terça-feira, 1 de março de 2022

Merval Pereira: Carnaval, carnavais

O Globo

‘Existem no Brasil apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o carnaval.’ Essa frase, atribuída ao barão do Rio Branco, é perfeita para explicar por que o carnaval aconteceu mesmo tendo sido oficialmente adiado devido à pandemia da Covid-19. O mesmo se deu há 110 anos, devido justamente à morte do próprio barão, o então ministro do Exterior, José Maria Paranhos Júnior, um apaixonado por carnaval e pela cultura brasileira.

No mês do centenário de morte do barão, que, aliás, manteve o título mesmo depois de proclamada a República, publiquei um texto na edição eletrônica do GLOBO que merece ser relembrado. O barão morreu no dia 10 de fevereiro de 1912, quando estava tudo pronto para o carnaval no dia 17 de fevereiro. O governo decretou luto oficial e transferiu o carnaval para o dia 6 de abril, o mesmo mês em que acontecerá nosso carnaval oficial.

Assim como há 110 anos, o carnaval da pandemia aconteceu em festas de rua, em lugares fechados e até mesmo com convites pagos, em vários estados e cidades. O adiamento do carnaval só aconteceu essas duas vezes, por razões de tragédias. A nova cepa Ômicron inviabilizou o carnaval oficial deste ano, assim como a morte do barão do Rio Branco provocou uma comoção nacional, com milhares de pessoas chorando na fila de seu velório. Muitos blocos desfilaram na data marcada, embora as lojas e repartições públicas estivessem fechadas e, depois do luto, outro carnaval começou.

Carlos Andreazza: Ustra nos costumes, Tarcísio na economia

O Globo

Bolsonaro palestrou para o mercado financeiro. Estava bravo. Tom em que apresentou o tripé por meio do qual pretende ser competitivo — e creio que será — em 2022: radicalizar contra o “establishment”, atacando sobretudo a credibilidade da urna eletrônica, para alimentar sua base de apoio sectária; radicalizar na sociedade com Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, de modo a colher em votos a perversão do Orçamento em orçamento secreto para reeleição; e radicalizar na mobilização do sentimento antilulopetista, ora adormecido.

Palestrou para a mesma plateia que o ovacionara quatro anos atrás, então pré-candidato, enquanto desfilava sua agenda econômica: valorizar a banana do Vale do Ribeira, destinada a competir com a do Equador, e investir na transformação da Baía de Angra numa nova Cancún. Já havia Paulo Guedes, embora ausente do evento. Ausente, mas presença o suficiente — fiador o bastante — para que não houvesse dúvida, apesar das bananas e de suas cascas: Bolsonaro, “mito, mito!”, já era, meses antes do primeiro turno, o escolhido.

Míriam Leitão: Rússia sitiada na economia

O Globo

O ataque do Ocidente à Rússia de Vladimir Putin, na área financeira, foi sem precedentes, e o país foi arremessado de volta à crise de 1998, quando as moedas dos países emergentes sofreram colapsos seriais. Certamente o presidente Vladimir Putin subestimou a reação dos grandes países, nos quais depositou suas reservas. No fim do dia, o quinto da guerra que declarou contra a Ucrânia, seu Exército estava às portas de Kiev, seu Banco Central estava de joelhos, e sua população estava numa corrida contra o rublo. Putin acumulou US$ 630 bilhões de reservas para descobrir que o Manifesto Comunista, que deve ter lido nos tempos de espião soviético, continha o melhor alerta: “Tudo o que era sólido desmancha no ar”.

Luiz Carlos Azedo: Não adianta ficar Putin, a Ucrânia já ganhou

Correio Braziliense

Política e moralmente, o presidente russo já está derrotado; pode até ocupar Kiev, a capital ucraniana e berço histórico da própria Rússia, porém, cedo ou tarde, terá que bater em retirada

O samba vencedor de 1991 do Bloco de Segunda foi um dos melhores do Carnaval carioca daquele ano, empolgando a multidão que desfilou pelas ruas do Humaitá já na concentração dos foliões, a área de descarga dos caminhões que abastecem a Cobal de Botafogo. Era o início da chamada Era Collor de Mello, o breve, que havia sido eleito com a discurso de por o Brasil em sintonia com o mundo moderno. Progresso, civilização, o jovem presidente propunha ao Brasil retomar o rumo do futuro, a partir da abertura comercial e da ultrapassagem do velho modelo de substituição das importações pela integração competitiva à economia mundial.

