segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Fernando Gabeira: A pandemia de nossas vidas

O Globo

Durante um ano, escrevi todos os dias sobre a pandemia do coronavírus. Com a chegada da vacina, voltei a viajar e pensava que estávamos caminhando para o fim de toda a tragédia.

A vacina funcionou para mim como uma centelha de esperança. E, como dizia Albert Camus, “depois que a menor centelha de esperança se tornou possível, acabou o domínio da peste”.

Para muitos de nós, esta pandemia é uma experiência única. Não há mais sobreviventes da Espanhola. O ebola foi contido na África Ocidental e vencido nos últimos meses de 2015.

De certa forma, tivemos sorte. Na chegada do vírus, os cientistas já haviam passado por quatro fases, a julgar pelo livro “O gene: uma história íntima”, de Siddhartha Mukherjee.

Já se conhecia a base celular da hereditariedade, os cromossomos. Em seguida, definiu-se a base molecular da hereditariedade: a dupla hélice de DNA. Antes de sequenciar o genoma humano, foi possível desenvolver o mecanismo pelo qual as células leem as informações contidas em genes.

Os cientistas aprenderam a fazer o mesmo, com a invenção da tecnologia de clonagem e sequenciamento do DNA recombinante. Na minha visão de leigo, consigo imaginar que daí foi possível produzir uma mensagem para que nossas células combatessem o vírus.

Demétrio Magnoli: Terceira via, miragem e realidade

O Globo

O fracasso da “terceira via” está expresso nas sondagens de opinião pública. Segundo as análises convencionais, a explicação para o fracasso encontra-se na polarização política entre Bolsonaro e Lula, que fecharia o caminho a uma candidatura alternativa, de centro. Há bem mais que um simples equívoco no diagnóstico.

Polarização? As pesquisas evidenciam que a rejeição a Bolsonaro situa-se em torno de 60% do eleitorado. São os que não votariam no presidente em nenhuma hipótese, parcela que chega a 64% entre os pobres e 54% na Região Sul, suposta fortaleza do bolsonarismo. Se o pleito fosse hoje, Lula triunfaria no primeiro turno. A polarização circunscreve-se às redes sociais. Não existe polarização eleitoral.

A tese da “terceira via” assenta-se exclusivamente sobre a antiga constatação de que o lulismo não controla a maioria do eleitorado. Isso ficou provado nas quatro vitórias consecutivas do lulopetismo, duas de Lula e duas de Dilma, que só tiveram desenlace no segundo turno. Daí os arautos da “terceira via” concluem pela existência de uma vasta parcela dos eleitores dispostos a sufragar uma candidatura alternativa.

Mirtes Cordeiro*: Será a juventude o futuro do nosso País?

A prioridade agora para a maior parte da população jovem é sobreviver junto com suas famílias.

“Não só esta, mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia”, adverte Tauá Pires, coordenadora da área das juventudes da Oxfam Brasil.

O Brasil tem sido um país que apresenta muitas dificuldades para nele se viver nos últimos tempos, mas, sobretudo, para a juventude, que independente da pandemia já sofria com a ausência de políticas públicas dirigidas para esse segmento da população, ou com a ineficiência das políticas existentes.

Dados e indicadores dão conta que jovens foram os mais impactados com a desigualdade social e tecnológica ampliada pela pandemia, com a redução de renda, aumento do desemprego, violência policial e exclusão educacional.

A prioridade agora para a maior parte da população jovem é sobreviver junto com suas famílias.

Em pesquisa realizada em 2020 e liderada pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), outras evidencias se sobressaem entre os jovens, tais como: medo de perder um familiar preocupa 75% dos jovens e 48% temem perder sua saúde. Os principais desafios neste momento estão relacionados às questões emocionais geradas pelas intranquilidades dentro da família, onde o acolhimento sempre é essencial para a proteção e bem-estar dos filhos.

Bruno Carazza*: Os blefes de Bolsonaro

Valor Econômico

Presidente da República veta e o Centrão derruba

Bolsonaro avisou que vai vetar o projeto que legaliza os cassinos no Brasil. Em entrevista à Rádio Viva FM, do Espírito Santo, na semana passada, o presidente declarou que “os jogos de azar, no meu entender, não são bem-vindos no Brasil”. Alertou, contudo, que o Congresso Nacional é um Poder independente, e que cabe aos deputados e senadores a palavra final, pois têm condições de derrubar seu veto.

