sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Vera Magalhães: Diplomacia das trevas

O Globo

Jair Bolsonaro foi o último líder mundial a aparecer em fotos, com um sorriso orgulhoso nos lábios sempre abertos em demasia para ocasiões formais, ao lado de Vladimir Putin antes de o autocrata russo efetivar a invasão militar a um país soberano e iniciar uma guerra cuja extensão ainda está por ser determinada.

Não satisfeito em ir a Moscou em condições sabidamente adversas e delicadas e em se regozijar com o acesso e a proximidade concedidos a ele por Putin, expressou uma difusa “solidariedade” ao russo quando ele já se encaminhava para colocar em prática seus antigos e meticulosos planos de guerra.

Para coroar a trapalhada, a visita foi precedida e sucedida por um show de babação de ovo sobre Putin da parte do próprio presidente, de seus ministros, de parlamentares e de outros menos credenciados.

E agora? Agora, todos os “conselheiros” que levaram Bolsonaro a pagar essa sucessão de micos demonstram perplexidade com a escalada do conflito e não conseguem dar uma resposta rápida e inequívoca que tire o Brasil da insustentável posição de não condenar a invasão de um país a outra nação soberana, princípio básico e elementar que deveria nortear a diplomacia em uma democracia.

Bernardo Mello Franco: Putin não ouviu o Mito

O Globo

Se não estivesse gravado, seria difícil acreditar. Quando os tanques russos já se aproximavam da fronteira da Ucrânia, um ministro brasileiro assegurou que o mundo podia dormir tranquilo. Segundo Gilson Machado, Vladimir Putin teria desistido da invasão ao ouvir uma “mensagem de paz” de Jair Bolsonaro. “Graças a Deus, já foram retiradas as tropas e não se fala mais em guerra”, decretou.

O dublê de ministro e sanfoneiro não delirou sozinho. Apenas repetiu para as câmeras a mentira que circulava nas redes bolsonaristas. Desde que o capitão pisou no Kremlin, no início da semana passada, a fábrica das fake news trabalhou pesado. Com memes e notícias falsas, propagou a cascata de que o Mito teria evitado a Terceira Guerra Mundial.

Flávia Oliveira: Nada de bom no horizonte

O Globo

Terceiro ano de pandemia, 428 milhões de casos confirmados e 5,9 milhões de mortos pela Covid-19 planeta afora, nem 40% da população global vacinada até a virada de 2022, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Territórios e vidas varridos por desastres naturais severos em todos os continentes. Floresta Amazônica apequenando-se entre chamas e pilhagem. E começa uma guerra. Não venho apontar fatos históricos, erros, justificativas para a escalada do conflito que deu no ataque da Rússia de Vladimir Putin à vizinha Ucrânia. Só lembrar que nada de bom surge da guerra. Na incapacidade de a diplomacia e as lideranças globais garantirem a paz, perdemos todos, brasileiros incluídos.

Pedro Doria: Tanques, mísseis — e hackers

O Globo

Na segunda semana deste mês de fevereiro, os ucranianos tiveram dificuldade de acessar inúmeros dos sistemas bancários do país. Estava começando, ali, o maior ataque de negação distribuída de serviço (DDoS) de sua História — não é pouco, a Ucrânia é um dos países com maior experiência em ataques cibernéticos no mundo. Esse tipo em particular é força bruta. Robôs fingem ser pessoas aos milhões tentando acessar sites, apps, o que for. O resultado é que, sobrecarregados, os servidores ficam lentos e caem. O que estamos vendo naquele país, desde a madrugada de quinta-feira, não é apenas a primeira guerra de conquista em solo europeu desde que Adolf Hitler invadiu a Polônia em 1939. É também a primeira guerra “figital”, física e digital, simultaneamente.

O objetivo de uma guerra digital é desestabilizar a infraestrutura de um país nos momentos anteriores à invasão com tanques. Ao longo de fevereiro, os ucranianos tiveram dificuldade de fazer transferências de dinheiro, sacar recursos, pagamentos atrasaram ou não chegaram a ser feitos. Já de cara, no momento em que os primeiros mísseis caíram sobre Kiev, a vida financeira do país não estava em dia. E não dará tempo para organizar.

Eliane Cantanhêde: Não à guerra!

