quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

William Waack - A difícil acomodação

O Estado de S. Paulo

Lula está chamando para si o controle da política econômica

No condomínio que Lula prometeu construir para governar, Arthur Lira já assegurou o melhor apartamento do prédio, o da cobertura. Sem saída, o PT o apoia para a reeleição. Espera em troca um presidente da Câmara governista. Ele trará consigo para a base, além do PP, uma metade não bolsonarista do PL (cerca de 40 deputados). Somados aos parlamentares que o PT já controla (cerca de 11% da Câmara), e mais PSD, MDB e União Brasil, o número desse apoio deve atingir confortáveis 300.

Mas a questão principal não é a do apoio escrito no papel. É qual a capacidade do presidente eleito de ditar a agenda política e econômica. Ela está ainda indefinida. A PEC com licença para gastar com o Bolsa Família não é um plano de governo.

Será aprovada por pura conveniência de várias forças políticas. Mas desidratada e severamente contida nas pretensões iniciais por ação do próprio PP de Lira. Dentro do esperado: não há registro de caciques do Centrão jamais terem assinado um cheque em branco.

Os limites à agenda foram sinalizados a Geraldo Alckmin, o chefe da assembleia de transição, pelo presidente do Banco Central, que o alertou em público, ao vivo e em cores, sobre o “momento Truss”. É quando as forças de mercado impõe a um governo o alcance de uma política fiscal. Ao contrário do que se pensa ao redor de Lula, o “momento Truss” não vem de uma articulação malvada de especuladores. É consequência de expectativas frustradas de milhares de agentes econômicos.

Da mesma forma, via Alckmin, mas também por interlocução direta, Lula foi alertado para o fato de que mais importante que o nome do ministro da Fazenda é esclarecer os rumos que pretende adotar. Neste momento, a escolha de Lula está definida: é Fernando Haddad.

A insistência em Haddad demonstra mais do que o empenho em nomear alguém de absoluta lealdade pessoal. Reitera que o “dono” da política econômica será exclusivamente ele, Lula. O que permanece indefinido é a quem Lula pretende ouvir para tomar decisões.

O setor da assembleia de transição dedicado à economia contém cabeças pensantes adeptas de doutrinas antagônicas que excluem uma “síntese” entre elas, pois partem de princípios divergentes – começando pelo próprio diagnóstico do que sejam as causas da estagnação brasileira. Portanto, de seus possíveis corretivos.

Lula se oferece como garantia pessoal de responsabilidade fiscal. E como garantia pessoal de comprometimento com a causa social. Como Lira acabou de demonstrar, tendo de dividir o poder. E com uma feroz oposição do lado de fora do Parlamento. A julgar pelo que o presidente eleito fez nos mandatos anteriores, ele vai tentar acomodar tudo isso. Na base do dia a dia.

 

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