terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo governo deveria ter rosto menos ideológico

O Globo

Primeiros escolhidos de Lula para o ministério têm currículo e capacidade. Precisarão saber evitar a prepotência

Depois de diplomado ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, precisa acelerar as indicações para o primeiro escalão do próximo governo, iniciada na sexta-feira passada com o anúncio dos cinco primeiros nomes do ministério.

Os dois ministérios mais importantes da Esplanada ficaram com o PT. Fernando Haddad, candidato derrotado ao governo de São Paulo, será o novo chefe da Fazenda, desmembrada do atual Ministério da Economia. Rui Costa, ex-governador da Bahia, estará à frente da Casa Civil. A delicada pasta da Defesa será comandada por José Múcio Monteiro, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU). Flávio Dino, ex-governador do Maranhão atualmente no PSB, será ministro da Justiça. E Mauro Vieira, chanceler no governo Dilma, voltará ao Itamaraty.

A maioria dos escolhidos tem currículo e capacidade para desempenhar seus papéis, desde que ideologia ou arrogância não atrapalhem. Haddad chega ao posto mais importante de sua carreira como o futuro herdeiro político de Lula. Para usar a Fazenda como trampolim, terá de fazer a economia voltar crescer de forma sustentada. Não será fácil com o mundo à beira de uma recessão em 2023, a guerra na Europa e a China vacilante.

Ele disse que suas prioridades são reforma tributária e um novo arcabouço fiscal, duas iniciativas imprescindíveis. Sem um sistema de tributos racional para libertar os empreendedores da burocracia e dos litígios, o país não avançará. Regras claras e factíveis para deter a explosão da dívida pública são fundamentais, ainda mais depois da perdulária PEC da Transição.

Diante dos sinais temerários emitidos pelo novo governo na tentativa de garantir dinheiro para gastar a qualquer custo, o desafio de Haddad será maior. Persiste na cúpula do PT uma visão equivocada sobre a necessidade de investimentos públicos, o papel dos bancos estatais e o protecionismo. A partir da indicação de seu secretariado, esperada para esta semana, o brasileiro saberá quanto do discurso de Haddad tem chance de se transformar em realidade e quanto não passa de espuma.

Nas Relações Exteriores, em contrapartida, não parece haver dúvida de que Lula pretende restaurar a bizarra política Sul-Sul posta em marcha nos governos petistas. Vieira é ligado ao ex-chanceler Celso Amorim, preso ao passado que vê os Estados Unidos como bicho-papão e enxerga no mundo desenvolvido o fantasma do imperialismo espoliando o Brasil. Nada mais fora de tom, num momento em que o país tem de achar um ponto de equilíbrio sensato na disputa entre Estados Unidos e China e depende do mercado dos países ricos para fazer a economia decolar.

Escolhas mais sensatas foram Dino, Costa e Múcio. O primeiro tem competência comprovada para desfazer as políticas irresponsáveis do governo Bolsonaro para armas e forças policiais. O segundo é um gestor pragmático que tem o perfil talhado para tocar a máquina pública. O terceiro, pela experiência, trânsito e tradição de diálogo, foi um achado feliz para a missão delicada de desvincular as Forças Armadas do bolsonarismo e da política.

Nas nomeações que faltam, Lula deveria escolher ministros capazes de fazer uma leitura realista do mundo, livre de juízos ideológicos, dispostos a representar o amplo leque de apoio que permitiu sua volta a Brasília. Esse precisa ser o rosto do novo governo.

Revisão de cadastro é essencial, mas não resgatará combate à pobreza

O Globo

Mesmo depois de zerada, fila dos que pedem auxílio já voltou a reunir mais 128 mil brasileiros

Filas gigantescas de cidadãos varando a madrugada na calçada na esperança de conseguir lugar nos programas sociais do governo são apenas a parte visível de um drama que se mede em números. O aumento da desigualdade entre 2012 e 2021 empurrou para a pobreza 4,2 milhões de brasileiros, revela um estudo dos pesquisadores Pedro Ferreira de Souza, Rafael Osório e Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A parcela da população com renda per capita de até R$ 292 mensais aumentou de 12,8% para 15,7% no período, maior patamar da série histórica.

