quinta-feira, 10 de março de 2022

Merval Pereira: Estado laico?

O Globo

É um absurdo que um presidente da República diga a um grupo religioso que vai levar o país para onde eles quiserem. Fossem de qualquer religião, Bolsonaro não poderia assumir esse compromisso, como fez com os evangélicos. Não estamos num governo teocrático, nem num país que se submete a qualquer religião. É um absurdo duplo: campanha eleitoral e declaração pública de que o governo está à disposição de um grupo religioso em troca de votos. Um retrocesso terrível para o país.

O presidente Bolsonaro usa até mesmo ardis políticos para tentar enganar os evangélicos, quando se apresenta uma situação em que seus interesses pessoais ou políticos colidem com os deles. É o caso do projeto de aprovação do jogo no Brasil. Apesar de afirmar aos evangélicos que vai vetá-lo, o projeto é de interesse de sua família. Seu filho Flavio já esteve nos Estados Unidos para reuniões com grandes financiadores dos jogos de azar.

Malu Gaspar: Um poço de conflitos

O Globo

A indicação de Rodolfo Landim para comandar o conselho da Petrobras tem sido tratada na cúpula do governo como solução de emergência para um problema considerado grave pelo presidente da República.

Para Jair Bolsonaro, controlar o preço dos combustíveis é questão de sobrevivência e pode fazer a diferença entre a vitória e a derrota nas eleições deste ano.

Apesar de ter feito uma intervenção na companhia no ano passado, trocando o presidente e quatro conselheiros, Bolsonaro se queixa de que não conseguia conversar com a direção da empresa, nem entender por que não é possível conter a alta nos preços dos combustíveis via Petrobras.

Trocando em miúdos, o fuzuê não deu o resultado que Bolsonaro queria. Nem o general Silva e Luna, que se tornou presidente, nem o almirante Bacelar, que hoje preside o conselho, “resolveram o problema” dele.

Míriam Leitão: Ato pela Terra, ameaças e viradas

O Globo

O dia começou ontem em Brasília com o improvável encontro do governo e o PT para acertar os últimos detalhes dos projetos para subsidiar os combustíveis fósseis. À tarde, a capital floresceu. O cantor Caetano Veloso e muitos artistas fizeram uma sonora manifestação contra a boiada que Bolsonaro e Arthur Lira (PP-AL) querem passar sobre a Amazônia e as Terras Indígenas, sobre o próprio país, aproveitando a guerra. E, no mundo, tudo de novo no front. Houve uma reviravolta nos preços dos ativos, o petróleo despencou e as bolsas subiram. O mercado precificou o fim da guerra, diante dos sinais de negociação.

O governo Bolsonaro está correndo para aprovar uma excrescência: o PL 191, o mais nocivo de todo o pacote antiambiental, anti-indígena e a favor de agrotóxicos feito por este governo e defendido pelo atual presidente da Câmara dos Deputados. Bolsonaro mentiu, de novo, ao dizer que é preciso aprovar o projeto para nos livrar da dependência externa de fertilizantes. Ele tenta tirar proveito da guerra da Ucrânia.

Luiz Carlos Azedo: Lula e Bolsonaro mantêm polarização eleitoral

Correio Braziliense

Bolsonaro paga por seu negativismo na pandemia e pelo fracasso econômico, além do desmantelamento das políticas públicas, principalmente na saúde, na educação e no meio-ambiente

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua à frente das pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, com 39%, mas o presidente Jair Bolsonaro mantém um lugar garantido no segundo turno, com 31,1%, encurtando sua distância para o petista, segundo o Instituto Paraná Pesquisas. O ex-juiz Sergio Moro refluiu para 7,5% e está em empate técnico com Ciro Gomes, que tem 6,8%, mantendo-se um empate técnico na terceira e na quarta colocações. João Doria (2,2) e Eduardo Leite (1,3%) vêm em quinto e sexto. André Janones marca 0,7%; Simone Tebet, 0,4%; e Alessandro Vieira, 0,1%. Somados, os candidatos que buscam a terceira via não chegam a 20% do eleitorado.

