Folha de S. Paulo
Sai a arruaça de colisão do bolsonarismo;
volta o presidencialismo de coalizão
Pronto! Lula
indicou os 37 ministros. Talvez haja alguma pacificação
"Duzmercáduz", sei lá. Ou o contrário. Não tenho intimidade com essa
gangorra e enforcaria o último especulador com a tripa metafórica do último
experto (com "x") que tortura os fatos para que caibam em suas
apostas. Os olhares analíticos têm lá seus respectivos vieses. O meu é
reconstruir o tecido institucional esgarçado e resgatar entes de Estado, como
as Forças
Armadas, das trevas da fascistização. Nesta quinta, mais uma vez, vimos
o Exército
servir como "supernanny"
de golpistas.
Eis, pois, o meu lado nessa história. "Com responsabilidade fiscal ou sem, Reinaldo?" Ah, com ela! Mas não confundo as minhas próprias contas ou as dos meus amigos e fontes (e seus inevitáveis interesses) com o Evangelho Revelado. Já nem cito o pressuposto, sendo pressuposto, da responsabilidade social. Acrescento aos dois pilares um terceiro: a responsabilidade política.
Não se cumpriu uma das predições dos anjos
do Armagedon. Os que andaram fazendo "dumping" do caos asseguravam
que o PT voltava ao poder com um apetite de Pantagruel e uma sem-cerimônia de
Gargântua ao exibir seus dotes de colonizador do Estado. Pois é... O partido
ficará com dez pastas apenas. Terá a Fazenda e a Casa Civil —eixos da política
econômica e da articulação com o Congresso—, além de Educação e Desenvolvimento
Social, pastas fundamentais, sim, para estruturar ações para os pobres. No
mais, petistas assumirão funções ligadas ao assessoramento pessoal do
presidente e com áreas que têm mais demandas do que verbas.
Acompanhei, com alguma estupefação, o tom
de escândalo que se tentou emprestar à indicação de Fernando
Haddad para a Fazenda. Houve quem se indignasse com o fato de ele ser
próximo de Lula.
Que coisa! Simone Tebet (MDB)
no Planejamento pacifica um pouco os inquietos. É escolha que eu não faria, noto.
E não porque lhe faltem qualidades, mas porque lhe sobram justas ambições. Há o
risco da massa negativa: a soma que diminui. Torço para que assim não seja. A
"desfascistização" dispensa ruídos dessa natureza.
Lula conseguiu trocar no ar algumas peças de
um avião escangalhado, conduzido por um porra-louca que se esforçava para
derrubar a aeronave, ainda que todos, incluindo ele próprio, morressem. É
escorpião de fábula. A aprovação da PEC da Responsabilidade Orçamentária foi
uma precondição para estruturar uma base de apoio, esforço que teve de passar
pelo Congresso que aí está e mirar o próximo, ainda mais povoado de, digamos,
exotismos morais, éticos e ideológicos.
Nove partidos ocuparão a Esplanada. No
papel, somarão 262 deputados (51%) e 45 senadores (55%), mas há opositores
declarados em União Brasil, PSD e MDB. O número de votos com os quais o futuro
governo pode contar é menor. Os petistas Alexandre Padilha (Relações
Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) terão muito trabalho. No que respeita
à divisão do poder, surpresos devem estar os mascates de crise: as três
legendas citadas terão ministérios ditos "de entrega", que inauguram
obras —Transportes, Cidades e Desenvolvimento Regional— ou respondem pelo
financiamento e gestão de áreas essenciais: Agricultura e Minas e Energia. Não
estavam na campanha de Lula, mas somarão nove ministérios, um a menos do que o
PT.
Aqui e ali, tentações recalcitrantes que
remanescem da peste lava-jatista entortam o nariz para a negociação com os
partidos. Sabemos no que deu "a alternativa". Ademais, sai Anderson
Torres, entra Flávio Dino. Sai Damares Alves, chegam Silvio Almeida, Anielle
Franco e Cida Gonçalves. Sai Marcelo Queiroga, vem Nísia Trindade. Camilo
Santana ocupará a pasta que já foi de Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham
Weintraub e Milton Ribeiro. Marina Silva volta ao Meio Ambiente, que ficou
exposto à "boiada" de Ricardo Salles. Esqueço as tripas metafóricas e
sinto uma espécie de conforto civilizatório que não faz a Bolsa subir ou o dólar
cair.
Tiro quatro colunas de férias e, sendo
vontade da Folha,
volto no dia 3 de fevereiro. O Brasil olhava o abismo, mas conseguiu virar o
rosto quando o abismo olhou para ele. O fujão cumpriu a promessa e desconstruiu
muita coisa. É preciso reconstruir e avançar. Feliz Ano Novo!
Reinaldo Azevedo fecha o ano em 'estado de graça'.
ResponderExcluirSuas duas últimas colunas, esta e a anterior, são primores de análises de composição do Governo Lula, enriquecidas por um humor bem dosado.
Parabéns.
Volte das férias com este olhar certeiro e agradável.
Feliz ano novo a todos.
ResponderExcluir