É verdade que há indícios de que a situação já refluiu neste ano em razão do aquecimento da economia. A taxa de desemprego recuou para 8,3% no trimestre encerrado em outubro, menor nível desde 2014. De acordo com certos economistas, estamos perto da menor taxa que permite o crescimento da economia sem gerar pressões inflacionárias, caracterizando virtualmente um cenário de pleno emprego.

Não que o quadro seja animador. Nunca se gastou tanto com programas de transferência de renda sem conseguir reduzir a pobreza. Na campanha eleitoral, tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto Jair Bolsonaro prometeram manter em R$ 600 o valor do subsídio ao pobres, embora o aumento de R$ 200 não estivesse previsto no Orçamento de 2023. Desde que iniciou a transição, Lula e equipe tentam driblar o teto de gastos para acomodar essa e outras despesas.

A fila para se inscrever nos programas sociais do governo não para de crescer e, independentemente da melhora ou piora do cenário econômico, deverá continuar espichando, devido não só à pobreza, mas também ao descontrole que impera no programa. Em meio às ambições de Bolsonaro para tentar se reeleger, o valor do benefício passou de R$ 400 para R$ 600, a fila foi zerada, e 3,5 milhões de brasileiros foram incluídos no auxílio. Passadas as eleições, a fila para inscrição no Cadastro Único (CadÚnico) que dá acesso ao programa já reúne mais 128 mil brasileiros.

A equipe do atual governo anunciou que fará uma revisão nos cadastrados, com foco principalmente nos beneficiários que moram sozinhos. Como revelou reportagem do GLOBO, famílias estão se dividindo para aumentar o valor recebido, já que o auxílio é concedido individualmente. Pôr o cadastro em ordem é medida necessária e urgente. Há ainda inúmeras denúncias de fraude de todo tipo, expondo a inépcia do governo para controlar o programa.

Por mais necessário que seja a varredura do CadÚnico, apenas isso não bastará. O combate à pobreza não pode ficar restrito a um programa de complementação de renda. Não há e nunca haverá recursos suficientes para suprir uma fila interminável. As soluções para reduzi-la não estão no programa em si, mas em medidas sensatas que promovam a expansão da economia e a geração de empregos. Mandar às favas o equilíbrio fiscal, como o novo governo tenta fazer com a PEC da Transição, certamente não é uma delas.

Troca de guarda

Folha de S. Paulo

Bem-visto na caserna, Múcio precisará do aval de Lula para despolitizar Forças

Escolha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para ocupar a espinhosa pasta da Defesa, o experiente político José Múcio Monteiro adentrou em temas delicados já no dia de sua nomeação.

Em entrevista à GloboNews na sexta (9), obscurecida pela eliminação do Brasil na Copa do Qatar, Múcio previu "dias difíceis" até a posse do novo governo.

O comentário foi feito de forma espontânea e sem maior elaboração, no contexto dos protestos de bolsonaristas em frente a quartéis contra a eleição do petista.

Múcio disse que o comando da corporação fardada não apoia esses movimentos. Arriscou-se a gerar tensão desnecessária, porém, ao abordar a politização no meio militar sob Jair Bolsonaro (PL).

"Se você me disser que temos três Forças, sou capaz de dizer que temos seis Forças. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Bolsonaro; e o Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Lula", declarou na TV.

Trata-se de uma imprecisão. Existem, sem dúvida, setores bolsonaristas nas Forças. Talvez haja algum lulista, porém o grupo relevante a se opor aos primeiros é o daqueles que, independentemente da tendência política, rejeitam a ruptura institucional proposta pelos apoiadores do presidente.

Essa é a vertente prevalente até aqui na cúpula militar, que de resto aplaudiu a escolha de Múcio. Resta agora saber se está abortada de vez a ideia de adiantar a passagem de comando dos chefes, algo que denota insubordinação.

Tudo leva a crer que sim, indicando uma acomodação que promete espraiar-se pela hierarquia.

