratar de uma tentativa de desinformação russa visando desestabilizar a eleição. Não era invenção russa, era real. Sim, o objetivo era tirar votos de um candidato, como tantas outras "bombas" de véspera de eleição, que nem sempre primam pela honestidade e rigor intelectuais.

Tampouco ficou estabelecido que a moderação de conteúdo do Twitter teve qualquer impacto sobre as eleições americanas. A história do laptop circulou livremente por diversos canais, como aliás ocorre aqui no Brasil também toda vez que alguma autoridade busca tirar do ar algum conteúdo que lhe desabone.

A comunicação de massas foi pulverizada. Não há mais a coesão institucional que permitia simplesmente tirar algumas pessoas e conteúdos do debate público. A moderação das redes peca por falta de transparência e isonomia. Mas talvez o problema vá além: ela tenta atingir um objetivo -elevar a qualidade do debate público -que ela simplesmente não tem como alcançar.

Defendo que, como política geral, a moderação deixe as discussões correrem livremente, com a remoção se atendo a casos específicos: além de discursos de ódio (racismo, nazismo etc.) e criminosos (pedofilia, ameaças etc), restringir conteúdos patentemente falsos com possíveis consequências drásticas no curto prazo. Uma mentira sobre vacinas que pode custar vidas, uma mentira pré-eleitoral que pode mudar votos. A história do laptop, contudo, passava nesse teste: era literalmente verdadeira, ainda que se prestasse a interpretações falaciosas. Da forma que foi feita, a reação de grandes jornais e redes a esse caso terminou por prejudicar suas reputações.

Com Musk, a política do Twitter teria sido diferente. Caberá mais aos próprios participantes julgar o que vale e o que não vale. Vamos ver como isso se traduz nos debates que virão.

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