quarta-feira, 27 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A política de Bolsonaro é a da crise permanente

Valor Econômico

Ao STF cabe agora agir com sensibilidade e firmeza

O presidente da República, Jair Bolsonaro, convicto defensor da ditadura militar, voltou a bater os tambores da guerra contra o Supremo Tribunal Federal e as instituições em nome da “liberdade de expressão”. Menos de 24 horas após o STF ter condenado por 10 votos a 1 o deputado Daniel Silveira (PSL) a 8 anos e 9 meses de prisão, um decreto presidencial contestou a interpretação do Supremo sobre os limites do mandato parlamentar e concedeu “graça” a Silveira, que ofendeu integrantes da Corte, defendeu a volta do AI-5 e incitou as Forças Armadas contra a instituição.

O líder do Centrão e presidente da Câmara, Arthur Lira, recorreu ao Supremo para que fique clara que é atribuição da Casa, e não do STF, a cassação de mandatos de parlamentares. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o decreto de Bolsonaro é legal e nada há a fazer a respeito.

O choque em curso traz riscos evidentes de degradação institucional. O presidente voltou à catilinária contra as urnas eletrônicas e à desmoralização da Justiça, mais passos na marcha constante para contestar os resultados das próximas eleições, caso não seja vencedor. Pior do que isso, a banda fisiológica do Congresso parece ter se alinhado a um ataque antidemocrático de Bolsonaro, o que não havia ocorrido nesta extensão antes.

A investida de Bolsonaro nada teve de amadora ou intempestiva. Explorou as ambiguidades do ativismo do Supremo e suas contradições para fulminar a decisão do STF, revisando-a na prática. O presidente diz estar certo da legalidade do decreto com base em julgamento da Corte sobre o indulto a ex-condenados pela Lava-Jato concedido pelo então presidente Michel Temer em dezembro de 2017 e nos argumentos do voto do ministro Alexandre de Moraes na ocasião. O tribunal aprovou o indulto por 7 a 4.

Que um valentão de botequim desqualificado como Daniel Silveira sirva como baluarte da “liberdade de expressão” é só um indício do tipo de parlamentar e cidadão que o presidente preza e da sociedade que almeja. Não há dúvida de que houve quebra de decoro parlamentar e de que as ofensas que Silveira proferiu, e os desacatos às ordens judiciais subsequentes, ultrapassam até uma noção bastante elástica a imunidade a que tem direito. Há divergências sobre isso entre advogados e juristas, e uma terceira posição, daqueles que acham que Silveira foi além dos limites, mas que a dosagem da punição foi desproporcional - o voto do ministro André Mendonça, por exemplo, foi nessa linha.

Outro fantasma legal que rondou o julgamento foi a da cassação de mandatos, para o qual há razoável entendimento de que cabe ao Congresso a decisão. Nas mãos do Centrão, uma questão vital virou jogada política - sob o manto das prerrogativas do Legislativo, apoia-se a impunidade. A Comissão de Ética da Câmara há 9 meses tem um parecer do caso Silveira pronto para ser votado e isso não acontece, mesmo que sua prisão tenha sido aprovada por 364 votos a 130, a comissão não se move. Desde 2002, apenas 7 parlamentares perderam o mandato. Algo mais grave ocorre com 150 pedidos de impeachment de Bolsonaro, ignorados por Lira.

A aproximação das eleições e o perdão a Silveira mostram mudança no ambiente político. A bandeira defesa da “liberdade de expressão” foi empunhada também pelos clubes militares. A inabilidade do ministro Luís Roberto Barroso, em palestra, detonou no mesmo dia uma reação do ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, com aval do Alto Comando militar e de Bolsonaro.

Barroso, em inexplicável excesso de polidez, não identificou o sujeito da frase da discórdia, a de que as Forças Armadas estavam sendo orientadas a atacar o sistema eleitoral. O sujeito oculto é o presidente da República e comandante chefe das Forças Armadas, que faz propaganda contra a urna eletrônica desde que foi eleito. O ministro da Defesa exigiu “provas” - elas existem em abundância, como no 7 de Setembro de 2021, ou antes, ou depois - e considerou a fala “ofensa grave”. Bolsonaro submete os militares à sua vontade, como fez ao trocar todo o Alto Comando e seu ministro, Fernando Azevedo.