Se o futuro ministro realmente vê divisões na caserna e dificuldades associadas a elas, seria melhor baixar a temperatura nos bastidores. Afinal, a seita presidencial vive dos espantalhos que planta pelo campo da democracia.

Isso dito, o restante da entrevista de Múcio aponta para a direção correta, a da despolitização de assuntos militares —que começa com um civil voltando ao comando do ministério após cinco anos, mas não deve parar aí.

Historicamente, o poder no Brasil alterna momentos em que fomenta um salvacionismo castrense e outros nos quais ignora os fardados. Os dois extremos devem ser evitados, sobretudo agora.

Ao romper o silêncio pós-derrota eleitoral, Bolsonaro indicou, para surpresa de ninguém, que continuará a atiçar a partidarização na caserna. Com boa gestão e diálogo, Lula tem a oportunidade de valorizar a pasta da Defesa e esvaziar a pregação golpista.

Retórica quebrada

Folha de S. Paulo

Avaliação dramática do PT sobre Estado é perigosa se basear alta geral de gastos

Diagnósticos catastrofistas podem ser úteis para o embate político, mas, quando levados a sério, nunca resultam em bons planos de governo. Na hipótese mais benigna, produzem polêmicas vazias que não passam do campo retórico.

Considere-se, a esse respeito, a declaração apresentada pela equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a respeito da situação orçamentária legada por Jair Bolsonaro (PL).

"O diagnóstico que vai ficando claro para o governo de transição é que governo Bolsonaro quebrou o Estado brasileiro. Serviços essenciais ou já estão paralisados ou correm grande risco de serem totalmente comprometidos", afirmou o ex-ministro petista Aloizio Mercadante, coordenador dos grupos técnicos da transição.

A assertiva motivou resposta oficial do Ministério da Economia no domingo (11). A pasta rebate a acusação com o argumento de que a dívida pública encerrará o ano em patamar semelhante, até um pouco menor, que o do início da gestão —na casa de 74% do Produto Interno Bruto, ante 75,3% em 2018.

Ademais, o Tesouro Nacional terá neste ano o primeiro superávit primário (receitas acima das despesas, sem considerar os encargos com juros) desde 2013.

Há aí um debate mal encaminhado, sem dúvida. A começar pela cantilena do "Estado quebrado", repetida de forma leviana em diversos momentos da história recente.

É fato que o governo Bolsonaro chega ao fim com grande desordem nas finanças públicas —gastos elevados em algumas áreas e escassez de recursos em outras. Isso resulta, principalmente, de iniciativas eleitoreiras, como o aumento do Auxílio Brasil e de outros benefícios, e políticas, como a expansão das emendas parlamentares.

Deve-se acrescentar que o superávit alardeado pela pasta da Economia é circunstancial, em razão de um recorde de arrecadação, e não poderá ser mantido em 2023.

Entretanto o ministério trata, sim, de uma questão crucial ao apontar que a dívida pública foi mantida sob controle, a duras penas, mesmo com a pandemia. É justamente a contenção do endividamento que mantém o crédito do Estado —evitando sua falência.

A verve de Mercadante serve ao propósito político de, ao descrever um cenário de terra arrasada, reduzir as cobranças sobre Lula. O mesmo se fez, duas décadas atrás, com a expressão "herança maldita", atribuída aos antecessores tucanos.

Pior será se a equipe petista acreditar mesmo que a recuperação do Estado passa por uma elevação contínua e generalizada de gastos.

A política do cada um por si

O Estado de S. Paulo

Desarticulação generalizada no Congresso dificulta o debate sobre políticas públicas e privilegia interesses paroquiais dos parlamentares, cujo grande símbolo é o orçamento secreto

Desarticulação generalizada no Congresso dificulta debate sobre políticas públicas.

As emendas de relator expõem vários aspectos disfuncionais do governo de Jair Bolsonaro e de suas relações com o Congresso. Por óbvio, elas serviram para construir uma base de apoio parlamentar e livrar o presidente de processos de impeachment. Se o teto de gastos teve efeito nulo sobre o controle das despesas obrigatórias no Orçamento, ele certamente limitou o avanço dos gastos discricionários, elevando a disputa por recursos entre o Executivo, por meio dos ministérios, e o Legislativo, com as famosas emendas.

