Feminicídios em alta trazem desafio ao novo governo
O Globo
Estatísticas mostram crescimento de 11%
desde 2019, período em que os homicídios caíram no Brasil
Na tarde de 11 de dezembro, Rosineia
Catarina Lach, de 30 anos, foi assassinada pelo marido, Antônio Batista
Fagundes de Oliveira, de 34, na casa de parentes em Joinville, Santa Catarina.
Foi esfaqueada com um dos filhos no colo. A criança se feriu, mas sobreviveu.
Há pelo menos uma década, ela denunciava ameaças, a última feita na manhã do
dia fatídico. Em vão. O assassino acabou morto pela polícia ao reagir à prisão.
Histórias trágicas como a de Rosineia acontecem com regularidade desconcertante no Brasil. A cada dia são registrados quatro feminicídios, majoritariamente de mulheres negras (62%). Mudam nomes de vítimas e agressores, armas usadas ou cenários dos crimes, mas o roteiro que mescla covardia, brutalidade e negligência das autoridades é quase sempre o mesmo. O país somou, apenas no primeiro semestre deste ano, 699 feminicídios, um recorde segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Não é só o número absoluto que preocupa,
mas sobretudo a escalada. As estatísticas mostram um crescimento de 10,8% desde
2019. Em relação ao primeiro semestre do ano passado, quando 677 mulheres foram
assassinadas, o aumento foi de 3,2%. Pode não parecer muito, mas é preciso
observar que os homicídios estão em queda no país (5% na comparação com o
primeiro semestre de 2021). Os feminicídios estão na contramão dos indicadores
de violência. Além disso, os totais mascaram disparidades. Na Região Norte, o
aumento foi de 75% em quatro anos. No Centro-Oeste, de quase 30%.
É verdade que parte desse aumento,
sobretudo em regiões menos desenvolvidas, pode ser atribuída ao incentivo para
que crimes antes registrados como homicídios comuns sejam classificados como
feminicídios, tipo penal relativamente recente na legislação brasileira (foi
criado em 2015). Mas seria absurdo pôr a culpa na legislação pelo aumento da
violência contra mulheres. Ao contrário, as mudanças legais representam um
avanço essencial no combate a crimes antes ignorados por passar despercebidos,
como afirmou em artigo no GLOBO a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber.
Ela cita como exemplo a Lei Maria da Penha,
que busca coibir esses crimes “fortalecendo os mecanismos de proteção às
mulheres em situação de violência e dando concretude a medidas para afastar o
agressor”. Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o Brasil registrou mais de 572
mil medidas protetivas de urgência com base nessa lei.
Também são louváveis as campanhas e
programas para denunciar e prevenir casos de violência doméstica, como as
patrulhas Maria da Penha, que fazem rondas para verificar a situação de mulheres
ameaçadas por companheiros ou ex. Mas todo esse arcabouço não tem sido
suficiente para deter as atrocidades. O atual governo reduziu verbas para o
combate à violência contra as mulheres, e o Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos preferiu se ocupar com a pauta ideológica do bolsonarismo.
O novo governo prometeu recriar o
Ministério da Mulher. A primeira tarefa será debruçar-se sobre esses números
alarmantes para tentar reduzi-los. Espera-se que, diferentemente do que
aconteceu até agora, a pasta receba recursos para desenvolver políticas
públicas e deixe de lado a guerra ideológica. Ou teremos ainda mais vítimas.
Êxito na geração por fusão nuclear é
avanço, mas desperta ceticismo
O Globo
Permanecem enormes — e intocados — os
obstáculos à transformação em realidade do sonho da energia limpa
A confirmação de que, pela primeira vez,
uma reação de fusão nuclear gerou mais energia do que consumiu despertou a
esperança de que a humanidade esteja mais perto do sonho de uma fonte de
energia limpa e inesgotável. É sem dúvida preciso aplaudir e celebrar a
conquista científica, mas os obstáculos à transformação desse sonho em
realidade permanecem enormes, e o êxito do experimento realizado no Laboratório
Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, nada fez para reduzi-los.
