sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Em política o que é, é.

A sociedade está entregue a si mesma, ao desamparo de partidos e de vozes que a representem e mesmo assim, por meio de suas instituições ou até por fora delas, tem-se demonstrado capaz de se defender da pandemia que nos infesta diante de um governo omisso e até conivente com ela por sua postura refratária às prescrições recomendadas pela ciência. Contudo, apesar dele, os brasileiros acorrem em massa aos postos de vacinação e ao uso de máscaras e se disseminam práticas de autodefesa nas periferias por meio de práticas solidárias, especialmente nos seus setores subalternos afligidos por uma situação de miséria crescente. O credo neoliberal vocalizado em tom triunfante por Margareth Thatcher de que essa coisa de sociedade não existe tem encontrado refutação eloquente na cena brasileira atual.

A constatação desse fato benévolo torna ainda mais gritante a ausência dos partidos políticos democráticos, principalmente os de esquerda, nos movimentos sociais, limitados às suas ações no âmbito parlamentar numa conjuntura onde ainda se fazem presentes ameaças reacionárias e fascistas. No mundo desertificado da política atual não se pode fazer ouvidos moucos a importante iniciativa de dois próceres da nossa política, Lula e Alkmin, de conceber uma ampla coalizão a fim de pela via eleitoral fechar as portas para o caminho de desgraças que acomete o país.

Fernando Gabeira: No embalo da pandemia

O Estado de S. Paulo.

Assim como nos Estados Unidos, embora não seja o único tema, a covid-19 terá certamente um peso eleitoral no Brasil

O ano começa com um problema que não nos deixou: a pandemia. Embora não tenha condições científicas de afirmar, parece que uma nova onda de covid-19 se abate sobre o Brasil, trazida pela variante Ômicron. Baseio-me em observações pessoais, muitos conhecidos testando positivo e também pelo crescimento do número de testes nas farmácias.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, afirma que no processo eleitoral a pandemia já estará esquecida. Naturalmente que a performance de Bolsonaro não o ajuda e os políticos que o apoiam querem passar uma borracha sobre o tema.

Mas o próprio Bolsonaro, se não bastasse a Ômicron, se dedica a prolongar a polêmica sobre a pandemia. No momento em que a imunização já avançava, ele investiu contra o passaporte sanitário. Na entrada do ano, o governo dedica-se a empurrar com a barriga a vacinação infantil, por orientação do próprio Bolsonaro.

Assim como nos Estados Unidos, embora não seja o único tema, a pandemia terá certamente um peso eleitoral. A resistência de Bolsonaro à vacinação infantil deve afastá-lo mais ainda do eleitorado feminino. Sem contar que muitas crianças voltam às aulas sem que o processo tenha sido realizado integralmente, aumentando os riscos.

Eliane Cantanhêde: Viajando na maionese

O Estado de S. Paulo

Ômicron, Delta, influenza, ‘flurona’, enchentes, rebelião do funcionalismo. E daí?, dirá Bolsonaro

É uma provocação barata e desnecessária do presidente Jair Bolsonaro sair de um hospital de São Paulo e no mesmo dia pegar outro voo para ir a um jogo de futebol de cantores sertanejos em Goiás. Dos jet skis, das férias do Natal, das férias do ano novo e da nova obstrução direto para a campanha eleitoral. Governar, que é bom, necas.

E que tal mandar interromper as férias do seu médico no Caribe para em seguida cair num jogo de futebol, enquanto inundações e enchentes da Bahia se estendem por Maranhão, Tocantins, Paraná, Minas e a própria Santa Catarina das férias presidenciais, ameaçando a vida, as casas e os bens de milhares de brasileiros?

Enquanto isso, também, a Ômicron já matou o primeiro brasileiro, em Goiás, e a covid corre solta mundo afora e acende o sinal vermelho no Rio, São Paulo, Minas, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, além do DF, onde o número de casos deu um salto de 900% do Natal aos primeiros dias de 2022.