O fato de a indicação das emendas de relator estar nas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado denota a falta de transparência do esquema. A opacidade sobre a verdadeira autoria sugere a existência de uma política de dois pesos e duas medidas, na qual o voto de alguns é mais valioso que o de outros, o que certamente geraria uma rebelião no Congresso caso os critérios de precificação viessem a público.

Há outra característica que as emendas de relator revelam sobre o governo Bolsonaro. Ainda que não sejam a causa, elas colaboraram para destruir políticas públicas que vinham sendo executadas há anos e que davam um senso de coletividade a um país hoje tão dividido. No passado, era comum que as emendas estivessem vinculadas a prioridades definidas previamente pelos ministérios setoriais. Os parlamentares mais fiéis ganhavam primazia para suas indicações e direcionavam recursos reservados para políticas públicas de alcance nacional às suas bases, enquanto os de oposição arcavam com o custo de se contrapor ao Executivo e viam seus pedidos relegados ao fim da fila.

Embora não estivesse livre de falhas e fisiologismo, esta era uma das formas de construir uma governabilidade real, algo que se tornou desafiador quando o Congresso deu caráter obrigatório às emendas individuais, em 2015. Neste ano, por exemplo, cada deputado e senador pôde indicar a destinação de R$ 17,6 milhões por meio de emendas individuais, totalizando R$ 9 bilhões. É inegável que isso alterou a dinâmica dos poderes. O incentivo para integrar a base aliada deixa de existir quando todos são tratados da mesma forma.

É daí que surgem as emendas de relator, que neste ano atingiram R$ 16,5 bilhões. O mecanismo funciona precisamente por não ter execução obrigatória, reforçando o comportamento dos mais fiéis, o que em tese não teria nada de errado se houvesse transparência sobre sua autoria. O problema está naquilo que elas têm financiado: ações sem qualquer vinculação com as políticas públicas prioritárias do País. E essa responsabilidade é do Executivo, que deliberadamente se omitiu ao delegar todas as decisões sobre as emendas ao comando do Legislativo.

As implicações desse modus operandi começam a vir à tona. O cenário das políticas públicas é de terra arrasada. Nem ações como a Política Nacional de Imunizações (PNI), o Farmácia Popular, a compra de livros didáticos e a complementação de verbas para a merenda escolar foram poupadas, entre muitos outros casos que atingem a coletividade, sobretudo famílias mais vulneráveis, nem sempre de forma imediata.

Diante de uma desarticulação de dimensões amplas e generalizadas, os parlamentares sabem que, individualmente, não têm condições de fazer diferença no restabelecimento dessas ações, que dependem da coletividade do Legislativo, mas, primordialmente, da iniciativa e da liderança do Executivo. Assim, deputados e senadores em busca de reeleição agem na política do cada um por si: direcionam recursos para suas bases para financiar aquilo que aparece – asfalto, tratores ou caminhões de lixo – em detrimento do que deveria ser prioridade.

É preciso reconhecer, no entanto, que as emendas de relator não são causa do caos ao qual o País se viu submetido nos últimos anos. São, na verdade, consequência do desgoverno que foi a gestão de Bolsonaro. Deixar diversas políticas públicas à beira da inanição, de alguma forma, expressa as convicções de um parlamentar que só defendeu a si mesmo em toda a sua vida pública. Não seria diferente como presidente.

Um plano que nunca se cumpre

O Estado de S. Paulo

Fracasso do regime de recuperação fiscal como instrumento para reverter desequilíbrios não é acidente, mas construção coletiva, que envolve Estados, União, Congresso e Judiciário

O Estado do Rio de Janeiro sinalizou que não terá condições de cumprir o plano de recuperação fiscal que acabou de firmar com o governo federal. Em entrevista ao jornal Valor, o secretário estadual de Fazenda, Leonardo Lobo, disse que a execução da proposta ficou comprometida após a aprovação das Leis Complementares 192 e 194, que, em conjunto, reduziram as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, energia, telecomunicações e transportes. A queda da arrecadação, segundo o secretário, impedirá o Estado de atingir a trajetória de reequilíbrio pactuada com a União.