“Pacto com o diabo!” - essa foi a reação de Damares Alves após a apresentação do então ministro Marcelo Álvaro Antônio sobre o projeto de “resorts integrados”, que combinariam hotelaria e casas de apostas, em estudo na sua pasta, na famosa reunião de 22 de abril de 2020.

Quase dois anos depois, a decisão de Bolsonaro de vetar o PL nº 442/1991, caso os parlamentares aprovem a legalização dos jogos de azar no Brasil, é um agrado à sua ministra mais terrivelmente evangélica e a toda a sua base de eleitores religiosos que veem na jogatina um meio de destruição da paz familiar. Acontece que o presidente está blefando.

Assis Moreira: A Ásia como fonte de novos financiamentos

Valor Econômico

Ásia tem destaque crescente nas relações do Brasil e, em 2021, 46,3% das exportações do país foram para economias da região

A aprovação do primeiro empréstimo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) para o Brasil transcende a operação de US$ 100 milhões para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Sinaliza uma nova ponte para negócios Brasil-Ásia. E sinaliza também na direção de uma diversificação, mesmo modesta inicialmente, na tomada de recursos fora do eixo multilateral tradicional Estados Unidos-Europa.

Marcus André Melo*: STF pós Bolsonaro

Folha de S. Paulo

O tribunal mudou o seu padrão de atuação no governo Bolsonaro

O hiperprotagonismo do STF na última década foi produzido por diversos fatores dentre os quais o papel que cumpre como corte criminal, como argumentei nesta Folha. É claro que outros fatores e episódios singulares —como o impeachment presidencial e iniciativas parlamentares conexas— também contribuíram.

Mas a sobrecarga da agenda do Supremo que levou a sua politização e alta visibilidade pública deve-se à sua atuação como juízo criminal em um quadro de escândalos ciclópicos de corrupção. Não há nas atuais democracias corte suprema que possua jurisdição criminal como o STF, que acumula tais funções com as de corte recursal e constitucional.

Após 2019, esse protagonismo muda de chave e volta-se para a contenção do iliberalismo bolsonarista, o que fez com grande efetividade até agora. Paradoxalmente, o sucesso dessa contenção decorre, como tem argumentado Diego Arguelles, de sua atuação na esfera criminal.

Carlos Pereira*: Ferido de morte?

O Estado de S. Paulo

O Brasil requer um presidente que saiba como o presidencialismo multipartidário funciona

Tem havido grande preocupação sobre riscos de disfuncionalidades do presidencialismo brasileiro com as mudanças ocorridas nas emendas individuais e coletivas dos parlamentares, que passaram a ter sua execução obrigatória.

Com as emendas impositivas, o Executivo perdeu uma ferramenta decisiva que, além de baixo custo, proporcionava liquidez e transparência nas suas negociações com os legisladores. Como resultado, o preço do apoio legislativo foi inflacionado quando os parlamentares perceberam que não mais necessitavam votar consistentemente com o presidente para terem as suas emendas executadas.

O Executivo foi obrigado a encontrar outras ferramentas de formação e manutenção de maiorias legislativas. A saída encontrada foi as emendas de relator, que além de caras não são transparentes. Os presidentes da Câmara e do Senado passaram a definir quem seria beneficiado, ao invés do Executivo. A consequência foi o enfraquecimento da disciplina partidária, pois os legisladores não precisam mais seguir as preferências dos líderes dos seus partidos para terem acesso a tais recursos.

Por ter uma base eleitoral nacional, a coordenação da execução de emendas parlamentares pelo presidente tem o potencial de seguir uma lógica virtuosa, de busca de aprovação de políticas universais. Já a coordenação da execução das emendas pelos próprios parlamentares, por estes terem uma base eleitoral muito mais circunscrita, tende a privilegiar políticas locais com maiores riscos de predação e ingovernabilidade.

Sergio Fausto*: O Chile sob nova direção

O Estado de S. Paulo

É cedo para dizer se a nova liderança política terá sucesso. As expectativas são grandes, assim como as dificuldades para cumpri-las

A eleição de Gabriel Boric para a presidência produziu um fenômeno raro em democracias razoavelmente maduras: um corte geracional na liderança política. É um fenômeno ao mesmo tempo político e cultural, que não se limita ao modo mais despojado de se vestir dos novos líderes.

O presidente eleito, com 35 anos e tatuagens no braço, não chega ao poder sozinho. Junto vem uma geração que com ele compartilha mais do que o fato de haver nascido na década de 1980.