O Estado de S. Paulo

Brasil não vai à guerra e não apoia sanções, mas tem de repudiar veementemente a guerra

Ao invadir a Ucrânia por ar, terra e mar, Vladimir Putin chacoalha o mundo no fim da pandemia, ameaça a economia internacional, confronta a Europa, enfraquece Joe Biden e fortalece a volta de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos, ainda a maior potência. Isso tem consequências no Brasil? Obviamente que sim.

Cuidado com o calibre dos ataques a Biden. Quanto mais a diplomacia, a academia e a mídia esculacham Biden, mais crescem as chances de um novo mandato para Trump, o que é conveniente para Putin, que interferiu a favor de Trump contra Hillary Clinton nas eleições americanas, e para o presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição e espaço na extrema direita internacional.

Luiz Carlos Azedo: Crise da Ucrânia é uma mudança na política mundial

Correio Braziliense

Até agora, os Estados Unidos não recorreram à ação militar direta. A razão é óbvia: A Rússia herdou a paridade estratégico-militar da antiga União Soviética, em razão do seu poderio nuclear

Estava escrito nas estrelas o que acontece na Ucrânia, invadida por tropas do Exército russo por ordem do presidente Vladimir Putin. A dura retaliação econômica dos Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) aos dirigentes, magnatas e instituições financeiras russas também. Joe Biden, o presidente dos Estados Unidos, desde o primeiro momento da crise, ao lado do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, havia advertido que o Ocidente não toleraria uma agressão à Ucrânia. Os dois pagaram para ver e, agora, estamos diante de um novo conflito envolvendo as fronteiras da Europa, descongeladas pela queda do Muro de Berlim e o fim da antiga União Soviética, no final do século passado.

É bom lembrar que os Estados Unidos atuam como uma espécie de xerife do mundo, nem sempre sob a bandeira da Organização das Nações Unidas (ONU), desde a dissolução da antiga Iugoslávia, em 1991. Ironicamente, com apoio da Rússia, os EUA contiveram os planos expansionistas da Sérvia, duramente bombardeada por três meses. A política de limpeza étnica do então presidente sérvio, Slobodan Milosevic, foi punida exemplarmente. Depois de perder as eleições em 2000, o líder nacionalista acabou preso por crimes de guerra no cerco à Sarajevo e pelo massacre de Srebrenica, ocorrido em julho de 1995, quando tropas sérvias executaram cerca de oito mil bósnios. Os Estados Unidos também exerceram o papel de xerife no Iraque, na Líbia, na Síria e no Afeganistão, entre outros países.

Fernando Luiz Abrucio*: Bolsonaro é um risco geopolítico

Valor Econômico

Não é só incompetência e ignorância, é um sistema cuja ideia é criar um modelo político similar à Rússia de Putin e à Hungria de Orbán

A evolução do governo Bolsonaro é a criação de uma série de riscos ao futuro do país. Para quem conhecia minimamente a história do deputado que defendeu o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique e que disse que a ditadura deveria ter matado pelo menos mais 30 mil pessoas, o risco democrático já estava na mesa desde a posse. De lá para cá, o cenário tornou-se mais perigoso, seja porque a ameaça à democracia é renovada quase toda semana, seja em razão de outros riscos terem sido incluídos nessa lista.

O mais danoso deles deriva da última viagem desastrosa à Rússia: o presidente colocou o Brasil sob risco geopolítico em suas relações com o Ocidente. Esse posicionamento pode custar anos de isolamento político e piora no cenário econômico.

César Felício: Rússia é embaraço para Lula e Bolsonaro

Valor Econômico

Polarização no Brasil rechaça Biden e aceita Putin

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por motivos diferentes, aproximam-se em relação à guerra no Leste Europeu. Tanto um como o outro são associados com o campo do agressor, o presidente russo Vladimir Putin. Tanto um como o outro tentam se distanciar dele.

Bolsonaro acabou de voltar da Rússia em uma visita consensualmente vista como inoportuna por analistas internacionais, mas festejada por seus adoradores. Não só esteve na Rússia durante a iminência da guerra como declarou-se solidário ao país, e, em tom de troça, se disse responsável por uma inexistente distensão da crise internacional.

Lula não se compromete no mesmo grau, mas o antiamericanismo que tem livre curso no PT tende a perfilar o lulismo no polo oposto aonde esteja os Estados Unidos, seja contra Putin, o Talibã ou a Coreia do Norte.