Não é nenhuma surpresa. Os Estados sempre alertaram que essas leis derrubariam suas receitas. Nessa história, não se pode negar a participação fundamental do presidente Jair Bolsonaro, muito bem-sucedido ao transformar os governadores em inimigos da população no imbróglio sobre o preço dos combustíveis. No contexto políticoeleitoral, eles não tiveram a menor chance no momento em que os dois projetos começaram a tramitar no Legislativo – nem mesmo entre os senadores, que deveriam representar os interesses dos Estados no Congresso.

Pelas declarações do secretário estadual, conclui-se que uma proposta negociada por dois anos e que envolveu dezenas de servidores públicos inviabilizou-se em apenas cinco meses. Mais do que lamento, o colapso do plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro é uma oportunidade para refletir sobre as razões que explicam a fragilidade de um regime cujo objetivo final nunca é plenamente atingido – aliviar o pagamento de dívidas dos Estados e estabelecer, como contrapartida, cortes de gastos e medidas de ajuste que os conduzam a uma trajetória de reequilíbrio no médio prazo.

À luz dos fatos, o plano apresentado pelo Rio de Janeiro já havia sido criticado desde sua concepção. O Tesouro Nacional e a Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (PGFN) recomendaram sua rejeição, tanto pela suavidade das medidas para conter despesas com pessoal quanto pelo otimismo exagerado a respeito das receitas futuras. O governador Cláudio Castro, no entanto, apelou diretamente ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente Jair Bolsonaro para obter aval político à proposta.

Assim, nem mesmo as premissas pouco críveis impediram a homologação do plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro. Ele foi formalmente assinado em julho, quando as Leis Complementares 192 e 194 já haviam sido sancionadas – a primeira em março e a segunda em junho deste ano. Nenhuma dessas legislações, no entanto, foi considerada na revisão dos termos finais do acordo, o que reforça a posição dos técnicos de que o documento jamais deveria ter sido formalizado.

O plano foi celebrado pelo governador – e Castro, de fato, tinha muitos motivos para comemorar. A homologação salvou o Estado de ter de ressarcir mais de R$ 40 bilhões que a União vinha honrando em nome do Rio de Janeiro desde 2017. Até chegar a esse resultado, ele contou com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediu o Executivo de excluir o Estado do regime até que a renegociação fosse concluída e de cobrar a retomada do pagamento das parcelas. Não foi a primeira vez que o STF impediu a aplicação de punições àqueles que descumprem as regras dos acordos dessa natureza.

Historicamente, os planos de recuperação fiscal falham pela leniência dos próprios Estados em conter seus gastos. O ineditismo da situação envolvendo o Rio de Janeiro é que, desta vez, a União, por meio de Bolsonaro, contribuiu diretamente para a sua ruína quando fez do preço dos combustíveis uma peça de sua campanha. O papel dos Poderes indiretamente envolvidos também não pode ser esquecido – do Legislativo, ao aprovar as duas leis por ampla maioria, e do Judiciário, ao recorrentemente livrar os governadores do cumprimento das cláusulas desses acordos. O fracasso do regime de recuperação fiscal enquanto instrumento para reverter desequilíbrios estruturais dos Estados não é, portanto, mero acidente, mas uma construção coletiva.

Lucros e perdas na inflação global

O Estado de S. Paulo

Inflação internacional favorece o agronegócio brasileiro, mas alta de juros, efeito colateral, prejudica o País

O Brasil está faturando bilhões de dólares graças à inflação internacional, um pesadelo para consumidores de dezenas de países. A exportação do agronegócio rendeu US$ 136,10 bilhões de janeiro a outubro deste ano e garantiu quase metade (48,5%) do valor das vendas externas do País. Um ano antes a contribuição havia sido de 43,4%. O agro continua sendo o setor mais eficiente e mais competitivo da economia brasileira, mas sua inegável eficiência explica apenas parcialmente o avanço entre 2021 e 2022. De um ano para outro o volume exportado aumentou 6,6%, enquanto os preços médios cresceram 24,7%.

