sábado, 24 de dezembro de 2022

Pablo Ortellado - Que tal dar o primeiro passo para a tolerância no Natal?

O Globo

Será quase impossível que os temas da vida nacional não surjam em algum momento e azedem a ceia

Estamos politizados demais. Por muito tempo, olhamos para nossos vizinhos argentinos e invejamos a sua politização, que, vista à distância, parecia saudável e cívica. Agora que não há mais almoço de família em que Lula e Bolsonaro não sejam chamados para um duelo à mesa, não sei se mantemos o mesmo apreço pela politização.

Claro, pode ser que tenhamos ficado politizados de uma maneira ruim e que exista um outro modo, respeitoso e civil, de valorizar o debate político. Mas, por lá, na Argentina, tudo anda parecido demais com o Brasil — o antagonismo entre kirchneristas e antikirchneristas também está destruindo vínculos de afeto entre parentes e amigos. Será que existe uma maneira de um país ser politizado, sem ser polarizado?

Quando falamos de polarização política, enfatizamos o abismo que separa os dois lados. Mas a polarização também une. Ela aglomera e unifica o campo político. É esse sentimento de fazer parte de uma comunidade homogênea, com os mesmos valores fundamentais, que traz conforto. Se a polarização gera hostilidade contra o grupo adversário, entre os semelhantes ela produz coesão e comunidade, assentadas no sentimento de compartilhar valores elevados e de estar do lado certo da História.

Para combater a polarização, não basta desmontar o ódio ao inimigo, é preciso também afrouxar os laços de coesão com nosso próprio grupo. Não sei qual tarefa é mais desafiadora. A polarização é essa complexa dinâmica de afeto com o semelhante e de hostilidade com o dessemelhante.

Hoje à noite, na ceia de Natal, vamos mais uma vez pôr à prova nossa capacidade de conviver. Para quem tem família com gente dos dois lados do espectro político, será uma noite difícil. O clima político está muito aquecido, e será quase impossível que os temas da vida nacional não surjam em algum momento e azedem a ceia.

Mas existe momento mais oportuno para enfrentar esse desafio do que o Natal? Afinal, esta é a noite em que celebramos o nascimento de Jesus, que nos trouxe uma mensagem de amor e perdão, tão claramente expressa no Sermão da Montanha.

O espírito natalino de convívio e tolerância precisa de dois movimentos: um movimento no sentido de arrefecer a hostilidade e um movimento simultâneo de afrouxar a coesão com nosso próprio grupo político.

Um bom ponto de partida é reconhecer que, a despeito das discordâncias, no lado de lá há gente agindo de boa-fé — gente que, à sua maneira, também quer o bem do Brasil.

Sei que isso não é fácil porque os progressistas estão convencidos de que do lado de lá estão fascistas que querem oprimir gays, indígenas e mulheres, e os conservadores acreditam que do outro lado estão comunistas que querem roubar o povo e suprimir liberdades. Mas a verdade é que as coisas são mais nuançadas.

Uma maneira de descobrir isso é, com generosidade cristã, reconhecer de antemão os problemas do próprio campo político.

Os progressistas podem reconhecer que de fato houve corrupção na Petrobras, que isso é um problema grave e que não deveria voltar a acontecer. Podem também reconhecer que quaisquer que sejam os méritos das políticas sociais, é condenável a restrição às liberdades políticas e a perseguição à oposição em Cuba e na Venezuela.

Os conservadores podem reconhecer que as declarações de Bolsonaro em defesa da ditadura militar e da tortura são execráveis e que não devem ser endossadas. Podem também reconhecer que, por mais que tenham críticas aos métodos de ação dos movimentos feminista e LGBTQIA+, apoiam a igualdade entre homens e mulheres e respeitam a orientação dos homossexuais.

Os exemplos não são por acaso. Pesquisas de opinião mostram que essas são posições majoritárias nos dois grupos. Só que cada lado acredita piamente que o adversário não as mantém. Se escutássemos declarações assim, não teríamos maior disposição para o diálogo?

Estamos vivendo tempos difíceis, muito difíceis. Desde os anos 1930 não vivemos tempos tão difíceis. Estamos muito politizados e intolerantes com as posições de nossos adversários. Existem grandes estruturas políticas e econômicas fomentando a nossa indignação e lucrando com nosso ódio. Temos de abandoná-las.

Precisamos aprender a conviver, até porque a alternativa, no limite, é a guerra civil. É isso o que queremos para nossos filhos e netos?

Há uma outra saída para os nossos problemas, mas ela requer abertura, generosidade e tolerância. É Natal! Vamos dar o primeiro passo esta noite?

4 comentários:

  1. Li. Reli. Pensei em dar o 1o passo. Não pude deixar de lembrar q tal passo seria dado em direção a minha "prima" Damares e seus bebês desdentados. Outro passo em direção ao meu "irmão" Salles, tentando me convencer a passar a boiada. Ou meu sogro bozo, reafirmando e me convencendo q deveríamos matar mais 30 mil.
    Outro passo em direção ao sogro de um primo q avisou-o a não visitá-lo pois q irá "botar fogo nas estradas durante as festas" pois a eleição foi fraudada.
    Depois destas lembranças, recuei. Percebi q essa gente é criminosa, da qual quero muuuuuuita distância.
    Feliz Natal!

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  2. Esqueceu do Paulo Guedes o pior de todos.

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  3. Então é Natal,a festa cristã...

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  4. Os erros da esquerda são entendíveis,elogiar torturador é difícil entender.Mas devemos amar a todos sem distinção,eu tento fazendo oração,não desejando mal a ninguém já é um bom começo.

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