sábado, 10 de dezembro de 2022

Ricardo Henriques - Juventudes: superar o sem-sem/nem-nem

O Globo

Promover a geração de renda e contribuir para o engajamento nas escolas são caminhos para avançar nesse desafio

A situação dos jovens que não estudam nem trabalham não é nova, mas nem por isso podemos deixar de nos indignar com estatísticas como as divulgadas neste mês pelo IBGE: em 2021, 13 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos (26% do total) estavam nesta situação. É preciso ir além da indignação e agir na construção de uma política coesa, integrada e atrativa para as juventudes, focada nos mais vulneráveis, e que seja multissetorial e multinível, com os próprios jovens engajados em seu desenho.

Uma estratégia assim possui como principal eixo – não o único – a educação. Espera-se que a escola atenda crianças e jovens, de forma universal, durante 14 anos. Ela é o espaço de articulação entre os territórios físico e virtual com maior capilaridade para acolher as ofertas estatais que interagem com esse público. É preciso renovar esse espaço e torná-lo mais atrativo, produzindo sentido ao ato de estudar e aumentando o desejo de se concluir o ensino médio, num ambiente amigável e seguro para desenvolver todas as dimensões que o jovem desejar.

A reforma do Ensino Médio caminha nessa direção, mas, além de necessitar de ajustes em sua implementação, não será suficiente. São imprescindíveis ações que incentivem a progressão e conclusão, a transição entre escola e o trabalho, ou para a continuidade dos estudos, no ensino técnico ou superior.

Dentre ações para aumentar a conclusão do médio, uma proposta em debate neste momento de transição de governos é o pagamento de incentivos financeiros aos jovens. Uma síntese de evidências dessas políticas, divulgada há 10 dias pelo Dados para um Debate Democrático na Educação, mostra que programas com desenho adequado a cada contexto social, metas claras e focados nos que mais precisam podem gerar resultados positivos. No entanto, coerente com o mantra de que não há bala de prata, não devem ser vistos como única ou grande solução.

Também não devemos ignorar nossa oceânica desigualdade social. Mesmo que um jovem em situação de vulnerabilidade se forme numa escola de qualidade, não terá igual apoio, redes de contato, condições de se manter estudando, oportunidades de empregabilidade, perspectivas de mobilidade social ou mesmo se permitirá sonhar de forma tão ambiciosa em comparação com quem teve a sorte de nascer numa família de maior renda e escolaridade.

Nesse sentido, há dois eixos que devem complementar o educacional: geração de renda e engajamento com participação. O primeiro exige oportunidades de renda e trabalho específicos para os jovens ao fim do Ensino Médio, técnico ou da graduação. Aqui, há possibilidade de construção de novos padrões de articulação de políticas públicas nos territórios – desde micro ou mesorregiões até arranjos nas periferias. Temos, por exemplo, oportunidade de maior integração entre escolas estaduais, Institutos Federais de Educação, escolas técnicas estaduais e universidades, além do Sistema S – todos em diálogo com os setores econômicos locais. É fundamental que Estado e setor privado se articulem para alinhar competências esperadas, que formações e cursos estejam vinculados a essas necessidades, e que ambos foquem em ampliar as ofertas de vagas para esse público.

O segundo eixo, de participação e engajamento, é crucial para permitir a expressão da subjetividade de cada indivíduo e potencializar a construção conjunta da política entre governo e juventude. De igual modo, devem ser desenvolvidas atividades relacionadas à arte, música, dança, religião, esporte, cidadania, comunicação, tecnologia, política e lazer. Aqui, novamente, o contraste entre as possibilidades associadas ao CEP, raça e outras características são punitivas dos mais vulneráveis e, por isso, solicitam a atuação intencional do Estado.

As políticas públicas no Brasil focaram historicamente em ofertar cada um desses eixos de forma fragmentada. Mas há bons exemplos recentes de políticas integradas, como é o caso de Alagoas. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas indicadores como o aumento de 23% nos matriculados na rede estadual de 2021 para 2022 e a reativação de um Conselho Estadual das Juventudes ativo e bem articulado sugerem um caminho virtuoso.

No estudo “Consequências da violação do direito à educação”, Ricardo Paes de Barros e coautores estimam em 3,3% do PIB a perda gerada pelo fato de meio milhão de jovens chegar à vida adulta sem concluir o ensino médio, sem falar nos impactos sociais, emocionais e existenciais. Sabemos quanto nos custa o descaso. É hora de mudar a chave para potencializar os sonhos de nossas juventudes. Ganharemos todos.

*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral

 

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