sábado, 2 de abril de 2022

Ascânio Seleme: A última chance da terceira via

O Globo

Foi apenas uma jogada eleitoral. Fosse verdadeira, a renúncia de João Doria causaria um impacto formidável no cenário eleitoral. A ausência de Doria na cédula eleitoral somada à saída de Sergio Moro da corrida presidencial, ainda que temporariamente, acomodaria as forças de centro, centro-esquerda e centro-direita em favor de uma candidatura quiçá viável para enfrentar o protagonismo de Lula e Bolsonaro e desalojar um deles do segundo turno.

Com Doria e Moro fora da disputa, dois nomes buscariam espaço para se viabilizar. No PSDB, obviamente o nome é do ex-governador Eduardo Leite. Fora dele, mas buscando o seu apoio e de outros partidos, aparece a senadora do MDB Simone Tebet. Um seria cabeça da chapa, e outro, o seu vice. Ambos são uma certa novidade no cenário político nacional. Leite, que cumpriu um mandato no governo do Rio Grande do Sul, antes foi prefeito de Pelotas também por um período, mas elegeu sua sucessora. Simone foi vice-governadora do Mato Grosso do Sul e está no final do seu primeiro mandato de senadora.

O cálculo que se teria de fazer não seria aritmético, mas político. Não significa que a soma das intenções de votos de Doria, Moro, Leite e Simone não devesse ser levada em conta. Afinal, são 12 pontos percentuais, o dobro de Ciro Gomes e pouco menos da metade de Bolsonaro. Claro que nem todos os eleitores de Moro iriam para a dupla, mas muitos dos bolsonaristas que fugiram para a candidatura do ex-juiz tendem a manter distância do capitão. Por outro lado, eleitores descontentes mas que ainda estão com Bolsonaro poderiam se sentir à vontade para migrar para uma candidatura de centro aparentemente viável.

O movimento que Doria não fez seria bom para ele e para o seu partido, inclusive em São Paulo. O governador perderia imediatamente a rejeição nacional ao seu nome que contamina fortemente sua posição no estado. E claro que não estaria traindo Rodrigo Garcia. Seria traição se o governador escolhesse outro nome para a disputa. Com Doria na disputa, Fernando Haddad teria um adversário mais forte. O petista poderia até ganhar a eleição, mas com menos votos. E os votos perdidos de Haddad poderiam também significar votos perdidos de Lula.

Demétrio Magnoli: O que Lula aprendeu?

Folha de S. Paulo

Qual experiência lhe servirá de inspiração: a ortodoxia ou o populismo econômico?

Lula tinha 57 anos quando vestiu pela primeira vez a faixa presidencial, inaugurando um ciclo triunfante de dois mandatos, que se estendeu pelo mandato inicial da sucessora escolhida a "dedazo". Depois, viveu um ciclo de fracassos, com direito a uma temporada na prisão e ao impeachment de Dilma Rousseff.

Graças aos esforços conjugados de Bolsonaro e Moro, tudo indica que subirá novamente a rampa do Planalto. Lula 3, triunfo ou fracasso?

Uma lenda, desmentida pelas histórias de tantos líderes políticos, diz que idade traz sabedoria. De fato, sabedoria política é filha da experiência submetida à autópsia da razão. Depois de duas décadas, aos 77, o que Lula terá aprendido?

No ciclo triunfante, Lula surfou numa conjuntura internacional de juros baixos, investimentos abundantes e elevação estrutural de preços das commodities. Lula 3 enfrentará um cenário desafiador, marcado pelos nacionalismos econômicos, pela desglobalização e por um repique das taxas de juros.

Qual experiência lhe servirá de inspiração: a ortodoxia do primeiro mandato ou o populismo econômico do segundo, conduzido às últimas consequências por Dilma?

O "golpista neoliberal" Alckmin, na definição oferecida por um manifesto de dirigentes do PT, foi escolha pessoal de Lula para a vice-presidência. A linguagem do manifesto é obra do próprio Lula, inventada para reunir suas tropas na trincheira da resistência ao impeachment.

A lógica da aliança sugere a renúncia aos artefatos discursivos fabricados em 2016. Mas esse passo exige uma revisão partidária da história recente. Lula a impulsionará? Ou preferirá o caminho de uma permanente duplicidade?