O comando militar parece agora mais alinhado às intenções do presidente do que antes, o que pode ampliar o choque institucional. Ao STF cabe agora agir com sensibilidade e firmeza. Há poucas dúvidas de que Silveira tornou-se inelegível, e se tornará de fato quando forem julgados todos os recursos, o que precisa ser feito celeremente. Um exame sereno da legislação ditará se ele escapa da prisão, como prevê o decreto de Bolsonaro.

O voto dos auxiliados

Folha de S. Paulo

Transferência de renda não garante transferência de eleitor, descobre Bolsonaro

Principal cartada de Jair Bolsonaro (PL) na disputa por um novo mandato, o Auxílio Brasil pagará R$ 89,1 bilhões neste ano eleitoral. Para uma ideia das dimensões do novo programa, o antecessor Bolsa Família desembolsava R$ 42,4 bilhões anuais, em valores corrigidos, quando a petista Dilma Rousseff se reelegeu em 2014.

Vai se constatando, porém, que transferência de renda não resulta de modo automático em transferência de voto. Até aqui, Bolsonaro não conquistou popularidade entre os que declaram viver em domicílios atendidos pelo programa —ou 23% dos brasileiros acima de 16 anos, segundo o Datafolha.

Pelo contrário, em março o presidente obteve nessa clientela avaliações piores e mais rejeição do que no conjunto do eleitorado nacional. Entre os beneficiários do auxílio, são apenas 19% os que consideram o governo ótimo ou bom (ante 25% na população) e aqueles que se dizem inclinados a reeleger o mandatário (ante 26%).

A esta altura, não há mais do que hipóteses na tentativa de explicar o fenômeno. Algumas, não excludentes entre si, parecem razoáveis.

Uma delas é a comparação não mais com o Bolsa Família, mas com o auxílio emergencial instituído no início da pandemia, que chegou aos R$ 600 mensais e de fato melhorou a avaliação de Bolsonaro.

O Auxílio Brasil teve valor básico fixado em R$ 400, quantia tida como insuficiente por 68% dos atendidos —percepção provavelmente acentuada pela alta inflacionária.

Soa plausível ainda que o novo programa seja visto por muitos de seus beneficiários como mera continuação do Bolsa Família, associado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —que tem até 59% das intenções de voto nesse estrato do eleitorado, ante 43% no total.

É natural, pois, que a campanha de Bolsonaro planeje concentrar esforços em associar a política social ao governo, como noticiou a Folha. A tarefa seria mais fácil, decerto, se o presidente e candidato tivesse, em sua longa carreira política, demonstrado algum mínimo interesse no assunto.

Nos tempos de deputado, tratou a transferência de renda como a mera criação de um curral eleitoral, relação que agora se mostra menos simplista. No governo, andou a reboque do Congresso na implantação do auxílio emergencial.

Se não estivesse cronicamente limitado à pauta ideológica que só mobiliza seus apoiadores mais inflamados, poderia apresentar ao eleitorado diretrizes para um programa abrangente, duradouro e compatível com o equilíbrio orçamentário. Trata-se de debate que deveria ser travado sem demagogia por todos os presidenciáveis.

Chame o diretor

Folha de S. Paulo

De modo incipiente, avançam iniciativas para profissionalizar gestão de escolas

As mazelas que assolam a educação pública brasileira não se limitam à sala de aula e as dificuldades enfrentadas por alunos e professores. Há deficiências graves de gestão, que se estendem das cúpulas de governos aos cargos de direção nas redes municipais e estaduais.

Em 2014, segundo o IBGE, nada menos que 74,5% dos municípios adotavam apenas critérios políticos para o preenchimento de diretorias. Cinco anos depois, o índice até melhorou, mas se manteve em altíssimos 69,5% das cidades.

Não é difícil entender a persistência do fenômeno nem os prejuízos que ele pode acarretar. O apadrinhamento de diretores escolares abre espaço para as práticas deploráveis do clientelismo, uma vez que tende a privilegiar, no indicado, a fidelidade política à qualificação profissional.