Bombardeando com raios laser hiperpoderosos
uma cápsula de diamante preenchida com hidrogênio, os cientistas conseguiram
levar átomos a se fundir, gerando gás hélio e produzindo energia. A reação de
fusão é limpa por não gerar outro resíduo além de um gás inerte, ao contrário
das reações de fissão que ocorrem nos reatores nucleares convencionais (onde a
quebra do núcleo de átomos de urânio ou plutônio produz energia, mas deixa como
resíduo o lixo atômico radioativo que polui o ambiente). Cientistas estimam que
um reator de fusão alimentado por uma pequena xícara de combustível seja capaz
de abastecer uma casa por mais de 800 anos.
Pelas informações divulgadas na semana
passada, a reação em si gerou 50% mais energia do que consumiu. Mas todo o
equipamento científico armado para colocá-la em marcha consumiu cem vezes a
energia gerada. O primeiro desafio para construir reatores de fusão viáveis
está, portanto, na engenharia. É preciso que todo o aparato apresente saldo
positivo na geração. Além disso, ele precisa ter um custo financeiramente
competitivo na comparação com outras fontes de energia. Nada disso sequer faz
parte do escopo do experimento americano.
O significado do resultado, portanto, é
outro. A expectativa é que a conquista científica abra caminho a uma onda de
investimentos no desenvolvimento de uma tecnologia que, uma vez comercialmente
viável, poderá revolucionar a geração de energia, num mundo em que os
combustíveis fósseis estão irremediavelmente condenados em virtude de seu
efeito no clima do planeta. Nos últimos anos, além de laboratórios vinculados a
governos, empresas privadas passaram a se interessar pela área, e o total
investido chegou a US$ 5 bilhões em 2021.
Não está claro que a ignição por laser
usada pelos americanos seja a melhor forma de despertar a reação de fusão. Os
experimentos mais comuns são baseados em enormes reatores em formato de pneu
chamados tokamaks, que permitiriam maior escala na geração. Em 2021, a China
manteve a fusão por tempo recorde num tokamak. No começo do ano, um consórcio
europeu produziu quantidade inédita de energia. Em nenhum dos experimentos,
porém, houve saldo positivo.
É preciso, portanto, evitar exageros sobre o sonho nuclear verde. Os desafios ainda são gigantescos. Mas vale a pena continuar a perseguir a possibilidade de encontrar uma fonte de energia limpa, segura e aparentemente inesgotável.
Retrocesso à vista
Folha de S. Paulo
Proposta que altera marco do saneamento
pode abalar o setor de infraestrutura
Não é apenas na compatibilização de boa
gestão orçamentária com responsabilidade social que o governo eleito emite
sinais confusos. Também na área de infraestrutura a equipe de transição de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) dá mostras de subordinação do interesse da população
a cacoetes ideológicos.
Preocupa o diagnóstico a
respeito do saneamento, que pede a revogação de parte do marco
regulatório aprovado em 2020.
Os objetivos são retornar os contratos sem
licitação das prefeituras com estatais e dificultar privatizações. Mais ainda,
a responsabilidade pela definição dos parâmetros técnicos do setor, hoje a
critério da Agência Nacional de Águas (ANA), seria repassada para o Executivo.
Fica evidente a falta de compreensão a
respeito do papel de agencias reguladoras ao propiciar previsibilidade para
investimentos de longo prazo —o que demanda estabilidade de regras e não
oscilações de acordo com interesses políticos de cada governo.
Não é razoável, ademais, a manifestação de
Rui Costa (PT), ex-governador da Bahia nomeado para ocupar a chefia da Casa
Civil de Lula, que afirmou não ter havido nos últimos dois anos a
"explosão" de investimentos "como se esperava".
Ora, o país viveu com regras retrógradas
por décadas. Dezenas de reguladores locais, confusão de critérios técnicos e
opacidade nos contratos das prefeituras.