Como o americano Joe Biden é o grande antagonista no momento de Vladimir Putin, Lula terá a associação de sua imagem com o russo.

Maria Cristina Fernandes: Conflito desorienta e ‘normaliza’ bolsonarismo

Valor Econômico

Fracasso do vaticínio bolsonarista foi o que de melhor poderia ter acontecido para o front interno da guerra eleitoral

O fracasso do vaticínio bolsonarista sobre as perspectivas do conflito na Ucrânia foi o que de melhor poderia ter acontecido para o front interno da guerra eleitoral do presidente Jair Bolsonaro.

Suas declarações de solidariedade “à busca de Putin pela paz”, feitas uma semana antes do ataque russo à Ucrânia, ganharam competidores à altura.

A deflagração da guerra não apenas trouxe à tona outros posicionamentos estapafúrdios nas fronteiras nacionais, quanto expôs o fracasso de dirigentes estrangeiros que assumiram, de fato, o risco da mediação do conflito.

Nesse ambiente em que todos erram e ninguém tem razão eis que aparece Bolsonaro, às 16h de ontem, no Twitter, dizendo-se empenhado em “proteger e auxiliar” os brasileiros na Ucrânia. Já não tomou partido nem se aventurou na geopolítica, apenas pôs a embaixada em Kiev à disposição dos 500 brasileiros que vivem no país e os que lá estão de passagem. Não tem como ser contra.

Já não se pode dizer o mesmo em relação ao vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro a ombrear com o Bolsonaro de Moscou, ainda que de ponta cabeça. Mourão defendeu o uso da força e disse que se o Ocidente deixar que a Ucrânia caia por terra, Putin prosseguirá até reproduzir a Alemanha hitlerista dos anos 30.

Claudia Safatle: Com a guerra, aumenta a inflação no Brasil

Valor Econômico

Os impactos da invasão Russa à Ucrânia chegam ao país nos preços da energia e dos combustíveis

A guerra declarada pela Rússia, que invadiu a Ucrânia ontem por terra, mar e ar, deverá trazer um pesado custo para o Brasil. Os impactos chegam aqui nos preços da energia e dos combustíveis. A Petrobras não vai poder segurar os preços da gasolina, do gás e do diesel por muito tempo. Ontem, o preço do barril de petróleos superou a marca de US$ 105 na máxima do dia, fechando em US$ 99,36 o barril do tipo brent

São questões “politicamente muito carregadas, com coisas muito impopulares, que afetam o mundo todo e não só o Brasil”, comentou um ex-presidente do Banco Central, que optou pelo anonimato. “Vai ser uma grande confusão”, previu ele.

Bruno Boghossian: Mediocridade internacional

Folha de S. Paulo

Presidente falou demais quando ataque era só ameaça e liderou hesitação quando tropas avançaram

Quando a invasão da Ucrânia era uma ameaça que deixava o mundo sob tensão, Jair Bolsonaro falou demais. Foi a Moscou para prestar solidariedade aos russos que intimidavam o país vizinho e espalhou a falsa impressão de que o governo local não estava interessado numa guerra. "A leitura que eu tenho do presidente Putin é que ele é uma pessoa que também busca a paz", declarou.

Uma semana depois, tropas enviadas pelo Kremlin atravessaram a fronteira ucraniana, e Bolsonaro preferiu se encolher. Na manhã em que a guerra começou, o presidente ignorou o assunto: conversou com apoiadores sobre o jogo do Palmeiras, voou para mais um evento de campanha antecipada e manteve a diplomacia brasileira num vergonhoso estado de hesitação.

Hélio Schwartsman: Invasão da Ucrânia é ilegal, imoral e burra

Folha de S. Paulo

Rússia deu à Otan uma boa razão para existir e até para se expandir.

Ilegal, imoral e burra. É assim que eu classificaria a decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia. O autocrata russo até que vinha se saindo bem em sua queda de braço com o Ocidente. Estava conseguindo explorar com relativo sucesso as divisões entre europeus e americanos e, se insistisse, poderia alcançar alguns de seus objetivos sem disparar um único tiro. Mas, ao promover um conflito de larga escala, Putin se expõe à tirania das incertezas.