Um projeto de lei, parado desde agosto de 2021 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, busca tornar tais escolhas mais racionais e republicanas.

O diploma estabelece a adoção de critérios técnicos de mérito, desempenho e participação da comunidade escolar no processo de seleção dos diretores dos estabelecimentos públicos do país —acabando, ao menos no papel, com as indicações eminentemente políticas.

Mesmo na ausência de uma lei federal, alguns estados já vêm agindo nesse sentido. Um dos primeiros foi Sergipe, que desde 2019 aplica parâmetros técnicos na escolha dos diretores. Por meio de um processo seletivo, os postulantes apresentam seus currículos, bem como propostas de gestão, que são então analisados e classificados por uma banca de especialistas.

Em Minas Gerais, os gestores são escolhidos em votação pela comunidade escolar. Todos os candidatos precisam ter alguma formação em pedagogia e serem aprovados no processo de Certificação Ocupacional de Diretor, uma espécie de credenciamento dos servidores na secretaria de ensino.

Já em São Paulo, a seleção se dá tanto por intermédio de concurso público, que exige licenciatura em pedagogia e considera a experiência em sala de aula, como por meio de designação, em que um servidor da rede é temporariamente designado para a função.

Se os vários métodos de escolha revelam a dificuldade de adotar uma fórmula ideal, não resta dúvida a respeito da importância de padrões de competência. Nenhuma lei, porém, substitui o monitoramento persistente de metas e resultados que deveriam estar no centro da política educacional.

STF não deve cair na provocação bolsonarista

O Estado de S. Paulo

Não há duelo entre Bolsonaro e STF. A Corte tem apenas cumprido seus deveres. E a briga do presidente é mais ampla e mais grave: é com a lei e com a democracia

Segundo o conto bolsonarista, o que se vê hoje no País seria o duelo entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF), nada mais que a disputa, própria do sistema de freios e contrapesos, entre dois Poderes da República. Esse discurso, aparentemente muito institucional, não tem nenhum apoio nos fatos. Os últimos dias foram especialmente significativos para desmascarar a falsa simetria entre o STF e o Palácio do Planalto, a começar pelo comportamento do próprio Bolsonaro.

Na semana passada, cumprindo suas funções constitucionais, o STF julgou uma ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que, em função do cargo, tem foro privilegiado. No julgamento da ação, não houve a rigor nada de estranho. O órgão judicial competente analisou a causa criminal, proferindo decisão de condenação por 10 votos contra 1. Era apenas o Judiciário fazendo o seu trabalho.

Ação penal não é tema do Executivo, mas Jair Bolsonaro viu, no caso, uma oportunidade para criar confusão. Sob o pretexto de conceder indulto, o presidente da República arrogou o direito de rever a decisão judicial, declarando que o deputado do PTB era inocente. Segundo Bolsonaro, as ações de Daniel Silveira estariam cobertas pela imunidade parlamentar.

O decreto presidencial não continha, portanto, nenhum perdão. Era nada menos que um novo entendimento jurisprudencial, proferido por órgão inteiramente incompetente. Não era o Executivo federal exercendo uma de suas atribuições constitucionais. Era Bolsonaro sendo Bolsonaro, convertendo todas as situações em ocasião de enfraquecer as instituições.

Desde os dois episódios da semana passada – condenação pelo Supremo e revisão da condenação pelo Palácio do Planalto –, os dois padrões de comportamento vêm sendo sistematicamente repetidos. De forma exemplar, o Supremo não caiu na provocação de Jair Bolsonaro. Fosse verdadeiro o discurso bolsonarista, seria a ocasião perfeita para o STF responder na mesma moeda. Mas não. O que se viu foram despachos técnicos, proferidos nos autos, tanto pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, como pela relatora da ação que questiona o indulto, ministra Rosa Weber.

Alexandre de Moraes determinou que o decreto presidencial seja juntado aos autos, lembrando o entendimento consolidado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que indulto não alcança a inelegibilidade relativa à condenação criminal. Em seguida, intimou a defesa de Daniel Silveira para que se manifeste sobre o decreto e sobre o descumprimento de medidas cautelares por parte do réu. Na outra ação, Rosa Weber abriu prazo de 10 dias para Jair Bolsonaro se manifestar sobre o indulto. Assim atua a Justiça: de forma técnica, nos autos.

