Folha de S. Paulo
Para petista, prioridade é PEC da Transição
para tornar governo viável
O chamado orçamento secreto, como poderia
escrever Karl Marx em "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", "caiu
da árvore do conhecimento e não da árvore da vida". Não derivou de nenhum
fatalismo oriundo da natureza das coisas, mas foi uma construção num momento notavelmente
conturbado da República, em que o sistema de freios e contrapesos deixou de ter
uma funcionalidade orgânica. Tudo passou a depender da vontade e disposição
para a intervenção, legal ou não. Lava
Jato e governo
Bolsonaro nos empurraram para a tentação da entropia permanente.
O agigantamento das chamadas emendas do relator nasceu da disposição estúpida de Jair Bolsonaro e de seus pensadores de não negociar com partidos. Ainda me lembro de Paulo Guedes, com sua baixíssima tolerância para a contradita —tem sempre a convicção de um Napoleão diante do inverno russo—, a dizer que o novo governo conquistaria votos nas "bancadas temáticas", o que denota ignorância absoluta sobre o Legislativo.
Logo depois da eleição do "Mito",
em 2018, o então futuro ministro defendia, contra a vontade de bolsonaristas
graúdos, a aprovação da reforma da Previdência ainda no governo Temer. Com a
clarividência habitual —"mais do que promete a força humana", como escreveu
o bardo—, disse esta maravilha: "A bola está com eles [Congresso]. Prensa
neles!" Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, momento em que o corso
vira Pelé da economia, mandou ver: "Se você perguntar para o futuro
ministro, ele está dizendo o seguinte: ‘Prensa neles, pede a reforma, pede a
reforma; é bom para todo mundo!" Onyx Lorenzoni, já escolhido para a Casa
Civil, pregava o contrário. A questão ficou para o ano seguinte.
Todos os lugares são um destino quando não
se sabe aonde ir. Num jantar com conservadores, em Washington, em março de
2019, Bolsonaro, ladeado por Olavo de Carvalho e pelo bandido internacional
Steve Bannon, anunciou o desastre entrópico: "O Brasil não é um terreno
aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que
desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a
fazer." Em 26 de maio daquele ano, patrocinou o primeiro ato golpista.
O dito orçamento secreto é fruto da
experiência. Foi o preço imposto pelo centrão para blindar um delinquente
político. A maioria congressual protegeria o presidente dos crimes quase
cotidianos de responsabilidade que cometia —o Código Penal, por sua vez, ficou
sob o descuidado da Procuradoria-Geral da República.
Foi o andamento da política que permitiu ao
Congresso se assenhorear de mais recursos —e, na sua raiz, gostemos ou não,
estão escolhas feitas pelos brasileiros. Parece-me impróprio que um novo peso
se coloque sobre os ombros já largos do STF, atribuindo-lhe a
tarefa de manter ou mudar o volume de recursos da tal rubrica RP9. A
distribuição e aplicação do dinheiro devem, aí sim —e esta é tarefa do
tribunal—, obedecer à disciplina do artigo 37 da Constituição, o que
absolutamente não acontecia. O sigilo das demandas, como havia, alimentou uma
indústria criminosa, o que resta mais do que provado.
O que veio à luz (procurem detalhes) sobre
uma nova disciplina na distribuição da RP9 —no papel, garantem-se
transparência, eficiência e equidade— parece-me atender ao que dispõe o texto
constitucional, e entendo ser esse o limite do tribunal, não devendo se arvorar
em instância revisora da peça orçamentária, ainda que isso pudesse ser do nosso
gosto.
E quanto a Lula? Deve se
lançar de peito aberto no embate? Não. Que fique longe da questão. Tornar
inviável o próprio governo, logo à partida, por uma questão de princípio, seria
burrice, não nobreza de espírito. Quis a coincidência de datas que essa questão
se misturasse com a votação da PEC da Transição, que tem prioridade. É o
instrumento primeiro para começar a pôr ordem na herança maldita. Bolsonaro
está mudo, e isso é uma bênção. Ocorre que o governo também entrou em greve. A
PEC prevê um mecanismo para ajudar a fechar as contas deste ano, evidências do
descalabro. "Ah, mas o volume das emendas do relator é excessivo".
Também acho. É preciso produzir um novo conhecimento para mudar essa realidade,
e essa é uma tarefa da política, não do Judiciário.
Reinaldo Azevedo entende das coisas.
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