Alvaro Costa e Silva: A greve, o voto e o golpe

Folha de S. Paulo

No Rio, Moro falou para uma plateia tão esvaziada que ali deve ter pensado em desistir

O Rio viveu na terça (29) um dia de novo normal político. LulaCiro e Moro estavam na cidade, em confabulações da campanha à Presidência. O governador Cláudio Castro, que tentará a reeleição, deu uma festa de arromba que misturou música eletrônica e pagode, farta oferta de uísque e camarão e a presença de lulistas e bolsonaristas na pista de dança.

Enquanto isso, nas ruas, a população enfrentou duas greves, a do transporte público e a dos lixeiros, além de um protesto de motoristas e motociclistas de aplicativos contra o aumento dos combustíveis.

E, não por último, um jacaré resolveu passear na Barra da Tijuca.

Cristina Serra: Nojo dos golpistas, ontem e hoje

Folha de S. Paulo

Não, senhores, não houve 'movimento' nem 'revolução' em 1964

ordem do dia assinada pelo golpista Braga Netto e pelos três comandantes militares, para ser lida nos quartéis e assinalar a data do golpe de 1964, é uma peça do mais puro cinismo, uma fraude cognitiva para tentar reescrever e falsear a verdadeira história, que desonra os militares brasileiros.

Não, senhores, não houve "movimento" nem "revolução" em 1964. Houve um golpe militar-empresarial que decretou 21 anos de escuridão. No eclipse das liberdades, a ditadura perseguiu, prendeu, torturou, matou, exilou, censurou, corrompeu, instaurou o terrorismo de Estado, empobreceu o povo.

Golpistas de ontem, golpistas de hoje. O texto da ordem do dia condensa a lógica distorcida do discurso bolsonarista, que já está dando o tom da campanha e prepara a maré montante de violência que irá reger o processo eleitoral. É o ataque às urnas ("não serão dois ou três que decidirão como serão contados os votos"), aos ministros do STF e do TSE ("cala a boca; bota a tua toga e fica aí") e o vínculo mentiroso que Bolsonaro estabelece o tempo todo entre liberdade e posse de armas pela população.

Marco Antonio Villa: Os aventureiros na eleição de outubro

Revista IstoÉ

Na ditadura militar, principalmente depois de 1968, concentrou-se a resistência democrática no campo do jornalismo, das artes, da política e dos sindicatos

São Paulo sempre teve um papel preponderante na federação brasileira. Foi onde nasceu o primeiro partido republicano e foram eleitos parlamentares para o Legislativo provincial e nacional. O movimento abolicionista teve na província um papel importante. A ação de Luís Gama foi célebre, assim como a dos caifazes, liderados por Antonio Bento. No processo de consolidação da República, São Paulo apoiou Floriano Peixoto em momentos decisivos da Revolução Federalista e da Revolta da Armada. Posteriormente teve os três primeiros presidentes civis – Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves.

No campo das lutas sociais, o estado foi teatro de grandes greves liderados pelos anarquistas, em defesa de direitos trabalhistas, entre as quais as de 1905, 1906, 1917 e 1919. Também foi palco do segundo 5 de julho, o de 1924, quando durante três semanas a capital foi tomada pelos rebeldes tenentistas. O Partido Democrático (1926) foi um defensor do voto secreto, demanda que foi incorporada à plataforma da Aliança Liberal. Em 1930 Getúlio Vargas fez apenas dois comícios, um deles em São Paulo, que foi, até aquele momento, a maior manifestação de massa da história da cidade.

Dora Kramer: Falso delito

Revista Veja

Imposição de prazo às campanhas atenta contra a liberdade e não combate o criminoso abuso de poder

Os arcaicos meios e modos da política brasileira, que sabidamente não acompanharam a evolução de variados setores desde a redemocratização do país, volta e meia dão as caras. Suscitam breves debates, mas de pronto voltam ao recôndito de suas obsoletas tocas.

Foi o caso da tentativa do partido do presidente de interditar, via Tribunal Superior Eleitoral, manifestações de artistas no festival Lollapalooza. A decisão de um juiz do TSE provocou indignação geral, mas o assunto candidatou-se ao esquecimento em meio ao turbilhão de acontecimentos e depois de Jair Bolsonaro mandar o PL retirar a ação.