Com efeito, até aqui o jogo era essencialmente definido pelas escolhas do próprio Putin e de meia dúzia de líderes mundiais. Com a guerra, qualquer comandante de pelotão pode deflagrar escaladas sem volta. Quatro países da Otan têm fronteira com a Ucrânia. Uma escaramuça mal resolvida num deles pode, ao menos no papel, arrastar a aliança militar ocidental para um embate direto com tropas russas.

Cidadania condena ataque da Rússia à Ucrânia, pede ação do Brasil pela paz e cobra retirada de brasileiros da zona de guerra

“A agressão a um país soberano deve ser repelida pelo mundo democrático”, diz partido

Como sucessor do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Popular Socialista (PPS), que sempre defenderam a política de paz, inclusive no período mais grave da guerra fria propugnando pelo desarmamento, o Cidadania condena os ataques da Rússia à Ucrânia e conclama o governo brasileiro a agir por uma conferência de paz que cesse as hostilidades no leste europeu.

O Brasil e seu presidente não podem assistir à eclosão de uma guerra no coração da Europa, envolvendo grandes parceiros nacionais, sem se posicionar. É preciso reafirmar a defesa da não intervenção e da soberania dos povos e condenar os ataques da Rússia à Ucrânia, que violam leis internacionais e colocam em risco a paz na Europa.

Urge a retirada dos brasileiros da área de conflito. E um plano contra os efeitos da guerra, que chegarão primeiro via aumento dos preços do petróleo e inflação. Além de contrariar nossos princípios constitucionais, o conflito não interessa economicamente ao país.

Ivan Alves Filho*: Em busca de uma solução pacífica para o caso da Ucrânia

O mapa político do mundo parece ter retrocedido a 1914. E é preciso recordar aqui o posicionamento dos bolcheviques conduzidos por Vladimir Lenin em relação ao conflito bélico que começou a sacudir a Europa naquela quadra: não à guerra imperialista e total apoio à luta dos povos contra ela. Os mencheviques internacionalistas liderados por Julius Martov também defenderiam essa posição. O povo russo, três anos depois, iniciava um processo revolucionário que abalaria o mundo. Nunca é demais lembrar que a Rússia Soviética declararia unilateralmente a paz. 

Esta é a herança que precisamos resgatar. Ou seja, aquela da opção pela paz e concórdia entre os povos. 

A guerra mundial de 1939-1945 também ensina. Sob essa ótica, o que mais impressiona neste conflito militar, iniciado pela Rússia de Putin, é o desequilíbrio entre o poderio militar russo e as suas limitações econômicas e também demográficas. Se a Alemanha nazista possuía muita gente para pouco território, a Rússia de Putin tem muito território para pouca gente. Aí mora o perigo, a tentação imperialista. A mescla de identitarismo étnico com terror e manipulação nacionalista tem endereço certo: fascismo. 

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Brasil deveria condenar invasão com veemência

O Globo

Numa leitura bastante generosa, foi tímida a primeira reação do governo brasileiro à invasão russa da Ucrânia, que deveria ter sido condenada com presteza e veemência. Depois de sua visita recente a Moscou, em que empenhou “solidariedade” a Vladimir Putin, o presidente Jair Bolsonaro ignorou o assunto nos discursos que fez ontem em São Paulo. Só na sua “live” noturna resolveu desautorizar o vice, Hamilton Mourão, que condenara o ataque russo. Pela manhã, enquanto o mundo democrático manifestava repúdio pela guerra em termos firmes, o Itamaraty se debatia com os termos da nota oficial cheia de dedos que emitiu.

Em vez de condenar a invasão, o governo brasileiro manifestou apenas “preocupação com a deflagração de operações militares” e fez um apelo pela “suspensão imediata das hostilidades”. É pouco. Noutra situação, se Bolsonaro não tivesse lançado o Brasil ao limbo da geopolítica internacional, poderíamos até ter um papel de mediação que justificasse o comedimento em deferência aos russos. Não é o caso. A reação brasileira deveria ter sido veemente. Até para desfazer o mal-estar provocado pela viagem de Bolsonaro em aliados bem mais relevantes aos interesses brasileiros, como Estados Unidos ou os países europeus. Como integrante do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil tem o dever de apoiar uma resolução que condene a invasão com firmeza, sem tergiversar nem tentar fazer média com Putin.

Poesia | Vinicius de Moraes: A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.