Cerca de 80% dos parcos investimentos
—entre R$ 10 e 15 bilhões anuais de 2016 a 2020, apenas 20% do necessário para
universalizar os serviços até 2033— foram estatais. Enquanto isso, 100 milhões
de brasileiros ainda não têm acesso à rede de esgoto, um direito básico.
O novo marco é de 2020, e os decretos que
balizam a abertura do setor aos investimentos privados só foram finalizados no
ano passado. Os leilões realizados desde 2020 contrataram investimentos de R$
46 bilhões e renderam outorgas de R$ 29,5 bilhões, abrangendo 219 municípios.
O dinamismo que agora começa a ser
observado no saneamento já ocorre em outras áreas. Rodovias, aeroportos, portos
e ferrovias tiveram regras aperfeiçoadas e concessões mais bem desenhadas nos
últimos anos.
Segundo o governo federal, entre 2019 e 2022,
com leilões no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos, foram obtidos
R$ 176 bilhões em outorgas e R$ 900 bilhões em investimentos. O BNDES tornou-se
um grande estruturador de projetos, não apenas provedor de recursos
subsidiados.
O novo governo deve dar continuidade às
parcerias público-privadas e ao aperfeiçoamento institucional. Mudar o marco do
saneamento por ideologia e corporativismo será um grave retrocesso.
Contra a dengue
Folha de S. Paulo
Desafio tecnológico para laboratórios,
vacina é desenvolvida com sucesso no país
O Instituto Butantan conquistou
reconhecimento nacional, em 2021, ao oferecer para o país todo a Coronavac,
menos de um ano após os primeiros casos de Covid. O centro de referência
nacional em biotecnologia prepara, agora, uma vacina contra a dengue, informa o
jornal O Estado de S. Paulo.
Embora menos ameaçadores do que cepas do
Sars-CoV-2, os quatro sorotipos do vírus DENV dão muito trabalho ao sistema de
saúde pública. De janeiro até o começo deste mês, registraram-se 1,4 milhão de
casos prováveis no país.
Configura-se alta de 172% sobre 2021 e
retorno à situação preocupante de 2019. A doença, reintroduzida no Brasil nos
anos 1980, provocou 978 mortes em 2022.
O combate ao Aedes aegypti ainda deixa
muito a desejar. Além da dengue, o inseto transmite zika, chikungunya e febre
amarela. Diz muito sobre a precariedade da saúde pública que a urbe mais
afetada seja justamente o Distrito Federal, com 67.274 casos (2.174/100 mil).
Diante do fracasso em controlar o mosquito,
as expectativas recaem sobre uma vacina, cujo desenvolvimento frustrou
laboratórios por décadas. Um imunizante da farmacêutica francesa Sanofi teve
60% de eficácia, mas a aplicação foi restringida após reações adversas graves
em alguns inoculados.
Outro produto, da japonesa Takeda, provou-se
80% efetivo e se encontra em análise pela Anvisa. Já o Butantan anuncia agora
resultado similar (79,6%) para imunizante desenvolvido a partir de antígenos
dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH).
O teste no Brasil ocorre em parceria com a
empresa de origem americana MSD. Mais de 16 mil voluntários de 2 a 59 anos
participaram do teste clínico de fase 3, realizado em 14 estados do país. Os
resultados ainda são preliminares e só devem ser submetidos para publicação em
periódicos médicos auditados no ano que vem.
O Butantan teria capacidade para produzir
50 milhões de doses anuais do imunizante, assim que a Anvisa aprovar o
medicamento. Será mais uma vacina produzida no instituto, que já fornece outras
oito para o Ministério da Saúde.
Muito da atual capacidade biotecnológica do Butantan resulta do pioneirismo e da liderança do pesquisador Isaias Raw, que retornou do exílio no final dos anos 1980, após cassação pelo AI-5. Raw morreu na terça-feira (13), e a vacina antidengue é mais um item de inegável valor sanitário em seu legado.
São Paulo está largada
O Estado de S. Paulo.
Asfalto esburacado, congestionamentos sem fim,
semáforos quebrados, selvageria no trânsito, camelôs em todo canto, moradores
de rua parte da paisagem. Onde está a Prefeitura?