William Waack: ‘Bênção’ e ‘maldição’

O Estado de S. Paulo.

A gravidade da guerra na Ucrânia expõe o desinteresse no Brasil por defesa e segurança

O Brasil não é parte em qualquer conflito internacional agudo de cunho geopolítico, religioso, étnico ou mesmo comercial. Não ameaçamos nem somos ameaçados por nossos vizinhos. Não temos querelas ou questões graves com ninguém lá fora. É uma “benção” mas também uma “maldição”.

Ao conforto dessa realidade corresponde uma grande dificuldade da sociedade brasileira de se preocupar com problemas de segurança internacional e defesa nacional. Quando surgem no debate político eleitoral, questões de política externa ou defesa são de curtíssimo prazo e de cunho estritamente partidário-ideológico.

O Brasil já foi descrito como uma grande ilha de costas para o mar, dada nossa condição geográfica (em termos geopolíticos) de relativo isolamento. Nas relações internacionais geografia é destino, mas mesmo esse destino manifesto de potência regional com muitos vizinhos parece pouco nos interessar.

Eugênio Bucci*: A guerra mundial contra os fatos

O Estado de S. Paulo.

Os que admiram Putin e a ele juram ‘solidariedade’ são ‘solidários’ no repúdio às liberdades e aos direitos e na indústria das ‘fake news’

Vladimir Putin é um tirano bonapartista, típico do século 19. Para ele, a prosperidade só vem com o alargamento dos domínios territoriais. Exibicionista, proclama que seus armamentos são maiores que os dos outros. Aboletado no Executivo, atropela o Legislativo, subjuga o Judiciário e banca o pai forte do povo, passando por cima das mediações da democracia.

Outra faceta do autocrata de Moscou é sua obsessão por idolatrar o passado. O futuro dos sonhos dele é a restauração de uma fantasiosa glória pretérita (a sua “grande Rússia” parece o decalque de um mapa mistificado do século 18). Na verdade, mais do que bonapartista, seu ideário tem marcas de fascismo bruto.

José Serra*: Grilagem na Amazônia: é preciso dar um basta

O Estado de S. Paulo.

De 2016 a 2020, tanto o desmatamento quanto os focos de incêndio em FPNDS foram mais frequentes nas áreas com registro no CAR

Num dos meus últimos artigos, busquei chamar a atenção para os desafios e oportunidades em torno da Amazônia. Nosso mais simbólico bioma, relevante por tantos motivos, passou a estar associado nos últimos anos ao retrocesso brasileiro. Num momento em que governos e sociedades se mobilizam em várias instâncias – como nas Conferências das Partes ou COPS, no âmbito das Nações Unidas – para conter o agravamento do aquecimento global, o Brasil frequenta a imprensa internacional por caminhar na direção contrária: o desmatamento amazônico.

Para que o leitor tenha dimensão do que falo: de agosto de 2020 a julho de 2021, segundo os dados oficiais do Inpe/prodes, 1,32 milhão de hectares de florestas foi derrubado na região amazônica. O equivalente a mais de 5% de todo o território do Estado de São Paulo. Ou seja, mantidos os números, em menos de 20 anos teremos desmatada na Amazônia uma área equivalente a todo o nosso Estado.

Inclusive, o desmatamento amazônico é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEES) no Brasil. A floresta retira carbono da atmosfera e tem função crítica na regulação do regime de chuvas não apenas da região, afora sua biodiversidade.

Maria Hermínia Tavares: O funeral do PSDB

Folha de S. Paulo

Tucanos começaram a minar o próprio chão quando Aécio contestou resultado das urnas

A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980. Indistinguível de outras de igual porte, a legenda continuará à disposição dos que ambicionam fazer da política uma profissão.

Na sua origem, o PSDB foi a agremiação centrista de construtores da democracia; de reformadores moderados da economia e das estruturas do Estado; e de inovadores no terreno das políticas sociais. Sustentou com o PT, embora apenas no plano nacional, competição eleitoral centrípeta, que tornou possível a estabilização das regras democráticas e significativo progresso social.