Ato desastrado aquele, diga-se, pois que reclamações à Justiça Eleitoral no curso das campanhas não é hábito dos partidos. Preferem a tolerância cúmplice, por medo de que decisões contrárias ao adversário venham a confirmar que a madeira bate com intensidade igual em Chico e em Francisco.

Provavelmente essa conta de reciprocidade inspirou a ordem de Bolsonaro para o PL recolher os flaps. Com a cena tomada pela demissão do ministro da Educação, a troca de comando na Petrobras e, num segundo plano, a volta de Eduardo Leite à disputa pela legenda do PSDB para concorrer à Presidência, o tema das restrições a campanhas subiu no pódio das irrelevâncias.

Não deveria, dada a importância do assunto. Com esse desdém per­de-se a chance de lançar luz, dúvidas e contestações sobre a questão: precisamos mesmo que o Estado nos diga quando, onde e como deve ser permitido fazer campanha eleitoral? Claro que não, assim como não temos a menor necessidade de ser obrigados a votar, por definição o exercício de um direito.

Fernando Schüler*: Os donos do poder

Revista Veja

O escândalo do MEC é uma escaramuça pré-eleitoral ou traduz um padrão no trato da coisa pública?

Muita gente pode achar o caso dos pastores e do Ministério da Educação algo um tanto bizarro e irrelevante. Não é o meu caso. O episódio todo, que levou à saída do ministro Milton Ribeiro, mostra a sobrevivência de velhos males de nosso mundo político. Para começar, a desorganização da política pública. Um órgão que se supunha técnico, como o FNDE, surge como presa fácil ao pequeno grupo de compadrio, com acesso ao poder. Com uma agravante: a mistura da religião com política, algo sem cabimento em um Estado laico. Por último, a lembrança de que nosso velho patrimonialismo continua vivo e forte. Sua melhor definição foi aquela frase do ministro: “A prioridade são os amigos do pastor Gilmar”. É a realização da profecia de Sérgio Buarque: a cordialidade como o doce pecado de nosso mundo público. A vitória do trato pessoal sobre o procedimento técnico, imparcial, regrado, republicano. A polidez que esconde critérios de exclusão, de quem comanda, e não faz muito segredo disso.

O escândalo do MEC é uma escaramuça pré-eleitoral ou traduz um padrão no trato da coisa pública? “Não há novidade nenhuma nisso”, ouvi de um comentarista. “Em Brasília tem pressão de tudo que é lado.” Se o veredicto é esse, segue-se o barco. Meu ponto é dizer que não. Há um problema aí precisamente porque se configura um padrão, feito da captura de nacos de poder, recursos, pequenos e grandes monopólios por parte do estamento público. Ainda esta semana se divulgou o excelente estudo do professor Luciano de Castro e outros pesquisadores sobre nosso Congresso. Os dados são de cair o queixo. Nosso Parlamento custa 0,15% do PIB. É o mais caro do mundo. Cada parlamentar custa 5 milhões de reais por ano. Na Inglaterra, 477000 reais. Eles fizeram o Bill of Rights, em 1688, e são bem mais ricos do que nós, mas custam dez vezes menos. Vamos lá, só pode haver um problema bastante complicado por aqui.

Ricardo Rangel: Faltam estadistas

Revista Veja

Os interessados na preservação da democracia não se mobilizam

Há 58 anos, um golpe militar instaurou no Brasil uma ditadura que durou 21 anos e censurou, perseguiu, prendeu, exilou, torturou, matou. O obscurantismo e a estupidez provocaram enorme sofrimento e criaram um apagão na cultura, hiperinflação, arrocho salarial, concentração de renda.

Nem o período mais nefasto de nossa história produziu, no entanto, um presidente com personalidade mais autoritária do que Jair Bolsonaro, e dá arrepios imaginar o que ele faria se tivesse o poder de um Geisel. Isso não é impossível: os golpes de hoje não se dão com tanques, mas pelo desmonte das instituições, processo em que Bolsonaro vem sendo bem-sucedido. Se ganhar mais um mandato, pode destruir a democracia por completo.