Asfalto esburacado, congestionamentos,
moradores de rua. Onde está o prefeito?
O paulistano que põe os pés fora de casa e
caminha por poucos metros em qualquer bairro de São Paulo nota que a cidade
parece largada à própria sorte. A sensação é de abandono; o cenário, de
desleixo.
Na quarta maior cidade do mundo, seja nos
bairros mais próximos, seja nos mais afastados do centro, o que se vê
diariamente é o triunfo do caos e da lei do mais forte sobre a ordem pública e
a urbanidade.
As calçadas de São Paulo estão
intransitáveis, sobretudo para os cidadãos com necessidades especiais. Ruas e
avenidas esburacadas e mal iluminadas impõem duplo risco à vida dos
paulistanos, que tanto podem ser vítimas de acidentes de trânsito como de
violência urbana. Muitos segmentos de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas
estão malcuidados ou mal sinalizados, sem falar que o espaço exclusivo dos ciclistas
tem sido olimpicamente desrespeitado por motoristas e motociclistas, sem
qualquer fiscalização. Vê-se lixo acumulado e mato crescendo em todo canto.
A Prefeitura também tem se mostrado incapaz
de lidar com o drama humano dos cidadãos que vivem nas ruas por falta de
trabalho e moradia, vítimas da crise social e econômica instalada no País. Em
diversos pontos da metrópole, abrigos precários são improvisados por famílias
inteiras, e logo proliferam. A ocupação desordenada do espaço público é uma
realidade. Em circunstâncias distintas, o mesmo ocorre com os camelôs. As
calçadas estão tomadas por vendedores ambulantes que se arvoram em donos de um
espaço que é dos pedestres.
Como se não bastasse, o trânsito está
caótico, mas nem sempre pelo volume de automóveis em circulação, traço
distintivo de São Paulo, e sim pela falta de agentes da Companhia de Engenharia
de Tráfego (CET) para organizar essa bagunça. Tudo piora em dias de chuva. E
nem é preciso uma tempestade digna do Antigo Testamento para apagar os faróis e
dar um nó nos cruzamentos da cidade. Uma garoa basta.
Diante de tudo isso, uma pergunta se impõe:
afinal, o que tem feito o prefeito Ricardo Nunes? O Portal 156 registra que os
problemas relativos aos serviços de zeladoria lideram a lista de reclamações
dos paulistanos. Ora, se a principal atribuição de um prefeito é zelar pela
qualidade de vida de seus governados, Nunes tem falhado miseravelmente.
Dinheiro não falta em São Paulo. Portanto,
não é por falta de recursos que a cidade não recebe investimentos em zeladoria
e fiscalização. Se os recebe, decerto têm sido mal direcionados, pois os
resultados não aparecem.
Talvez esteja faltando tempo para o
prefeito andar pela cidade e ver com os próprios olhos os problemas que
atormentam paulistanos de todas as regiões e estratos sociais. Nas últimas
semanas, Ricardo Nunes esteve bastante ocupado em articulações com o futuro
governador do Estado, Tarcísio de Freitas, para viabilizar o “passe livre” no
transporte público municipal, que de “livre” só tem a demagogia. Com a medida,
Nunes espera imprimir uma marca pessoal à sua administração, herdada de Bruno
Covas (PSDB). Nesse afã, a marca que está imprimindo é outra: a de péssimo
zelador.
Em vez de cuidar melhor da cidade, Nunes
também dedicou tempo de sua agenda assoberbada para negociar com a Câmara
Municipal a aprovação da lei que aumentou o nível de ruído permitido na cidade,
medida que, a pretexto de atrair mais negócios para São Paulo, aumentará a
poluição sonora que inferniza a vida de milhões de paulistanos que só querem
dormir em paz. Restou evidente que o prefeito não se sensibilizou com o aumento
de 48,5% no número de reclamações por barulho na cidade que ele governa, de
acordo com o Programa Silêncio Urbano (Psiu), da própria gestão municipal.