Por sua vez, Jair Bolsonaro confirmou que seu objetivo nunca foi indultar Daniel Silveira, e sim criar tumulto. Uma vez que o Supremo não respondeu ao deboche de quinta-feira passada, Bolsonaro precisou recorrer a novos assuntos para manter o clima de aparente duelo. Na segunda-feira, chegou a dizer que talvez não cumpra a decisão do STF sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. “Se ele (Edson Fachin, relator da ação) conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir”, disse.

É constrangedor o comportamento de Jair Bolsonaro, em descarada procura de assuntos que o coloquem em colisão com o Supremo. Engana-se quem pensa, no entanto, que a briga do bolsonarismo é com a Corte constitucional. O presidente não está preocupado com eventual ida de Daniel Silveira à cadeia, tampouco com o STF, como se o motivo da desavença fosse a interpretação de algum ponto da Constituição.

A confusão provocada por Jair Bolsonaro é muito mais grave. É meio para enfraquecer as instituições e, assim, avançar com mais desenvoltura em sua caminhada rumo à impunidade da família e, quem sabe, à permanência indeterminada no poder. Não foi assim que Hugo Chávez fez?

Musk e a concentração de poder na internet

O Estado de S. Paulo

Independentemente do valor das propostas para o Twitter, missão de regular a concentração de poder e a liberdade de expressão ainda é da sociedade e de seus representantes eleitos

A compra do Twitter por Elon Musk é uma das maiores da história. Mas, se o impacto é grande em termos de negócios, parece ainda maior em relação à regulação da liberdade de expressão online.

O próprio Musk se diz menos interessado no negócio. “Eu não ligo para a economia em absoluto”, disse. “É só o meu senso forte e intuitivo de que ter uma plataforma pública que seja maximamente confiável e amplamente inclusiva é extremamente importante para o futuro da civilização.”

As reações foram igualmente hiperbólicas. Nos EUA, os conservadores, que se sentem perseguidos pelas Big Techs, estão radiantes; os progressistas, horrorizados. Para um articulista da revista Axios, Musk “está cada vez mais se comportando como um supervilão do cinema”. A senadora democrata Elizabeth Warren disse, em um tuíte, que “esse negócio é perigoso para a nossa democracia”.

Por trás destas esperanças e temores há uma legítima inquietação com a concentração de poder das Big Techs e a liberdade de expressão. Os governos e sociedades democráticas ao redor do mundo têm debatido formas de regulação para lidar com essas questões. A compra do Twitter não altera em nada a magnitude desse desafio, mas as ambições de Musk de utilizá-lo como um laboratório para provar suas convicções maximalistas sobre a liberdade de expressão podem trazer subsídios às instâncias reguladoras.

A ideia de Musk é que as publicações do Twitter são mais policiadas do que eram há alguns anos. De fato, há uma década as plataformas advogavam pela liberdade máxima dos usuários, alegando que não eram editoras. Em 2012, um gerente do Twitter o descreveu como “a ala da liberdade de expressão do partido da liberdade de expressão”.

O uso bombástico das redes por políticos como Donald Trump e a pandemia mudaram essa atitude. Em 2019 o Twitter removeu 1,9 milhão de postagens e suspendeu 500 mil contas. Em dois anos essa cifras cresceram, respectivamente, para 5,9 milhões e 1,2 milhão.

A filosofia de Musk é que, quanto mais livre e competitivo for o mercado público de postagens, mais a verdade prevalecerá. Mas não está claro o quanto ele está consciente das tensões entre a viralização dos conteúdos e a sua retidão. Anos de experiências das mídias sociais mostram que a competição por compartilhamentos e “likes” não tende naturalmente à verdade. “Maus protagonistas e más informações têm uma vantagem natural”, disse Tobias Rose-Stockwell, que pesquisa a influência da tecnologia sobre as emoções morais e consensos cívicos.