Ninho em chamas

Ameaça de João Doria não cumprida, tumultua ainda mais o já atribulado caminho da terceira via, marcada por candidatos com baixas intenções de voto

Por Bruno Ribeiro, Reynaldo Turollo Jr., Tulio Kruse  / Revista Veja  

Previsto para fazer parte do ritual de despedidas de João Doria do governo de São Paulo e marcar o início de sua nova caminhada na tentativa de chegar ao Palácio do Planalto como presidenciável escolhido nas prévias do PSDB, o jantar ocorrido na última quarta, 30, na mansão do empresário Marcos Arbaitman, no Jardim Europa, um dos bairros mais valorizados da capital paulista, contou com um discurso emocionado do homenageado. Citando no começo de suas palavras o anfitrião, que é uma das pessoas mais próximas ao governador, Doria falou sobre atitudes de grandeza na política e a expectativa do que pode acontecer nos próximos dias de positivo e de bom para o Brasil. “Esse respeito não parte do pressuposto de que tem de ser eu”, disse, sem citar explicitamente a briga dele com outros candidatos para se tornar o nome de consenso de PSDB, MDB e União Brasil, os partidos que trabalham nos bastidores para marchar juntos com um candidato capaz de representar a terceira via. “Essa grandeza, a religião nos ensina… Tenha o espírito elevado e exercite o diálogo no limite do possível”, completou.

Num primeiro momento, as palavras não soaram como novidade para o grupo de convidados, que incluiu quase todos os secretários de Doria. Afinal, em ocasiões anteriores, ele já havia dito publicamente que estaria disposto a abrir mão de encabeçar a chapa da terceira via em nome da união do centro contra a polarização entre Lula e Bolsonaro. Poucos, é verdade, levavam a sério essas palavras, dada a obstinação com que o governador se entrega ao seu projeto presidencial. Esse tipo de discurso sempre foi encarado como um antídoto às críticas recorrentes de adversários de que ele sempre põe seus interesses pessoais acima de qualquer acordo. Foi o mesmo sentimento que o discurso causou na maior parte dos presentes ao evento na casa de Arbaitman. O que nenhum deles sabia é que, desta vez, as palavras eram para valer. Horas antes, num gesto surpreendente, Doria tinha comunicado a um dos seus principais nomes de confiança sua desistência de concorrer ao Palácio do Planalto. Além disso, contou que não mais renunciaria ao governo de São Paulo para se manter no cargo até o fim do mandato, em dezembro. A falta de união do PSDB em torno da sua candidatura presidencial, inegavelmente, era o principal motivo para a mudança brusca de direção.

Num rápido e tenso encontro no Palácio dos Bandeirantes, Doria comunicou os novos planos ao vice Rodrigo Garcia, que não gostou nada da história. Oriundo do DEM, Garcia assinou a ficha de filiação ao PSDB para se lançar o candidato à sucessão de Doria. Preterido por essa escolha do governador, Geraldo Alckmin, que alimentava o sonho de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, bateu asas do ninho tucano e, recentemente, acertou o ingresso no PSB para se tornar o vice da chapa presidencial de Lula. Pouquíssimos imaginavam que o governador seria capaz de romper o pacto com Garcia, ainda mais pelo fato de que um depende do outro no pleito deste ano. Pouco conhecido do eleitorado, o vice precisa se amparar no bom saldo de realizações da atual gestão e contar com a máquina do governo para decolar na campanha. Por sua vez, o bom desempenho local de Garcia ajudaria Doria a diminuir a rejeição dele junto ao eleitorado, uma das mais altas entre os presidenciáveis.

João Gabriel de Lima: Eu não votei, mas eles vão votar

O Estado de S. Paulo

Interesse crescente dos jovens pelas eleições é sinal inequívoco de que a democracia veio para ficar

A vibração democrática nasceu, no Brasil, nas eleições de 1982. Eu não tinha idade para votar, mas era impossível não ser envolvido pelo clima eleitoral – nas discussões familiares, na propaganda política na TV, nas conversas na escola. Era a primeira vez em muito tempo que os brasileiros iriam votar em algo que valia alguma coisa: os governadores dos Estados. As eleições para o Congresso não contavam: eram viciadas pelos parlamentares biônicos, nomeados pela ditadura.