Estado mínimo, privatizações, modelo de acumulação flexível, sua agenda neoliberal era polêmica, mas fracassou. O que não faltava para os blocos de rua, que ressurgiam com força por todo o Rio de Janeiro, era assunto para sambas e marchinhas. Por exemplo, o confisco da poupança, que fez naufragar o plano econômico da então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, e do presidente do Banco Central (BC), Ibrahim Eris.

Eliane Cantanhêde: Dicotomia ou esquizofrenia?

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro fala uma coisa, o Itamaraty faz outra. Neutralidade ou equilíbrio?

O mundo acompanha, estupefato, a dicotomia insana do Brasil diante da invasão russa na Ucrânia, que terá drásticas consequências por toda a parte. O presidente Jair Bolsonaro diz uma coisa, o Itamaraty faz outra. Ele anuncia “solidariedade” à Rússia e “neutralidade”, mas o Brasil votou contra a Rússia na ONU e o chanceler Carlos França corrigiu ontem na Globonews: a posição do Brasil “é de equilíbrio, não de neutralidade”.

Uma vez negacionista, sempre negacionista, e o Brasil tem o azar, ou a imprudência, de ter um presidente que deu de ombros para a pandemia, as vacinas, as enchentes na Bahia, a Amazônia em chamas, a Educação e a Cultura e agora trata de forma rasa, com uma ligeireza espantosa, uma guerra que atinge todo o mundo e terá altos custos para os brasileiros.

Felipe Salto*: Vícios privados, malefícios públicos

O Estado de S. Paulo.

Qualquer reforma administrativa deve começar por este ponto: a extinção de todos os privilégios

É preciso reverter a perda de bem-estar social derivada da captura do Estado por verdadeiros caçadores do erário. É hora de escancarar os custos das políticas públicas, para que a sociedade possa colocar na balança e comparar, por exemplo, uma isenção fiscal para um grupo de empresas ao pagamento de uma transferência social. Surrada, mas inescapável, a palavra chave é transparência. E, a partir dela, ações de governo para rever gastos ruins e abrir espaço para o que importa.

A ideia de que a ação autocentrada pode levar ao progresso econômico tem quase dois séculos e meio. É a lógica da “mão invisível”, de Adam Smith, segundo a qual as forças da oferta e da procura seriam vetores suficientes para o funcionamento da economia, mesmo na presença do egoísmo, digamos assim. O bom funcionamento dos mercados é, de fato, a base para estimular a atividade produtiva, que gera emprego e renda.

Hélio Schwartsman: Aventura está saindo caro para Putin

Folha de S. Paulo

No front econômico, as sanções vieram muito mais duras do que se antecipava

No cenário dos sonhos de Putin, suas forças já teriam tomado Kiev, a resistência dos ucranianos seria mínima e as sanções ocidentais não teriam ido muito além do embargo de alguns produtos. O governo do presidente ucraniano Volodimir Zelenski já teria caído, e o Kremlin estaria instalando um regime fantoche para substituí-lo. Se isso tivesse acontecido, o autocrata poderia gabar-se de ter feito a Rússia voltar a ser uma superpotência.

Joel Pinheiro da Fonseca: A 'complexidade' da questão russa não deve nos impedir de ver o óbvio

Folha de S. Paulo

Há quem busque artifícios para defender o lado moralmente errado

"Que falta de sofisticação condenar Putin! Não sabe que a situação no leste europeu é complexa?" Sem dúvida, é. A realidade é complexa, não há nada puramente bom ou puramente mau. Em meio aos incontáveis tons de cinza, contudo, é preciso fazer escolhas, e essas escolhas não são todas equivalentes.

Há quem recorra à complexidade para aprofundar nosso entendimento —e não tenhamos dúvida: tudo é complexo, até comprar pão na padaria. E há aqueles que buscam nos afundar em complexidades para defender —sem a coragem de admiti-lo— o lado moralmente errado.

