O Globo
Excesso de pastas dadas a homens petistas
mostra que, ao partido, interessa mais se guarnecer para a disputa de 2026
O governo Lula 3 vai se encaminhando para
ser aquele com mais mulheres no primeiro escalão na posse desde a
redemocratização. São seis as escolhidas até agora e, dados os nomes cotados, é
bem provável que o número final supere as nove designadas para a largada do
primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Trata-se de um avanço enorme, sobretudo
diante da comparação com o governo Jair Bolsonaro, que começou com apenas duas
mulheres no primeiro escalão, terminou com uma e, no auge, tinha três
representantes femininas na equipe.
A melhor notícia foi a designação da primeira mulher para o Ministério da Saúde. A nomeação de Nísia Trindade tem um enorme peso concreto e simbólico. Foram mulheres algumas das principais vozes de resistência ao negacionismo e ao boicote a vacinas e medidas sanitárias de Bolsonaro no curso da pandemia, e a Fiocruz, dirigida pela futura ministra, esteve na linha de frente do enfrentamento da emergência sanitária.
Dada a necessidade de levantar o Programa
Nacional de Imunizações dos escombros a que o bolsonarismo o jogou e de
reorganizar o Sistema Único de Saúde, o nome não poderia ser melhor.
A decisão de tirar dos partidos uma das
pastas mais cobiçadas, dados seu orçamento polpudo e sua capacidade de fazer
política na ponta, também é um sopro de ar fresco numa escalação de ministério
ainda eivada de velhos vícios, sendo o predomínio petista sobre as pastas mais
vistosas o maior deles.
A escolha de outra mulher para a Ciência e
Tecnologia também tem a mesma relevância histórica, depois do desmonte
promovido na pesquisa e na academia e do desprezo demonstrado pelo ainda
presidente pelo saber científico, sem o qual nossa tragédia no enfrentamento da
Covid-19 teria sido ainda maior. Sim, trata-se de uma pasta com pouco alcance
de recursos, mas é o típico caso em que haverá incremento devido a uma espécie
de premissa de Tiririca, “pior do que está, não fica”.
Mas nem tudo são boas notícias no desenho
da participação feminina no ministério. O imbróglio desnecessário criado para
tentar contemplar Marina Silva e Simone Tebet, duas aliadas essenciais em
momentos diferentes da campanha, tem tudo para deixar sequelas na largada da
nova gestão.
Da mesma maneira, a decisão de preterir
Izolda Cela em favor de Camilo Santana e de deixar de anunciar outra conquista
histórica, a primeira mulher no ministério mais crucial da Esplanada, também é
daquelas que mostram um Lula com dificuldade de se lançar num arranjo de fato
amplo e arrojado de governo, que dê conta dos desafios em tudo novos em relação
a seus dois outros mandatos.
Não que Santana não seja um excelente
quadro, mas o excesso de pastas dadas a homens petistas mostra que, ao partido,
interessa mais se guarnecer para a disputa de 2026 do que abrir mão de espaços
em nome de uma governabilidade complexa e ainda não claramente desenhada. Com
risco excessivo ao desfalcar o Senado de até aqui quatro titulares, quando vem
aí uma tropa de choque bolsonarista na Casa de tapete azul.
Marina não deverá aceitar o prêmio de
consolação que estão embrulhando em celofane reciclável para lhe vender. A
ideia de uma Autoridade Climática com status de embaixada, à John Kerry, não é
o que imaginou para o posto. O que ela sabe fazer é política pública e não está
disposta a virar uma embaixadora informal de Lula sem caneta nem função
executiva.
A ideia de oferecer a Simone justamente a
pasta para a qual Marina é vetada traz ainda um componente atroz de querer antagonizar
duas possíveis pré-candidatas em 2026, que tiveram empatia forte nas ações da
campanha. Péssimo sinal para um presidente que, nos dois primeiros discursos
depois de eleito, repetiu um mantra que vai caindo por terra antes da posse:
que não faria um governo petista.
Está sendo mais difícil montar a equipe do governo do que ganhar a eleição,segundo o próprio Lula.
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