Aos paulistanos, resta pouco ou nada a
fazer a não ser lamentar ou se indignar pelo descaso da Prefeitura com suas
angústias. Em tese, a cidade de São Paulo conta com um Sistema de Gerenciamento
de Fiscalização (SGF), criado com o intuito de “otimizar os processos de
fiscalização da capital” em todas as subprefeituras. É evidente, no entanto,
que o tal sistema não passa de um nome pomposo para ineficácia.
O País reprovado em matemática
O Estado de S. Paulo.
Só 5% dos concluintes do ensino médio em
escolas públicas atingiram níveis adequados de aprendizagem em 2021; num
cenário assim, não se pode falar em desenvolvimento
Já passou da hora de repensar o ensino de
matemática nas escolas brasileiras. O cenário, infelizmente, é de terra
arrasada. E ninguém se iluda: enquanto gerações de estudantes completarem a
escola sem saber calcular sequer uma porcentagem, o Brasil não trilhará o
caminho do desenvolvimento. Tal diagnóstico foi reforçado, nos últimos dias,
por um levantamento que mostra que apenas 5% dos concluintes do ensino médio
nas escolas públicas do País atingiram níveis adequados de aprendizagem de
matemática em 2021.
O estudo foi feito pelo instituto
Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com base nos
resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) − exame sob
responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). O Saeb é o principal teste
nacional para medir a qualidade do ensino. Em 2021, ressalte-se, captou o
retrocesso provocado pelo fechamento de escolas e pelas deficiências do ensino
remoto e híbrido durante a pandemia de covid-19.
Os baixíssimos índices de aprendizagem de
matemática, contudo, não são consequência somente da pandemia. Prova disso é
que o Iede analisou edições anteriores do Saeb e chegou a resultados similares:
em 2019, apenas 7% dos concluintes na rede pública tiveram desempenho adequado;
em 2017, foram 5%. Ou seja, o problema não tem nada de conjuntural. É, na
verdade, uma falha estrutural do sistema de ensino brasileiro.
Por óbvio, há algo patentemente errado
quando a quase totalidade dos alunos fica para trás. Eis uma regra de ouro na
educação: se apenas 5% dos estudantes têm êxito, tudo leva a crer que o
problema seja mais das escolas, que não conseguem ensinar, do que dos alunos
que terminam o ano letivo sem aprender. Considerando que 8 em cada 10
estudantes de ensino médio no Brasil frequentam as redes estaduais, temse a
dimensão do problema.
Cabe perguntar: por que tantos jovens
concluem o ensino médio sem aprendizagem adequada em matemática? Não se ignora
aqui o histórico déficit educacional brasileiro, um problema que tem raízes
profundas, muitas delas com origem fora da escola. A baixa escolaridade de pais
e responsáveis, por exemplo, dificulta a aprendizagem dos filhos, assim como a
fome (grande parte dos alunos tem na merenda a principal refeição do dia), a
baixa carga horária de estudo (a maioria das escolas no País não funciona em
tempo integral) e a falta de segurança.
Mas a indigência da aprendizagem de
matemática extrapola até mesmo o histórico déficit de aprendizagem nacional.
Prova disso é que 31% dos concluintes do ensino médio na rede pública atingiram
níveis adequados em língua portuguesa, em 2021, conforme o levantamento do
Iede. É um resultado muito ruim, mas ainda assim bem melhor que o de matemática
− o que só evidencia o grau de calamidade no ensino dessa disciplina.
Outro ponto que merece atenção é a
diminuição dos índices de aprendizagem ao longo da trajetória escolar. O estudo
do Iede mostra que, no 5.º ano do ensino fundamental, 37% dos alunos
demonstraram desempenho adequado em matemática, em 2021. Entre alunos do 9.º
ano do ensino fundamental, porém, esse porcentual já era bem menor − de apenas
15%. Quanto mais os alunos avançam no ensino fundamental e médio, mais cai a
proporção de estudantes nas faixas satisfatórias de aprendizagem. Eis uma
questão a ser mais bem compreendida pelos educadores.
