Folha de S. Paulo
A comunicação de massas foi pulverizada.
Não há mais a coesão institucional que permitia simplesmente tirar algumas
pessoas e conteúdos do debate público
É cedo para declarar que o Twitter sob Elon Musk será um fracasso, como alguns predizem. Enquanto a transformação não vem, ele já está dando o que falar. Na semana passada, um jornalista independente, com a cooperação de Musk, tornou públicas as trocas de mensagens entre comitês de campanha das eleições americanas de 2020 e os funcionários e executivos do Twitter encarregados de moderar o conteúdo na plataforma. Mais especificamente, mostrou que houve uma decisão interna de interditar uma matéria do New York Post em outubro de 2020 sobre um laptop do filho de Hunter Biden -filho de Joe Biden -que teve seu conteúdo vazado.
O que mais chama atenção é a natureza
errática da política de remoção de conteúdo. Contatos pessoais com funcionários
do Twitter falavam mais alto do que qualquer regra aplicada isonomicamente. E,
inegavelmente, o Partido Democrata tinha mais contato com os funcionários da
rede do que os Republicanos, embora esses também a tenham acionado diversas
vezes.
Tudo indicava que o conteúdo do laptop fosse autêntico (e, de fato, foi o que
se comprovou), embora seu conteúdo, comprometedor para Hunter
Biden, não tivesse rigorosamente nada que comprometesse seu pai. No
entanto, na reta final de uma eleição, a aparência de corrupção envolvendo o
filho poderia ser facilmente estendida ao pai.
Qual espaço uma plataforma deveria dar a essa história? Em tese, numa rede
social aberta como o Twitter diz ser, não há um editor que decide a relevância
de um tema para lhe dar mais ou menos destaque. É o próprio interesse do
público - independente de nosso juízo sobre o mérito das questões - que
determina o que aparece mais ou menos.
Uma decisão ao menos podemos concordar que foi equivocada: a de alguns jornais
à época do vazamento que se recusaram a cobrir a história por se tratar de uma
tentativa de desinformação russa visando desestabilizar a eleição. Não era
invenção russa, era real. Sim, o objetivo era tirar votos de um candidato, como
tantas outras "bombas" de véspera de eleição, que nem sempre primam
pela honestidade e rigor intelectuais.
Tampouco ficou estabelecido que a moderação
de conteúdo do Twitter teve qualquer impacto sobre as eleições americanas.
A história do laptop circulou livremente por diversos canais, como aliás ocorre
aqui no Brasil também toda vez que alguma autoridade busca tirar do ar algum
conteúdo que lhe desabone.
A comunicação de massas foi pulverizada. Não há mais a coesão institucional que
permitia simplesmente tirar algumas pessoas e conteúdos do debate público. A
moderação das redes peca por falta de transparência e isonomia. Mas talvez o
problema vá além: ela tenta atingir um objetivo -elevar a qualidade do debate
público -que ela simplesmente não tem como alcançar.
Defendo que, como política geral, a moderação deixe as discussões correrem
livremente, com a remoção se atendo a casos específicos: além de discursos de
ódio (racismo, nazismo etc.) e criminosos (pedofilia, ameaças etc), restringir
conteúdos patentemente falsos com possíveis consequências drásticas no curto
prazo. Uma mentira sobre vacinas que pode custar vidas, uma mentira
pré-eleitoral que pode mudar votos. A história do laptop, contudo, passava
nesse teste: era literalmente verdadeira, ainda que se prestasse a
interpretações falaciosas. Da forma que foi feita, a reação de grandes jornais
e redes a esse caso terminou por prejudicar suas reputações.
Com Musk, a política do Twitter teria sido diferente. Caberá mais aos próprios
participantes julgar o que vale e o que não vale. Vamos ver como isso se traduz
nos debates que virão.
Sim...
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