Luiz Carlos Azedo: A pedagogia do mau exemplo na campanha antivacinas

Correio Braziliense

Bolsonaro sabota a estratégia de imunização das crianças. É um péssimo exemplo para a saúde pública.  A subnotificação está mascarando a verdadeira dimensão da quarta onda de Covid-19

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a criticar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por liberar a vacinação do público pediátrico de 5 a 11 anos. Chamou os cientistas e médicos que defendem a vacinação das crianças a partir dos cinco anos de “tarados da vacina” e reiterou que a sua filha, de 11, não será vacinada. Sua ofensiva contra a vacinação de crianças e pré-adolescentes ocorre num momento em que explodem os casos de influenza e de covid-19, inclusive com transmissão comunitária da variante ômicron. Pronto- socorros e ambulatórios estão lotados, houve aumento exponencial da procura por testes de covid-19.

Os números registrados nos Estados Unidos, Europa e Ásia revelam que a quarta onda da pandemia de covid-19 é uma realidade, com o registro de mais de 2,5 milhões de casos por dia. A interpretação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que o Brasil está fora dessa rota não corresponde à realidade. Além disso, corrobora as suspeitas de que o apagão de dados do SUS pode ter sido provocado por hackers, mas a demora para resolver o problema faz parte da má vontade e das manobras protelatórias do governo federal contra a vacinação. O ministro está incorrendo nos mesmos erros que o general Eduardo Pazuello cometeu à frente do Ministério da Saúde, ao se submeter aos caprichos do presidente da República e dar as costas à população em situação de risco sanitário.

César Felício: Contrato nupcial entre desiguais

Valor Econômico

PSB está com pouco poder de barganha para negociar com PT

A federação partidária é uma velha aspiração do PSB. Não à toa foi um parlamentar do partido que propôs o projeto aprovado no ano passado. Isso em 2015, iniciativa do então senador Antonio Carlos Valadares.

O parceiro preferencial de quase todas as articulações partidárias sempre foi o PT. Está claro, portanto, que ainda que possam acontecer outros matrimônios no jogo das legendas, os protagonistas da novela que o mundo político acompanha são PT e PSB. Partidos de centro-direita podem se federar, mas a Federação é uma antiga ideia da centro-esquerda.

Andam mal as negociações, dada a resistência petista em ceder espaços, e caciques partidários de fora da esquerda apostam que o casamento não irá se concretizar.

“A questão central é a governança. Vai ser preciso um estatuto da federação. São muitas as dúvidas. As convenções serão conjuntas ou cada sigla terá que fazer a sua? se forem juntas, como vai ser a ponderação? quem vai ter mais peso?”, indaga um adversário certo da esquerda este ano.

Bernardo Mello Franco: A advogada e o general

O Globo

Eny Moreira estudava Direito em Juiz de Fora quando leu um perfil de Sobral Pinto, o lendário defensor de presos políticos. Largou a revista e avisou a mãe: “Vou trabalhar com esse homem”. Determinada, viajou para o Rio e madrugou à espera do advogado na porta de uma igreja. No dia seguinte, estava contratada como estagiária. A parceria se estenderia por 15 anos.

Conhecida pela coragem, Eny chegou a ser presa duas vezes. Não se limitou a defender as vítimas do autoritarismo. Também denunciou as torturas praticadas nos porões. Em 1971, pediu a abertura de inquérito contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi paulista. Protestava contra as agressões ao estudante Paulo Vannuchi, que 34 anos depois se tornaria ministro dos Direitos Humanos. “Minha petição sumiu como num passe de mágica, nunca foi tomada providência”, contou, em entrevista para o livro “Advocacia em tempos difíceis”.

Eny denunciou a farsa do julgamento de Virgílio Gomes da Silva, participante do sequestro do embaixador americano. Na tribuna, disse o que as autoridades fingiam ignorar: o guerrilheiro já havia sido morto na tortura. Irritado, o juiz cassou sua palavra e ameaçou expulsá-la do tribunal.