Considerado apenas o comércio de alimentos e matérias-primas agropecuárias, o resultado setorial foi um superávit de US$ 121,8 bilhões, 35,8% maior que o acumulado entre janeiro e outubro do ano anterior. Isso foi bem mais que suficiente para assegurar, em dez meses, o saldo positivo de US$ 51,6 bilhões na balança comercial de bens. Apesar do menor dinamismo global, o desempenho brasileiro nas trocas internacionais, sustentado principalmente pelo agro e pelo setor mineral, tem sido suficiente para garantir a segurança externa da economia. O estoque de reservas tem-se mantido satisfatório, com pequenas oscilações.

Apesar do contágio dos problemas externos e dos desajustes domésticos, a inflação brasileira tem sido inferior àquela observada em vários países avançados e emergentes. Nos 12 meses até outubro, os preços ao consumidor subiram em média 10,7% em 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), puxados principalmente pelo custo dos alimentos. No Brasil, nesse período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 6,47%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas o aumento de juros para conter os preços começou no Brasil mais cedo que nos Estados Unidos e na Europa. Os efeitos anti-inflacionários dessa política já aparecem na economia brasileira, mas o custo maior do crédito já influencia também os negócios, impondo um freio ao crescimento econômico. A atividade tem perdido vigor neste trimestre e, segundo projeções do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) dificilmente aumentará mais que 1% em 2023.

Embora beneficiado no comércio pela alta de preços dos alimentos, o Brasil também é afetado negativamente pela inflação global. Além do risco do contágio inflacionário, há os efeitos do aperto financeiro nos Estados Unidos e na Europa.

Em todo o mundo rico os bancos centrais começaram, com algum atraso, a elevar juros para conter a onda inflacionária. Dinheiro caro no mundo rico afeta os fluxos de dólares, canaliza capitais para os mercados desenvolvidos e isso se reflete na economia brasileira. Menor crescimento global limita o comércio e, além disso, juros altos no exterior dificultam a redução da taxa no Brasil. É preciso, no planejamento governamental, considerar todos esses fatores. Essa tarefa é especialmente importante quando um novo governo se prepara para entrar em cena.

Aumentar o emprego, uma promessa difícil de cumprir

Valor Econômico

As perspectivas para o ano que vem são menos animadoras

Gerar emprego e renda, além de atrair investimentos, é um dos objetivos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, repetido mais uma vez no anúncio dos primeiros cinco ministros escolhidos para compor o futuro governo. A tarefa não será fácil. Os mais recentes indicadores do mercado de trabalho mostram números positivos, mas sinalizam uma desaceleração. A previsão de uma economia globalmente mais fraca no próximo ano reforça as piores expectativas.

O desemprego ficou em 8,3% no trimestre móvel encerrado em outubro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa recuou em relação aos 8,7% do trimestre terminado em setembro e dos 9,1% do trimestre móvel anterior, concluído em julho. Em um ano, o avanço foi significativo frente aos 12,1% de outubro de 2021. Foi a menor taxa para um trimestre encerrado em outubro desde 2014, quando marcou 6,7%.

De acordo com o IBGE, a população ocupada, entre empregados, empregadores e funcionários públicos, subiu para 99,7 milhões de pessoas, novo recorde da série histórica da Pnad Contínua, pesquisa iniciada em 2012. Já o número de desempregados diminuiu 8,7% em relação ao trimestre móvel anterior para 9 milhões de pessoas, o menor número desde o trimestre encerrado em julho de 2015.

Com isso, a força de trabalho, conceito que soma pessoas ocupadas e aquelas em busca de emprego, alcançou 108,7 milhões em outubro, número relativamente estável em comparação com o trimestre anterior, encerrado em julho e 1,7% maior do que no mesmo período do ano passado. O número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado bateu novo recorde da série histórica, somando 13,4 milhões de pessoas.