Aproximava-os o compromisso com a democracia; com a garantia das liberdades; e a busca de maior equidade. Distanciavam-se na importância atribuída à moderação fiscal; às atribuições do setor público e dos mercados; e às formas de obter reconhecimento no exterior.

Quando, no poder, o PT conseguiu dominar todo o território do centro à esquerda, o PSDB foi deslizando para a direita, recrutando ali quadros e a maioria do seu eleitorado, ao tempo em que mudavam suas bandeiras e valores. Até 2014 —mas só nas disputas presidenciais— o partido foi o desaguadouro dos votos antipetistas de todos os matizes da direita: ultraliberais ou conservadores; republicanos ou patrimonialistas; democratas ou nostálgicos da ditadura.

Bruno Boghossian: O presidente involuntário

Folha de S. Paulo

Presidente disfarça interesses para repetir a ideia de que o poder é uma missão divina

A rotina de eventos antecipados de campanha, passeios de moto e comícios golpistas tem cansado Jair Bolsonaro. Num encontro com líderes evangélicos, o presidente disse que não vê a hora de deixar o cargo para "ir para a praia, tomar um caldo de cana na rua, voltar a pescar". Embora passe boa parte do tempo pensando na reeleição, ele insiste no figurino do governante involuntário.

Bolsonaro não explora essa imagem à toa. Atualmente, a maioria da população concorda com ele e gostaria de vê-lo longe do Palácio do Planalto a partir do ano que vem. Mas o presidente trabalha para reconquistar a coalizão de eleitores que lhe deu votos suficientes para garantir sua vitória em 2018.

Vinicius Torres Freire: Árabes, Putin, Bolsonaro e gasolina

Folha de S. Paulo

Conversas políticas e mercado alucinado derrubam preço do petróleo e amanhã vai ser outro dia

No final da tarde europeia, Yusef al-Otaliba tuitou. O preço do petróleo deu outra despencada. Al-Otaliba é o embaixador dos Emirados Árabes Unidos nos EUA e figura política de peso em seu país. Na nota que acompanhava o tuíte, escreveu: "Somos a favor de aumentos de produção [de petróleo] e vamos estimular a Opep a pensar em níveis de produção mais altos".

E daí? O preço da sua gasolina pode ter a ver com decisões da Opep, com boatos de uma remota negociação de cessar-fogo na Ucrânia, com o fato de a União Europeia querer dar um jeito suave no seu abastecimento de energia e com as pressões políticas de Joe Biden no mundo do petróleo.

Pode ser que Jair Bolsonaro também tenha a algo a ver com isso, pois se desespera ao ver que a carestia dos combustíveis pode tornar sua reeleição ainda mais difícil. Quer fazer algo faz ano, mas está empacado feito uma mula, por ignorância e desarticulação política, o que talvez seja uma sorte. No mais, a balançada dos mercados pode não passar desses movimentos de manadas ou de cardumes de sardinhas.

Ruy Castro: É o mesmo estupro

Folha de S. Paulo

A guerra ignora as tragédias individuais, mas é repulsivo que alguns se aproveitem delas

guerra da Ucrânia nos entra dia e noite pelos olhos, ouvidos e corações, mas pergunto-me se temos como avaliar a tragédia dos que estão participando dela no papel de alvo: a população civil. É terrível imaginar que, em meio aos bombardeios, a vida segue inexorável para tantos ucranianos que, há duas semanas, nada tinham a temer do futuro próximo. Penso, por exemplo, nas gestantes com parto previsto para o começo de março nas condições com que sempre sonharam. Como imaginar que suas contrações se dariam num subterrâneo apinhado e imundo?

Maria Cristina Fernandes: Gás para começar outra vez

Valor Econômico  

Parlamentarismo branco de Brasília é quem move troca na Petrobras

O almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira chegou à presidência do Conselho de Administração da Petrobras junto com o governo Jair Bolsonaro. O estatuto prevê que seu mandato, de até dois anos, poderia ser renovado três vezes consecutivas.

O almirante poderia, portanto, atravessar o próximo mandato presidencial inteiro, mas deixará o cargo sem que apresente óbices a seu exercício.