Bruno Boghossian: A fumaça do Capitólio brasileiro

Folha de S. Paulo

Apesar de armistício, acrobacias antidemocráticas do presidente terão efeito em 2022 e no futuro

Donald Trump não conseguiu melar a eleição de 2020, mas teve sucesso em seu plano B. Um ano depois da invasão do Capitólio, um terço dos americanos acredita na informação falsa de que a disputa foi fraudada para favorecer Joe Biden, e quase metade dos republicanos não aceita até hoje a vitória do democrata.

O ex-presidente adubou o terreno político dos EUA para preservar sua influência. Mesmo derrotado, ele se consolidou como líder de um processo de divisão da sociedade americana que se tornou uma importante ferramenta eleitoral da direita.

O trumpismo se firmou como uma linha central do Partido Republicano. Dirigentes se recusam a condenar a tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021, tratam o ex-presidente como um candidato competitivo para 2024 e pegam carona nas fantasiosas alegações de fraude para aprovar medidas que restringem o voto de potenciais eleitores democratas.

Flávia Oliveira: Volta que deu ruim

O Globo

A esta altura, esperava confirmar duas semanas de férias em Salvador (BA) e reencontrar, no 2 de Fevereiro, a celebração a Iemanjá que se tornara tradição dos meus verões. Esperava não temer assistir presencialmente ao show de Maria Bethânia, após um par de anos aplaudindo-a do sofá. Esperava frequentar ensaios de rua das escolas de samba, abraçar os amigos, franquear a todos os queridos a visita a meu neto, nascido há um ano, no momento mais agudo da pandemia da Covid-19. Mas, a exemplo de ilustração viralizada há tempos sobre a ponta final da Teoria da Evolução, tive de encarar o espelho e proclamar: “Volta que deu ruim”.

É hora de reconhecer que a reabertura foi exagerada e precipitada. Antes mesmo da multiplicação da variante Ômicron, Brasil e mundo afora, o surto —no Rio de Janeiro, epidemia — fora de época da gripe H3N2 estava a confirmar. Abolimos as máscaras, abrimos a porteira, saímos às ruas, os vírus nos alcançaram. As celebrações de fim de ano — incluído o Réveillon carioca descentralizado em dez queimas, com a Praia de Copacabana restrita — deram numa confirmação de casos de Covid-19, que não produziu luto como em janeiro de 2021 em Manaus, porque a vacinação foi robusta. Não sei você, mas eu não me lembro de tantos conhecidos simultaneamente confirmados com a doença em dois anos de pandemia.

Hélio Schwartsman: Ômicron arrasa as escalas de trabalho

Folha de S. Paulo

Autoridades poderiam avaliar reduzir prazos de isolamento de profissionais de saúde

Embora os trabalhos ainda não tenham sido publicados em "journals", já dá para afirmar com alguma segurança que a variante ômicron do Sars-CoV-2 causa uma doença menos grave do que a delta. Acrescente-se a isso o fato de que, pelo menos nos países de renda alta e média, a vacinação está em geral bem avançada e temos bons motivos para crer que não veremos mais taxas de mortalidade como as de ondas anteriores.

Ainda assim, a ômicron pode ser bem disruptiva. O problema é que ela é muito, muito mais infecciosa do que as cepas precedentes. Quem conferir os gráficos de contágio em diferentes países constatará que, nas ondas prévias, as curvas de novos casos lembravam morros e até montanhas escarpadas. Mas, com a ômicron, o que vemos são paredões verticais mesmo. Se ainda não registramos isso no Brasil, é porque testamos pouco e mal e porque o sistema nacional de contabilização está bichado.

José de Souza Martins*: Ruy Ohtake e a moradia de gente

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Morto em novembro, arquiteto foi interlocutor de grande criatividade entre a cultura erudita de sua arte e a cultura popular e cotidiana das populações pobres

A morte, em novembro, do arquiteto Ruy Ohtake privou a inteligência brasileira de um personagem dos mais representativos de nossas possibilidades na área da cultura. Ele foi interlocutor de grande criatividade entre a cultura erudita de sua arte e a cultura popular e cotidiana das populações pobres.