Com poucos sobrenomes ilustres, origem regional mais diversa (o próprio Boric é de Magallanes, no extremo sul) e mais mulheres (entre elas a médica Izkia Siches, nascida em Arica, no extremo norte, chefe de campanha do presidente eleito), ela se diferencia da geração antecedente, que liderou a transformação do Chile no país mais desenvolvido da América Latina.

Um rápido exame da biografia dos novos membros da elite política é suficiente para indicar o quanto o Chile mudou para melhor nos últimos 30 anos, com a expansão da classe média, desconcentração da atividade econômica no território e ampliação do acesso ao ensino universitário, entre outros avanços. Nesse sentido, a geração de Boric é filha da Concertación, a aliança de centro-esquerda que governou o país em cinco dos sete últimos mandatos presidenciais. Filha rebelde, que chega ao poder com a ambição de superar o que considera o pecado original da geração anterior: não haver rompido com a herança “neoliberal” da ditadura de Pinochet (apesar das 50 emendas feitas à Constituição).

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Autoridades precisam investigar suspeita contra ‘gabinete do ódio’

O Globo

É obrigação das autoridades investigar e dirimir as dúvidas sobre o interesse da milícia digital instalada no Palácio do Planalto conhecida como “gabinete do ódio” por ferramentas de espionagem. O portal UOL noticiou que um integrante dessa milícia — investigada no Supremo Tribunal Federal sob a acusação de promover campanhas de difamação, desinformação e ataques à democracia —, manteve contato em Dubai com um representante da DarkMatter, fornecedora de sistemas de arapongagem.

Composta por programadores egressos das Forças Armadas de Israel, a empresa tem sede em Abu Dhabi e vende sistemas para invadir celulares e computadores chamados “spyware”. Seus serviços são semelhantes aos da também israelense Pegasus, acusada no ano passado pela Anistia Internacional de propiciar a invasão dos celulares de mais de 50 mil ativistas, jornalistas, políticos e personalidades de interesse espalhadas pelo mundo, até mesmo chefes de Estado.

De acordo com a reportagem do UOL, um “perito em inteligência e contrainteligência” ligado ao “gabinete do ódio” visitou no dia 14 de novembro o estande de Israel na Dubai AirShow, uma feira aeroespacial no Oriente Médio, onde manteve contato com representantes da DarkMatter. O texto afirma que integrantes do gabinete do ódio também buscam informações sobre outros softwares espiões como o Pegasus. Depois da publicação, a bancada do PSOL na Câmara enviou ao Ministério Público Federal (MPF) uma requisição solicitando investigação a respeito.

Poesia | Joaquim Cardozo: Tarde no Recife

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.

Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: — alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes,
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos
[holandeses,
Que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas
[do Pacífico;
Recife romântico dos crepúsculos das pontes
E da beleza católica do rio.

Joaquim Ferreira dos Santos: O que Nara tem a ver com Elza

O Globo

Uma morou de frente para o mar de Copacabana e a outra chafurdou os pés da infância na brincadeira de caçar caranguejo no charco da Vila Vintém. No entanto, na todavia das águas cariocas, elas acabaram se parecendo e, semana passada, unidas pela misteriosa música do Destino, Nara Leão e Elza Soares encontraram-se novamente.

No mesmo momento em que Nara renasce, celebrada num documentário que a coloca no devido altar das deusas da canção, Elza se despede e parte para a eternidade. Uma cantava baixinho, a outra vibrava os mais altos tons da melodia. Cada uma no seu contracanto, “Lindoneia” e a “Maria da Vila Matilde”, ajudaram a inventar uma mulher brasileira.

Elas estavam juntas em 20 de maio de 1960, no palco do teatro da faculdade de arquitetura da Praia Vermelha, num dos primeiros shows da bossa nova, o movimento que em seguida desprezariam. Já dá para imaginar as duas se reencontrando agora, na nuvem bordada de sianinhas para onde vão as grandes cantoras, e, às gargalhadas, se perguntando o que, diabos, faziam naquele show?

A música brasileira teve irmãs de sangue como Aurora e Carmen Miranda, Linda e Dircinha Batista. Nara e Elza são de outra irmandade, aquela das cantoras corajosas que mudaram o disco e aproveitaram para avançar na rotação da vitrola feminista. Moviam-se pelo vento ateu de suas convicções.