Repensar o ensino da matemática nas escolas
brasileiras exige rever a formação de professores, os métodos de ensino e os
materiais didáticos. Claramente há algo que não está funcionando e precisa
mudar nas salas de aula. Mas isso não significa que seja preciso reinventar a
roda. As redes públicas brasileiras têm experiências exitosas que devem ser
incentivadas e replicadas. As escolas federais, por exemplo, costumam ser
referência de qualidade, assim como escolas técnicas e em tempo integral têm boas
práticas a compartilhar. O País também conta com matemáticos altamente
qualificados nas universidades, além de entidades bastante atuantes no terceiro
setor. É hora de somar esforços e mudar a cara do ensino de matemática no
Brasil.
Contra os vivos e os mortos
O Estado de S. Paulo.
Não surpreende que a Comissão sobre Mortos
e Desaparecidos seja extinta ao final do governo Bolsonaro
A insistência e o momento escolhido para
acabar com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)
confirmam que o governo do presidente Jair Bolsonaro é rancoroso, ideológico e
negacionista da própria história. Como antecipou o Estadão, o fim da comissão
foi aprovado na última quinta-feira, em decisão tomada por seus integrantes,
por 4 votos a 3.
Com maioria no órgão, o governo pretendia
extingui-lo em junho, mas recuou diante de contestação do Ministério Público Federal
(MPF). Nos últimos dias, mais uma vez, a Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (PFDC) reiterou recomendação contrária ao encerramento, mas de nada
adiantou. A duas semanas do término do mandato de Bolsonaro, a decisão foi
sacramentada. Um erro.
A comissão, prevista na Constituição, foi
criada pela Lei 9.140/1995, logo no primeiro ano de governo do então presidente
Fernando Henrique Cardoso. O objetivo era dar reconhecimento oficial a pessoas
que morreram ou desapareceram por causa de sua atuação política durante a
ditadura militar. Entre as tarefas da comissão estavam a emissão de atestados
de óbito para parentes das vítimas, a localização de corpos e a reparação por
meio de indenizações.
Os trabalhos do órgão contribuíram para o
esclarecimento de dezenas de crimes, entre os quais o do então deputado federal
Rubens Paiva, torturado e morto em 1971, sem que seu corpo tenha sido
localizado. Ossadas de outros cinco desaparecidos políticos foram identificadas
em uma vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo.
Por óbvio, a comissão não haveria de
existir para sempre, e a própria lei que a criou previu o seu fim, mas só
depois de concluídas as suas atribuições. Como bem lembrou a Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão, isso ainda não ocorreu, uma vez que existem
casos pendentes. Ou seja, há trabalho por fazer. O mesmo foi dito, em junho,
pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo na Folha, juntamente
com os ex-ministros da Justiça Nelson Jobim e José Gregori, além do
ex-secretário de Estado de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro. Segundo
eles, a comissão ainda estava “longe de concluir sua missão legal”.
Ora, a Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos é parte do esforço de responsabilização do Estado
brasileiro pelas inúmeras violações de direitos praticadas na ditadura – algo
necessário e minimamente reparador, considerando os efeitos da Lei de Anistia,
de 1979, fundamental para a transição pacífica da ditadura para a democracia.
É isso que Bolsonaro não aceita e daí seu empenho em pôr fim à comissão, nem que fosse nos estertores de seu mandato. Vale lembrar que uma alteração no regimento interno do órgão, em 2020, já havia restringido a sua atuação, até mesmo no que diz respeito à emissão de atestados de óbito. Nesse sentido, pode-se afirmar, sem medo de errar, que Bolsonaro não surpreendeu ninguém. O presidente fez exatamente o que dele se esperava, sendo ele alguém que já foi capaz de louvar, pública e reiteradamente, um torturador.l
Alteração na Lei das Estatais é retrocesso
inaceitável
Valor Econômico
Sem acordo para votação no Senado, o texto
ainda pode ter que passar por comissões temáticas. Ganhou-se tempo para evitar
o pior
Poucas semanas se passaram entre o dia em
que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), abriu o guichê para
negociar com partidos aliados a formação do novo governo e a última
terça-feira, quando a Câmara dos Deputados avançou por onde não deveria. Por
ampla maioria, e em votação a toque de caixa, a Casa aprovou por 314 a 66 a
proposta que altera trecho da Lei das Estatais e diminui de 36 meses para 30
dias a quarentena de pessoas indicadas à presidência ou à direção de empresas
públicas que tenham ocupado estrutura decisória de partido ou participado de
campanhas eleitorais.