O IBGE atribuiu a recuperação do mercado de trabalho, iniciada em julho de 2021, ao avanço da vacinação contra a covid-19 e à retomada de atividades presenciais, o que favoreceu a criação de vagas especialmente no setor de serviços. O desempenho também contribuiu para os resultados acima do esperado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Mais recentemente, a eleição também pode ter ajudado, além de fatores sazonais como a Black Friday, Copa do Mundo e Natal.

Desde a pandemia, o emprego informal tem minorado a crise no mercado de trabalho. O número de trabalhadores informais está ao redor de 39 milhões há dois trimestres, o equivalente a 39% a 40% da população empregada. Mas isso não é motivo de orgulho. Parte expressiva dos trabalhadores estão nessa situação mais por necessidade do que por vontade, constatou a mais recente Sondagem do Mercado de Trabalho lançada há pouco pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).

Sete de cada dez trabalhadores por conta própria ou sem registro gostariam de mudar para uma ocupação que fosse ligada a uma companhia pública ou privada para ter rendimentos fixos e os benefícios fornecidos pela empresa formal a seus empregados, apurou a Sondagem da FGV Ibre. Entre os trabalhadores informais, 88% gostariam de se formalizar, percentual que chega a 90% no caso dos que ganham até dois salários mínimos e é de 76% entre os que recebem mais de dois mínimos.

No entanto, dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Previdência mostram que o emprego formal está perdendo o fôlego. Em outubro, houve a abertura líquida de 159,5 mil vagas com carteira assinada, resultado inferior às previsões. No acumulado do ano, o saldo é de 2,3 milhões de postos. Dificilmente será ultrapassada a marca dos 2,7 milhões de postos formais criados em 2021 de acordo com o Caged.

As perspectivas para o ano que vem são menos animadoras. Nas planilhas das instituições financeiras predomina a previsão de uma taxa de desemprego mais elevada, acima dos 9%. Entre os motivos estão o efeito defasado dos juros altos, o esgotamento e até reversão de medidas fiscais de estímulo adotadas nos últimos meses por motivos eleitoreiros, as incertezas com o futuro da política econômica, além da estabilização do setor de serviços e o cenário internacional recessivo. Tudo isso torna a promessa do novo governo mais difícil de ser cumprida.

 

4 comentários:

  1. Rá rá rá rá rá...
    "A maioria dos escolhidos tem currículo e capacidade para desempenhar seus papéis, desde que ideologia ou arrogância não atrapalhem."

    Ideologia de quem, dos Marinho do Globo ou dos escolhidos?
    Não sendo a ideologia dos escolhidos, será de quem?

    Rá rá rá rá rá...

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  2. Essa não é a ideologia dos Marinho do Globo, mas dá uma ideia: "Persiste na cúpula do PT uma visão equivocada sobre a necessidade de investimentos públicos, o papel dos bancos estatais e o protecionismo."
    Por que equivocada?

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  3. "Nas nomeações que faltam, Lula deveria escolher ministros capazes de fazer uma leitura realista do mundo, livre de juízos ideológicos,"

    Impossível, ninguém se livra de ideologia. Mesmo a adoção exata das ideias dos Marinho do Globo não nos livraria de ideologia - ninguém é ingênuo em crer q o modo de pensar de nossas elites, Marinho inclusos, seja livre de ideologia. Seguir os "conselhos" desse grupo significa apenas a adoção de sua ideologia - e isso não é necessariamente bom pro Brasil. Lembrem-se de q os Marinho apoiaram o golpe de 64, do qual se arrependeram posteriormente.

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  4. Será q só eu vejo incoerência neste artigo:

    "A começar pela cantilena do "Estado quebrado", repetida de forma leviana...

    É fato que o governo Bolsonaro chega ao fim com grande desordem nas finanças públicas —gastos elevados em algumas áreas e escassez de recursos em outras. Isso resulta, principalmente, de iniciativas eleitoreiras,...

    Deve-se acrescentar que o superávit alardeado pela pasta da Economia é circunstancial..."

    Grande desordem nas finanças públicas, com superávit circunstancial, mas dizer q bolsonaro quebrou o Brasil pra se reeleger é cantilena.

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