Márcio Allemand / Revista ISTOÉ
Edição 21/04/2022 - nº 2726
Roberto Freire está há mais de 60 anos na
política, desde os tempos que ainda era estudante da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em 1972, Freire se candidatou pela
primeira vez em uma eleição. Concorreu à prefeitura de Olinda pelo então MDB,
partido com o qual ele tinha relações desde seu surgimento, em 1965. Na época,
chegou a ser o mais votado, mas perdeu para a soma dos votos das duas
sublegendas do Arena, partido que apoiava o regime militar. Dois anos depois,
ele foi eleito para seu primeiro mandato como deputado estadual em Pernambuco,
também pelo MDB, e foi um dos protagonistas na luta pela redemocratização. Ali
ele despontava como um dos expoentes da esquerda nordestina e começava sua
carreira política em nível nacional. Foi eleito para quatro mandatos sucessivos
de deputado federal. Em 1989, nas primeiras eleições diretas depois do regime
militar, foi candidato à Presidência da República e foi o primeiro voto de
muitos dos que estavam indo às urnas pela primeira vez. Perdeu. Em 1994 foi
eleito senador e, em 2002, voltou à Câmara para o seu 5° mandato como deputado
federal. Hoje, aos 80 anos, é presidente do Cidadania e está articulando uma
nova sigla que deve unir o seu partido ao PSDB.
Como o senhor avalia o país
nas duas últimas décadas?
Perdemos uma grande oportunidade, principalmente no início do século XXI,
quando o mundo cresceu como nunca em sua história. Tivemos um processo muito
importante com a chegada da China ao mercado mundial e que provocou grandes
ganhos para o Brasil. Só que esses ganhos não foram aproveitados, mas sim,
dilapidados. Ao invés de investirmos em obras de infraestrutura, partimos para
um consumo desenfreado.
Mas não é bom que a população
consuma mais?
É ótimo para um governo populista. Mas para um país que tem problemas graves,
com uma população carente de vários serviços, não. E pouco se fala disso. A
verdade é que o Brasil jogou fora uma oportunidade. Ele não surfou na onda do
mundo que cresceu no início dos anos 2000, mas aproveitou-se da onda como um
bom malandro. Logo depois o mundo entrou numa recessão profunda.
Acha que houve excessos da
Operação Lava Jato?
A Lava Jato teve um papel importante no combate à corrupção, mas cometeu alguns
excessos. Nós sabemos que ninguém apura e investiga um mecanismo daqueles, que
envolvia o ex-presidente da República, grandes estatais e os capitães da
indústria brasileira, usando luvas de pelica. Tanto é verdade que desmancharam
tudo o que foi feito. Quero ver alguém apontar um juiz que não fale com a
polícia, com o Ministério Público, que não mantenha diálogo com alguém envolvido
no processo de investigação. Isso é um purismo que se buscou e que nunca
deveria existir.
O senhor acredita que o
ex-juiz Sergio Moro errou ao deixar o Podemos e ir para o União Brasil?
Acho que em relação a Moro faltou orientação política desde o começo. Ele
deveria ter analisado melhor a questão da candidatura e se tivesse entrado no
União Brasil lá atrás, a disputa interna poderia ter sido resolvida para que
ele fosse o candidato do partido para disputar as eleições presidenciais. O
nome dele surgiu muito bem num primeiro momento, mas rapidamente começou a
cair. Infelizmente, eleição não é concurso, não há mérito. Há emoção e carisma.
Falta ao Moro vivência política.