Tudo foi feito na surdina. O primeiro sinal
de que algo poderia ocorrer foi uma nota da consultoria Eurasia, segundo a qual
Lula possivelmente alteraria a Lei das Estatais já nos primeiros dias de
governo por meio de uma medida provisória.
No gabinete de transição, nada se comentava.
Foi quando foi notada a inclusão, na pauta da Câmara dos Deputados, de um
projeto que tratava apenas de mudanças nas regras de publicidade institucional
de estatais.
Negou-se, naquele momento, que a proposta
exacerbaria o tema. Mas as suspeitas cresciam, ao mesmo tempo em que o mercado
reagia negativamente à ideia. Afinal, a Lei das Estatais foi sancionada em
meados de 2016 como uma resposta a denúncias de corrupção na Petrobras
descobertas pela Operação Lava-Jato.
Protocolado naquela tarde, o parecer da
deputada Margarete Coelho (PP-PI) limitava-se a aprovar integralmente as
alterações que tratavam de publicidade. À noite, contudo, na hora da votação, a
parlamentar acolheu emenda do líder do PSB, deputado Felipe Carreras (PE), para
reduzir a quarentena. Apenas PSDB, Cidadania e Novo votaram contra.
Do texto, já constava a mudança que abre
espaço para políticos ocuparem cargos de direção em estatais e em agências
reguladoras. O estrago já estava feito.
No entanto, a despeito da surpresa negativa
imposta ao distinto público, não parecia haver grande comoção entre integrantes
da futura base aliada e partidos que, em tese, prometiam fazer oposição à
administração de Luiz Inácio Lula da Silva. O governo Bolsonaro (PL) não se
manifestou oficialmente em nenhuma etapa da votação, mas seu líder, o deputado
Ricardo Barros (PP-PR), votou a favor tanto no projeto como na emenda. O
assunto já havia sido debatido no colégio de líderes.
Agora, a mudança tem potencial para
beneficiar não só lideranças do PT, mas, também, outros políticos de partidos
do Centrão. Se o projeto passar pelo Senado, todos podem passar a ocupar cargos
em estatais e agências reguladoras.
O butim é considerável. Conforme mostrou
o Valor, uma
flexibilização da Lei das Estatais abriria a possibilidade de negociação de
quase 600 cargos nas diretorias e nos conselhos de administração em mais de 40
estatais federais. O mapa da mina está descrito em detalhes no último relatório
anual da Secretaria Especial de Desestatização, do Ministério da Economia,
incluindo postos e salários. A lista contempla cadeiras em estatais do setor de
infraestrutura e bancos públicos, entre outros.
A Lei das Estatais não foi feita à toa: as
regras foram instituídas à luz da experiência que o Brasil teve quando PT e
aliados do Centrão estiveram no poder. Elas estabelecem critérios de governança
para estatais, como a obrigatoriedade de que passem a ter um estatuto, um
conselho de administração independente e a seguir políticas de mercado. É o que
parece preocupar aqueles que sempre tentam transformar empresas estatais em
instrumentos voltados a atender apenas interesses de determinado governo ou
alguns partidos políticos, e não dos interesses nacionais.
Aprovado na Câmara, cabe agora ao Senado
frear os ímpetos dos que insistem em se apoderar da máquina pública.
Felizmente, na semana passada o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
disse que faltava consenso para a votação da matéria e afirmou que é possível
que a discussão seja retomada somente em 2023. Como não há acordo para que ela
seja levada diretamente ao plenário do Senado, o texto ainda pode ter que
passar por comissões temáticas, como a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Obteve-se tempo para evitar o pior.
Vacina para dengue,que bom!
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