Como bem apontado por Yuval Harari em artigo para a The Economist (9.fev), a ordem global liberal marcou uma mudança de valores: a conquista territorial deixou de ser bem-vista. A guerra é uma tragédia e não a aspiração legítima de uma sociedade. Desde 1945, nenhuma nação internacionalmente reconhecida foi apagada por conquista militar externa. É por isso que o mundo inteiro se levanta em coro para apoiar a Ucrânia, mesmo que intelectuais continuem a adular Moscou.

Alvaro Costa e Silva: Mentiras afrontosas

Folha de S. Paulo

O livro Limonov, de Emmanuel Carrère, lança luz sobre a invasão da Ucrânia

A invasão da Ucrânia me recordou "Limonov", o livraço de Emmanuel Carrère publicado em 2011. Carrère esbarrou num personagem real —Eduard Veniaminovich Limonov (1943-2220), ucraniano de nascimento cuja história vai da batalha de Stalingrado até os destroços do pós-comunismo na Rússia— que é o sonho de todo romancista.

O autor sente-se obrigado a explicar: "Não é um personagem de ficção. Ele existe. Eu o conheço". Também não é uma biografia. Está mais para reportagem selfie. Neto de imigrante georgiano que chegou à França nos anos 1920, Carrère aproveita a trajetória de Limonov para falar de si mesmo e das dificuldades em entender o mundo multipolar de seu protagonista. O cara era um enigma, um exemplo das incertezas e confusões da época atual. Como o ataque a Kiev, que não opõe combatentes de cores azuis e vermelhas; aponta uma zona cinzenta no mapa.

Cristina Serra: Mineração artesanal? Conta outra

Folha de S. Paulo

Se essa indústria fosse séria, condenaria a agenda que beneficia criminosos e pagaria o justo a atingidos pelos desastres

A mais recente novidade na fábrica de mentiras do dicionário bolsonarista é a tal da mineração artesanal, objeto de um decreto presidencial para formulação de políticas públicas para o setor. O decreto constrói uma realidade inexistente, como se a mineração no Brasil ainda estivesse no tempo da bateia.

O decreto é mais um exemplo da persistência do governo em legalizar práticas criminosas, como o garimpo em terras indígenas. Sobre esse assunto, é de grande relevância a investigação feita pelo Instituto Escolhas, "Raio X do Ouro", a respeito da extração e comercialização do ouro no Brasil (2015-2020). O relatório conclui que quase metade (229 toneladas) da produção nacional do período tem indícios de origem ilegal.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Fala de Bolsonaro sobre a Ucrânia envergonha Brasil

O Globo

Depois de dias de silêncio, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou uma entrevista coletiva no último domingo para proferir suas primeiras declarações a respeito da guerra na Ucrânia — e, como esperado, foi extremamente infeliz em seu pronunciamento. Bolsonaro afirmou que o Brasil “não vai tomar partido”, defendeu as razões alegadas por Vladimir Putin para o ataque russo e disse que o Brasil adotaria uma posição neutra diante do conflito.

Nenhuma palavra de solidariedade aos civis ucranianos atingidos pelas armas de Putin (só ontem ele falou em oferecer vistos humanitários a refugiados). Nenhuma crítica à agressão russa ao território soberano da Ucrânia. Em vez disso, Bolsonaro fez apenas uma menção irônica ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky: “O povo confiou em um comediante para traçar o destino da nação”. Zelensky tem sido aplaudido no mundo todo por ter preferido cerrar fileiras com seus soldados na defesa do país a exilar-se.

Poesia | Joaquim Cardozo: Aquarela

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela;
Cheiro de chão que amanhece.
Estavas sob a latada
Quando te abri a janela.

Cheiro de jasmim laranja
Pelos jardins anoitece;
Junto a papoulas dobradas,
Num canteiro florescendo,
A tua saia singela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...

Não sei se és tu, se eras outra,
Não sei se és esta ou aquela,
A que não quis nem me quer,
Fugindo sob a latada
Nessa tarde de aquarela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...