O confinamento e as interdições decorrentes da epidemia da covid restringiram e abreviaram o tempo de sua disponibilidade para o diálogo enriquecedor com os que podiam aprender com ele. Como nós, que, na Academia Paulista de Letras, poderíamos ouvi-lo sobre suas ideias de superação da degradação urbana de São Paulo.

Filho mais velho da grande Tomie Ohtake, sua família foi criada no bairro industrial e operário da Mooca. O que pode ter influenciado sua sensibilidade em relação à situação dos que nasceram para o trabalho, mas não para os melhores frutos do trabalho. Uma característica própria da realidade social dos bairros e do subúrbio de São Paulo.

Prazo curto e impasses regionais emperram federação da esquerda

Indefinição marca as conversas entre partidos de centro-direita e de centro-esquerda sobre acordo

Por João Valadares e Marcelo Ribeiro / Valor Econômico

BRASÍLIA - Com resistências internas a serem superadas, calendário eleitoral apertado e muitas dúvidas sobre o funcionamento prático, partidos tentam destravar as negociações para a criação de federações. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as legendas têm até o dia 1º de março para solicitarem o registro formal da criação das associações.

Entre os dias 3 de março e 1º de abril, a janela partidária - período em que os deputados podem trocar de partido para concorrer às eleições sem risco de perderem o mandato - também esquenta o cenário eleitoral.

Novidade nas eleições de 2022, a possibilidade de formar federações surge após o fim das coligações e representa um mecanismo para driblar a cláusula de barreira imposta a siglas com baixas votações. Os partidos federados são obrigados a lançarem chapas conjuntas em todos os Estados e a atuarem unidos por quatro anos no Congresso e nas Assembleias Legislativas.

Apesar de a maioria das legendas já ter sinalizado em resoluções internas o encaminhamento para criação do novo mecanismo, a solução prática para formalizar a união não é simples. As disputas acirradas nos Estados entre partidos do mesmo campo acentuam as dificuldades.

Outro ponto de alerta nas legendas diz respeito às eleições municipais de 2024. Há receio sobre os critérios para escolha dos candidatos que vão representar a federação no Executivo e na Câmara dos Vereadores de 5.568 municípios brasileiros.

Na centro-direita, PSDB e Cidadania já iniciaram conversas, mas o tema não é tratado como prioridade.

No campo da centro-esquerda, PT e PSB ainda não chegaram a uma definição sobre o “casamento” de papel passado que pode incluir, além das duas siglas, PCdoB, PV, Psol e Rede.

O PSB, que se coloca como principal aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial deste ano, reivindica apoio petista a candidatos ao governo nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Acre.

Em São Paulo, por exemplo, ainda não há definição sobre o arranjo envolvendo o ex-governador Márcio França (PSB) e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Os dois são pré-candidatos ao governo paulista.

Biden: Trump ainda é uma ameaça à democracia americana

Lucas de Vitta / Valor Econômico

Biden acusou Trump de espalhar uma rede de mentiras sobre as eleições presidenciais de 2020

O presidente dos Estados UnidosJoe Biden, responsabilizou seu antecessor no cargo, Donald Trump, pelo ataque ao Congresso que chocou o mundo há um ano. Em um discurso para lembrar o aniversário da invasão, o democrata afirmou que o republicano continua representando uma ameaça à democracia e que o país precisa encarar esta realidade para evitar uma tragédia similar no futuro.

Sem citar Trump pelo nome, Biden acusou o ex-presidente de espalhar uma rede de mentiras sobre as eleições presidenciais de 2020 por simplesmente não aceitar perder, dificultando a transição de poder, algo inédito na história da democracia americana. Para ele, seu adversário incentivou que uma “insurreição armada” invadisse o Congresso para beneficiar seus próprios interesses e colocar Washington sob cerco.

