O Globo
Se queremos uma chance daqui a dez ou 20
anos, precisamos resolver o problema da educação básica de massas neste governo
O pesadelo nacional durou quatro anos e se
encerra neste domingo com a posse de um novo presidente. Um presidente que,
pouco importam seus defeitos, construiu sua carreira política a partir da
democracia. Estivemos muito próximos de perdê-la, mais próximos do que muitos
se dão conta. Muitos não se dão conta, tampouco, de que Jair Bolsonaro recebeu,
neste último segundo turno, mais votos do que teve para elegê-lo em 2018. O eleitorado
de Bolsonaro não diminuiu, aumentou ao longo de seu mandato destrutivo,
iliberal, anti-iluminista. Daí nasceu o principal desafio para o governo que
entra: lidar com a angústia que leva à busca pelo populismo autoritário.
Porque é fácil gritar “fascista”, fazer troça de quem acredita nas mentiras do zap, simplesmente tratar de ignorante quem recusa a vacina, bruto quem compra armas ou com desdém a massa que fez da camisa da seleção a versão contemporânea do uniforme verde-escuro com a braçadeira do Sigma. Por trás de todo esse comportamento que arrasta não só dezenas de milhões de brasileiros, mas também outros tantos americanos que votaram em Donald Trump ou os italianos que elegeram Giorgia Meloni, está a angústia com um mundo em rápida transformação.
Não vivemos mais na Era Industrial. Não são
mais as mãos de operários que produzem a riqueza do mundo, como nos últimos
dois séculos e meio. Num planeta em que as grandes empresas não são mais
petroleiras, bancos ou a GE — que dominaram o século XX —, a origem da riqueza
é outra. São cérebros educados com alta sofisticação. E nunca matemática foi
tão importante.
Não é a política industrial que será capaz
de tirar o Brasil deste lugar menor que ocupamos na economia do planeta. A
política industrial poderá ser boa ou ruim, mais ou menos intervencionista, mas
dependerá fundamentalmente de quantidade de gente, aqui, apta a trabalhar com o
meio digital, com genética ou com energia. Tudo é matemática.
Mais de um estudo sugere que algo como 20%
da proficiência em matemática depende da genética que herdamos. É um rolar de
dados. Eu, filho de matemático, suo frio de fazer uma conta de somar de três
dígitos sem o auxílio de papel ou calculadora. A genética não me foi generosa,
mas há outra coisa que sabemos a respeito dela. Não escolhe CEP, cor de pele ou
profissão do pai. Os outros 80% da capacidade matemática dependem de expor a
criança ao conhecimento desde cedo, desafiá-la a aprender, incitá-la a descobrir
prazer no cálculo.
Como não fazemos isso com a massa de
brasileiros que nascem nas periferias urbanas, jogamos gente fora todos os
anos. Gente é riqueza no século XXI.
Os governos Fernando Henrique, Lula, Dilma
e Temer avançaram, mas nem de perto o suficiente. Bolsonaro nem sequer tentou.
Se queremos uma chance daqui a dez ou 20 anos, precisamos resolver o problema
da educação básica de massas neste governo. É a coisa mais importante que Lula
3 precisará fazer — e, isso, numa lista não pequena de tarefas importantes.
Todo mundo sabe que sua profissão mudou
muito nos últimos 20 anos. Que as habilidades antes necessárias hoje são
outras. Vale para o advogado e para o eletricista. Para nós, jornalistas, ou
para entregadores de aplicativo. Todos somos tocados toda hora por mudanças,
mudanças que não param, que geram uma profunda incerteza sobre o futuro. E, sem
alguém que desenhe que futuro será esse, que aponte tranquilo para as
possibilidades do que virá e mostre como diminuir as dores, os impactos da transformação
contínua, sem esse alguém estamos lascados.
O autoritarismo reacionário, nostálgico com
um passado que não mais retornará, seguirá vivo enquanto tivermos motivos para
temer o futuro.
"Daí nasceu o principal desafio para o governo que entra: lidar com a angústia que leva à busca pelo populismo autoritário. ... Por trás de todo esse comportamento que arrasta não só dezenas de milhões de brasileiros, mas também outros tantos americanos que votaram em Donald Trump ou os italianos que elegeram Giorgia Meloni, está a angústia com um mundo em rápida transformação."
ResponderExcluirVejo muita gente boa defendendo a ideia de q educação é remédio, ou principal componente de um coquetel, pro q acontece de ruim no mundo. Tenho séria dúvida e começo a descrevê-la aproveitando a deixa do autor. Os EUA têm as melhores instituições de ensino do mundo e ... elegeram o Trump, isto é, pelas ideias do autor, seu ensino não remediou a angústia dos estadunidenses. Na Itália, q penso tem deficiências como as nossas, embarcaram em duas canoas furadas nas 2 guerras mundiais e agora, embarcam noutra, demonstrando q nada aprenderam. O Japão, 2 guerras mundiais. A Alemanha idem. Todos com sistemas de ensino (Itália tb?) muito melhores do q o nosso (ontem e hoje).
Se nem eles tiveram sucesso em controlar a "angústia", e a não depender de "populismo autoritário", com recursos (humanos, financeiros, tecnológicos...) muito superiores ao nosso, como teremos sucesso?
E eu tenho a impressão de q o poder mundial caminha pra Ásia e q EUA e Europa estão em decadência, apesar de terem, ainda muito à frente, as melhores instituições de ensino do mundo.
E no Brasil? Milicos têm estudo. Nossos empresários têm acesso a informação e acesso ao melhor ensino. Religiosos idem. E todos apoiaram o genocida, em busca do salvador da pátria, do herói, sempre autoritário. E formam nossas elites intelectuais.
"Os governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer avançaram, mas nem de perto o suficiente. Bolsonaro nem sequer tentou."
ResponderExcluirO canalha escolheu sempre as piores alternativas para ministro da Educação: Abraham Weintraub, Decotelli, pastor Milton Ribeiro... Ou a ideologia ou a religião ou a picaretagem predominavam, nunca a Educação foi tratada com respeito ou interesse pelo miliciano mentiroso. Não criou universidades, não visitou escolas, NUNCA SE INTERESSOU PELA EDUCAÇÃO!
A genética só entra em ação se tiver afinidade espiritual,senão,jamais...
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