Se aprovado pela mesma assembleia, o engenheiro Rodolfo Landim poderá, no limite, manter o cargo até 2030, atravessando os dois próximos mandatos presidenciais.

A escalada dos combustíveis é tão danosa que a troca é associada ao impulso do presidente em meter a mão na política de preços da estatal.

Cálculos independentes já apontam defasagem no preço determinado pela política de paridade internacional, de 25% a 30%. A vontade do presidente já tem sido, de alguma forma, contemplada. Para atendê-lo mais ainda seria preciso enfrentar o câmbio, os projetos de lei que tramitam no Congresso, além do superveniente Vladimir Putin.

Lu Aiko Otta: Menos impostos nos combustíveis, lá e cá

Valor Econômico

Tratada como vilã, tributação no Brasil é menor do que na média dos países da OCDE

Tratada como vilã na novela dos combustíveis, a tributação sobre esses produtos no Brasil é menor do que na média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aqui se paga 36,8% sobre o preço final da gasolina e 21% no diesel, ante 52,6% e 47,3% na média das principais economias do mundo.

Os dados estão na nota técnica “O Sistema Tributário dos Países da OCDE e as Principais Recomendações da Entidade: Fornecendo Parâmetros para a Reforma Tributária no Brasil”, elaborada por Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Janela partidária dá mais força a Centrão nas eleições

Valor Econômico

Enfraquecimento do Executivo e maior autonomia do Centrão, que com bancadas crescentes, comanda o Legislativo, é desafio para próximo presidente

A janela para a troca de partidos está aberta até o dia 1 de abril e o que conta, como sempre, é a busca do dinheiro para a disputa das eleições deste ano. O fundo eleitoral mais que dobrou, para R$ 4,9 bilhões, e não por outro motivo as bancadas que mais devem crescer são as dos partidos do Centrão, que terão o maior quinhão dos recursos. O fundo é distribuído levando em conta as bancadas eleitas em 2018 e não as hoje atuantes na Câmara dos Deputados.

Seja quem for o próximo presidente da República, terá de se entender com um bloco de centro fisiológico reforçado em número de parlamentares e com muito mais poder decisório sobre o Orçamento, como se comprova neste ano em que os recursos das emendas somam R$ 33,5 bilhões, ou um terço das despesas discricionárias da União.

O presidente eleito tende a atrair a adesão do bloco centrista, mas sob compromissos de repartição do poder que podem se revelar paralisantes, a depender da margem de vitória e de sua capacidade de formar alianças, habilidade obrigatória desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, com as consequências que se conhece. À repulsa de formação de um bloco de apoio no Congresso seguiu-se a dependência absoluta do Centrão, que ocupa a Casa Civil e a Secretaria de Governo, além de ter palavra decisiva nas mudanças orçamentárias.

Poesia | Joaquim Cardozo: Os mundos paralelos

Existe um EU dentro de mim
que não me pertence
não é meu.

Mas pode estar em mim;
do outro lado de mim.
Lado que comigo não tem contato.
Um EU antagônico para o meu ser de agora
Agora e agônico.

O que faço está mais além desfeito:
É um fazer contrafeito que morre
E renasce, depois, no meu peito.

Nada me vem contra o que está de mim vizinho.
O que me vem é contra o que de eterno em mim me oprime
— Aquilo que está no que era de outra vez;
E que esteve noutro sentido e ainda perdura e se antepõe
E que me destrói, me impõe, me presume e suprime.

Todos os meus atos são atos reflexos
No projetivo espelho tempo/espaço, no fechado não denso.
Correspondência injetiva, deprimente, fria, de interno entorno.

Ouço a voz paralela a minha voz,
Ouço o canto que é um eco do que, outrora, foi meu.
Em conflito com o que poderia ser silêncio
Se este pudesse fluir lentamente como o tempo
E ser, se pudesse, confundidamente tempo-silêncio

No que aqui é doce, no paralelo é amargo
No que aqui é macio no paralelo é áspero
Mundo paralelo!
afogar
Nele é que vou me apagar, me sumir, me perder,
Me esconder, para sempre, no esquecer.
Noitemente amanhecer.