Eu estava fascinado pela grande novidade daquela eleição: os debates na TV. Meu pai dizia que iria votar na zebra, Rogê Ferreira, seu antigo colega na Faculdade de Direito da USP – mas desconfio que queria mesmo era fugir das discussões familiares, já acirradas naquele tempo. Rogê chegou em último, e até hoje é lembrado pela pergunta que, num debate, fez ao penúltimo colocado na corrida pelo governo paulista. “O senhor é socialista, comunista ou trabalhista?” A resposta ficou famosa: “Sou torneiro mecânico”. Era Lula, novidade barbuda daquela eleição.

Foi um pleito que marcou o fim de uma era e o início de outra. Franco Montoro, que venceu as eleições, também representava o novo, embora fosse um político experiente. Criou o núcleo que mais tarde fundaria o PSDB – ele próprio, José Serra, Mario Covas e Fernando Henrique.

Miguel Reale Júnior*: Preocupação com o Brasil

O Estado de S. Paulo

A tomografia de nosso país indica a absoluta ausência de governo, sem qualquer planejamento estratégico para resolver seus desafios.

A vida política brasileira cinge-se hoje à discussão distante da realidade, circunscrita a elucubrações e tratativas acerca de coligações nas eleições presidenciais e seus reflexos na composição de chapas estaduais.

Antecipa-se a eleição com atenção às pesquisas eleitorais, cujos índices são dados como definitivos, quando estes números apenas refletem o recall dos candidatos e podem, quando muito, revelar o grau de rejeição.

Com este panorama reduzido às possibilidades de acordos com vistas à eleição, tem-se a impressão de que o Brasil “vai indo” e seu destino não apresenta perigos, pois tudo é superado pelas artimanhas dos conchavos, pela satisfação das ambições daqueles que se intitulam membros da classe política dirigente, mas cuja bússola é voltada apenas para os seus interesses pessoais.

A tomografia de nosso país indica, contudo, a absoluta ausência de governo, sem qualquer planejamento estratégico a mostrar quais medidas concretas devem ser implementadas para resolver seus diversos desafios.

Ricardo Henriques: Transparência e equidade nos gastos

O Globo

O contexto torna as regras mais facilmente conversíveis em investimentos pouco ou nada equitativos e, pior, cooptados por interesses escusos

Como nos ensinou Douglas North, e o confirmou Daren Acemoglu falando sobre o desenvolvimento das nações, o aparato institucional, o arcabouço normativo e a aderência dos órgãos a eles são fatores tão importantes para o financiamento educacional quanto o são o volume, a distribuição e a natureza dos investimentos.

 Enquanto os últimos referem-se à dimensão quantitativa dos gastos, os primeiros dizem respeito à sua qualidade. O Brasil tem desafios a superar nas duas dimensões.

O noticiário recente sobre práticas nada republicanas de distribuição de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação (MEC) atravessa esse debate. As suspeitas de improbidade jogam luz sobre a necessidade de mais transparência e critérios técnicos na execução de políticas educacionais.

A maior fonte de financiamento da Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais do Magistério (Fundeb), foi modificada em 2020, com aumento do aporte da União ao Fundo, passando de 10% do total arrecadado por estados e municípios para 23% até 2026.

Eduardo Affonso: Por uma agenda liberal

O Globo

Um dos bichos-papões da minha infância se chamava Nélson Carneiro. Era — diziam — o homem que queria acabar com a família brasileira, instituindo o divórcio. Tive medo dele até o dia em que descobri que o divórcio era só para quem quisesse se divorciar. Meus pais não seriam separados à força. Teriam fim apenas os casamentos falidos, as uniões infelizes. Como, então, alguém poderia ser contra?

Tempos depois, a família esteve novamente ameaçada, com a perspectiva do “casamento gay” — o bicho-papão agora era a Marta Suplicy. Não cheguei a ter pesadelos com a homossexualidade compulsória que, pela reação dos tradicionalistas, seria imposta à população. Tinha aprendido que a lei é para todos — mas que há uma diferença crucial entre “permitido” e “compulsório”.

As pautas progressistas sempre apavoraram os conservadores, como se mudanças naturais nas instituições, nas relações, na sociedade, ao ser incorporadas à legislação, se tornassem mandatórias. Daí o medo irracional que parte do eleitorado tem cada vez que a esquerda se aproxima do poder. Tolice.

Pablo Ortellado: Um passe livre para as fake news

O Globo

Depois de idas e vindas, o relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva, finalmente entregou seu relatório, que substitui o projeto aprovado pelo Senado. O texto dá tratamento cuidadoso e sistemático para problemas importantes das mídias sociais, mas apresenta pelo menos dois problemas relevantes.