Ainda assim, algumas das principais ideias de Musk vão na direção proposta por muitos estudiosos para desintoxicar as redes, como a repressão aos spams por robôs e a autenticação dos usuários humanos. Ele promete ainda limitar a penalização de conteúdos inadequados com bloqueios focalizados em suspensões temporárias e mover as fontes de receita para mais longe da publicidade e mais perto das assinaturas.

Em um ambiente volátil como as redes sociais, é difícil prever se essas medidas darão certo. A mais intrigante delas, a transparência dos algoritmos de moderação, por exemplo, tem o potencial revolucionário de abrir o negócio aos competidores e aumentar o controle dos usuários. Por outro lado, há o risco de entregar aos mal-intencionados as ferramentas para explorar a plataforma. Dar aos usuários mais controle também pode aumentar a segregação.

Musk disse que “políticas para uma plataforma de mídia são boas se os 10% mais extremos na esquerda e na direita estão igualmente infelizes”. Isso pode ser ruim para os negócios, mas bom para a sociedade. Mais de 75% do conteúdo político no Twitter é gerado por 6% dos usuários, e a esmagadora maioria deles está nos extremos.

Ninguém duvida dos talentos de Musk para empregar as melhores descobertas científicas em bons negócios. Há uma crescente literatura científica sobre as disfunções políticas provocadas pelas mídias sociais. Se ele for capaz de empregar o melhor dessas pesquisas no Twitter, já será um passo relevante rumo ao “futuro da civilização”.

A arrastada venda da Eletrobras

O Estado de S. Paulo

Cabe exame minucioso dos detalhes da operação pelo TCU, já que parlamentares abriram mão dessa prerrogativa

Um pedido de vista no Tribunal de Contas da União (TCU) adiou a privatização da Eletrobras, prevista para maio. Depois de ventilar que qualquer postergação colocaria por terra a possibilidade de capitalização da empresa neste ano, o governo anunciou que trabalha para concluir a operação em agosto, dois meses antes das eleições. Mesmo com eventuais ajustes, tudo indica que o processo será aprovado pela Corte de contas, de forma que o que se deve discutir são os motivos pelos quais foi solicitado mais tempo para analisar o caso.

Autor do pedido, o ministro Vital do Rêgo alegou a existência de inconsistências nos estudos que servirão de base para a privatização e para o cálculo do preço mínimo da ação. Ele pretendia trazer suas considerações em até 60 dias, mas uma ala da Corte de contas liderada por Jorge Oliveira, indicado por Jair Bolsonaro, chegou a cobrar a devolução do processo em apenas uma semana. Incomodado, o ministro Bruno Dantas disse que poucas vezes havia visto uma tentativa de pressionar o TCU de forma tão avassaladora – aparentemente, ele se esqueceu do uso dessa mesma estratégia na aprovação do edital do 5G, em agosto. Acordaram-se, por fim, 20 dias.

De fato, a pressão sobre o TCU foi pública e notória. Numa óbvia referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que candidatos estariam procurando o TCU para travar a venda da Eletrobras. Evidentemente, os ministros da Corte de contas se irritaram com a insinuação. Se de fato o ambiente não estava favorável para a aprovação do processo, Guedes contribuiu diretamente para conturbá-lo.

Independentemente das questões políticas, os questionamentos feitos pelo TCU sobre a privatização são válidos, e é este o momento certo para fazê-los – não depois que a capitalização estiver concluída. Vários pontos passaram ao largo das preocupações do Congresso durante a tramitação da medida provisória que autorizou a venda da estatal – editada em fevereiro e aprovada em apenas quatro meses com dezenas de jabutis, como são chamadas as emendas estranhas ao texto original. Uma delas, já regulamentada por decreto, foi a contratação de termoelétricas em locais onde não há reservas, gasodutos ou linhas de transmissão para escoar a energia.

Não está mais em questão se a Eletrobras deve ou não ser privatizada: o Congresso deu o comando legal para que isso seja feito. Tampouco faz sentido manter uma estatal sem capacidade de investimento em uma área em que o setor privado atua com eficiência. Mas cabe, sim, exame minucioso dos detalhes da operação por parte do TCU, dado que os deputados e senadores abriram mão dessa prerrogativa. Espera-se que essa avaliação seja concluída com celeridade e que impeça danos à empresa e à sociedade, até porque a companhia recebeu aportes bilionários do Tesouro no passado. Neste momento, não há dúvidas de que o pior cenário possível seria o cancelamento da capitalização da Eletrobras e a manutenção de jabutis com custo bilionário aos consumidores.