“Aqui está a verdade: o ex-presidente dos EUA criou e espalhou uma teia de mentiras sobre as eleições de 2020”, disse Biden. “Ele fez isso porque valoriza mais o poder do que os princípios, porque vê seu próprio interesse como mais importante do que o interesse de seu país e porque seu ego ferido é mais importante do que nossa democracia ou nossa Constituição. Ele não consegue aceitar que perdeu.”

"Eu não busquei esta luta trazida a este Capitólio há um ano, mas também não irei recuar", continuou Biden. "Vou defender este país e não permitirei que ninguém coloque um punhal na garganta da democracia."

Ricardo José de Azevedo Marinho*: Sobre as medidas urgentes espanholas com vistas a reforma trabalhista

A pandemia da COVID-19 é uma emergência de saúde pública internacional, que originou grandes impactos a nível social e econômico, e que se teve de dar uma resposta imediata no plano sanitário, bem como através de um conjunto significativo de medidas de apoio aos desempregados e desempregadas, as empregadas e empregados e seus rendimentos.

A União Europeia (UE), tomando consciência da severidade da crise pandémica e dos seus profundos efeitos nos diferentes Estados-Membros, promoveu uma resposta coletiva e concertada, tendo os Estados-Membros acordado simultaneamente o Quadro Financeiro Plurianual para o período 2021-2027 e os instrumentos de recuperação europeia, designado de Próxima Geração da UE, aprovado no Conselho Europeu, em julho de 2020, ou seja, já havia a previsão de perdas geracionais ainda no princípio do primeiro ano pandêmico. Com efeito, os Estados-Membros comprometeram-se com uma visão de futuro conjunto, para dar forma nas mitigações dos efeitos que decorreriam da capacidade de resposta totalmente assimétrica dos Estados-Membros.

É neste contexto que se deve falar da proposta de reforma trabalhista na Espanha pois evoca um processo complexo de tempos diferentes onde a pandemia cruza um conjunto longuíssimo de mudanças que não conseguiram acabar com os seus graves problemas no seu mercado de trabalho. A conjunção de pandemia com a história institucional trabalhista espanhola extremamente complexa fez com que o trabalho por lá (e não só lá) fosse afetado ainda mais pelo desemprego, pelas más condições de emprego e impede a plena cidadania no trabalho.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O incendiário do Palácio do Planalto

O Estado de S. Paulo.

Com reajuste para forças de segurança, Bolsonaro encoraja funcionários públicos e policiais civis e militares a criarem um caos no País

O presidente Jair Bolsonaro armou mais uma crise para seu próprio governo ao prometer reajustes salariais às carreiras policiais ligadas ao Ministério da Justiça, deflagrando uma reação em todas as demais categorias de servidores públicos. Em um país que já sofre com inflação alta, juros em ascensão e desemprego elevado em meio ao recrudescimento de casos de covid-19 e, agora, também de influenza, tudo que a sociedade não precisava era de uma ameaça de greve. A entrega de cargos de chefia por funcionários da Receita Federal, Banco Central e auditores fiscais do Trabalho é mais um elemento de instabilidade para a economia, cujas projeções de crescimento foram reduzidas a 0,36% para este ano, conforme o mais recente boletim Focus.

A resposta da elite do funcionalismo cresce a cada dia, e nem poderia se esperar algo diferente. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), cerca de mil servidores já abriram mão de funções comissionadas e, segundo o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), quase metade dos 3,5 mil em cargos de confiança teria se comprometido a fazer o mesmo. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), associação formada por mais de 30 entidades que representam 200 mil pessoas, marcou uma paralisação para 18 de janeiro e não descarta uma greve geral em fevereiro.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: A mesa

O jornal dobrado

sobre a mesa simples;

a toalha limpa,

a louça branca

 

e fresca como o pão.

 

A laranja verde:

tua paisagem sempre,

teu ar livre, sol

tuas praias; clara

 

e fresca como o pão.

 

A faca que aparaou

teu lápis gasto;

teu primeiro livro

cuja capa é branca

 

e fresca como pão.

 

E o verso nascido

de tua mão viva,

de teu sonho extinto,

ainda leve, quente


e fresco como pão.