Antes de apontar os problemas, seria justo com o trabalho do relator apresentar os méritos da proposta. O texto regulamenta os relatórios de transparência de plataformas de mídia social como Facebook e Twitter, que passariam a ter de informar semestralmente ao público os usuários ativos, os detalhes das medidas de moderação, o cumprimento de decisões judiciais e a quantidade de conteúdos irregulares identificados. Exigências análogas passariam a valer também para ferramentas de busca como Google ou Bing.

Carlos Alberto Sardenberg: O Roubo admitido

O Globo

Bolsonaro e Lula se ocuparam do tema Petrobras nesta semana. Sobraram equívocos, alguns curiosamente idênticos. Os dois acham que a estatal só trabalha para ela mesma e para os acionistas do mercado privado.

A diferença é que, para Lula, a Petrobras do PT era uma grande empresa de tecnologia, que apoiava o desenvolvimento nacional.

Por que não é mais?

Segundo Lula, porque inventaram a “narrativa” da corrupção, envolvendo não apenas a empresa, mas também seus funcionários. As mentiras foram tantas, diz o ex-presidente, que empregados da Petrobras não podiam entrar em restaurantes “porque eram chamados de ladrões”.

Se, na visão de Lula, não houve corrupção, mas uma narrativa de roubalheira, cabe ao PT responder com outra narrativa, que explique isso ao povo.

Mesmo com toda a lábia de Lula, será difícil. Não há uma narrativa, mas toda uma documentação, em tribunais brasileiros e internacionais, mostrando o sistema de corrupção implantado em torno da Petrobras.

Marcus Pestana*: Minas: laboratório para a responsabilidade fiscal (II)

O Governo de Minas Gerais vive situação fiscal frágil e preocupante. O atual governo recebeu uma realidade financeira absolutamente desorganizada.

A irresponsabilidade fiscal difunde a falsa ideia de que não há restrição orçamentária, que para os gastos o céu é o limite, e que basta vontade política. Ledo engano. Não há truques, nem mágicas. O orçamento contém embutido um conflito distributivo. Todos legitimamente querem melhorar sua situação: o contribuinte, o servidor, os prefeitos, a sociedade.

Vivemos uma radicalização deste impasse. Os servidores em greve, o governo isolado e com dificuldades de dialogar e a assembleia mostrando baixa consciência dos limites fiscais. Na última quarta-feira, foram apresentadas emendas ao Projeto de Lei, enviado pelo Governador Romeu Zema, dando um aumento linear de 10% a todos os servidores, elevando a expansão de gastos de 5 bilhões de reais por ano para 16 bilhões. Paralelamente, congelaram o IPVA, o IPI que compõe o FPM e o FPE foi reduzido e o ICMS sobre combustíveis também terá queda. Por outro lado, explodem demandas da sociedade.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bravata golpista

Folha de S. Paulo

2º colocado nas pesquisas, Bolsonaro volta a atacar legitimidade das eleições

"Os votos serão contados no Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos", afirmou Jair Bolsonaro (PL) na quarta (30). A frase poderia passar por hermética, não fosse a ficha corrida de ofensivas golpistas e autoritárias do mandatário.

Bolsonaro voltava a insinuar que haverá alguma apuração paralela —sabe-se lá como, pois fracassou seu plano de instaurar a votação em papel. Ameaçava desobedecer ao Supremo Tribunal Federal.

Para não haver dúvida, em discurso no dia seguinte no qual defendeu outra vez a ditadura, atacou quem atrapalha a transformação do país em uma "grande nação". "Se não tem ideias, cala a boca. Bota a tua toga e fica aí."

Apesar da truculência, Bolsonaro não foi tão explícito quanto no ápice de sua fracassada campanha subversiva, no 7 de Setembro passado. Depois de ser barrado pelas instituições, o presidente interrompeu momentaneamente as ameaças ao pleito deste ano.

A partir do final de 2021, porém, voltou à carga. Em dezembro, criticou o STF pelo que chamou de abuso na prisão de correligionários —investigados, como ele próprio, no inquérito das fake news. Em janeiro, disse que teria vencido no primeiro turno em 2018, se as eleições fossem "limpas".