Controle do Twitter por Elon Musk desperta temores

O Globo

Embora o Twitter não seja a maior rede social, nem mesmo um grande sucesso como negócio, adquiriu importância sem paralelo na política contemporânea. De 15 anos para cá, foi a plataforma mais usada para projetar movimentos populares, difundir ideias e opiniões, em especial as extremistas. Militantes de todo tipo, dos antirracistas aos antivacinas, lá encontraram terreno acolhedor. Foi o campo em que o bolsonarismo floresceu e o veículo predileto de Donald Trump — até ser banido por ter instigado a invasão do Capitólio. Não faltam motivos para a compra da empresa por Elon Musk, o homem mais rico do mundo, despertar temores.

O principal é que sua visão libertária leve ao relaxamento das normas sobre a desinformação na plataforma, conhecida pela virulência. Bolsonaristas e trumpistas celebraram a chegada de Musk; seus adversários se mostraram decepcionados. Empresário mais afeito ao mundo etéreo da transição energética ou das viagens interplanetárias, ele terá de se voltar agora para o chão pedregoso e enlameado da política.

Embora Musk tenha dado pistas de sua intenção — ampliar a liberdade de expressão e as contas verificadas, afrouxar as políticas de moderação, talvez criar um recurso de edição de tuítes —, ninguém sabe o que fará em relação aos temas críticos: a volta de Trump e as tentativas de usar o Twitter para atacar a democracia ou dar golpes de Estado. É preocupante o risco de que o volume dos trinados e gorjeios por lá cresça vários decibéis, com consequências que podem se revelar dramáticas.

Tal inquietação resulta da omissão das autoridades americanas na regulação das redes sociais. Como afirmou o psicólogo social Jonathan Haidt em ensaio na revista The Atlantic, “na média, as mídias sociais amplificam a polarização política, fomentam o populismo, especialmente de direita, e estão associadas à disseminação de desinformação”. Privilegiam a minoria extremista em detrimento da maioria moderada. “Precisamos fortalecer as instituições democráticas para que possam resistir, reformar as redes sociais para que sejam menos corrosivas, preparar a próxima geração para a cidadania democrática nesta nova era”, afirma Haidt.

Uma missão dessa envergadura não deve ficar a cargo apenas de empresários, mesmo os mais bem-sucedidos, ou das “mentes iluminadas” do Vale do Silício. É trabalho de políticos. Um exemplo do que precisa ser feito é a nova legislação da União Europeia (UE) para limitar o poder das gigantes digitais.

Entre as medidas adotadas estão a obrigação de policiar de forma eficaz o conteúdo on-line, o veto a propagandas dirigidas a menores e à segmentação de anúncios com base em etnia, religião ou orientação sexual. A venda de produtos ilegais sofrerá penalidades mais pesadas. Em março, a UE já anunciara a Lei de Mercados Digitais, com regras para aumentar a competição e multas pesadas contra práticas monopolistas. É esperado que esse tipo de iniciativa influencie legislações semelhantes noutros países. No Brasil, a prioridade deveria ser a aprovação do PL das Fake News — infelizmente deixado em segundo plano pela Câmara.

Não se trata apenas de garantir um mercado saudável. Está em jogo a própria democracia, vítima de campanhas de desinformação sob os olhares sonolentos e cúmplices de autoridades omissas e empresas que se guiam mais pelos índices de engajamento e audiência que pelo espírito democrático.

É precipitada a decisão de governos de acabar com passaporte sanitário

O Globo

Foi açodada a decisão do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), de acabar com a exigência do passaporte sanitário. O anúncio foi feito na segunda-feira, após reunião do comitê científico que assessora a prefeitura nas medidas de combate à Covid-19. O grupo recomendou a suspensão temporária da obrigatoriedade do certificado de vacinação, até então pedido em atrações turísticas e lugares sujeitos a aglomeração, como bares, restaurantes, academias, salões de beleza, ou eventos como os desfiles no Sambódromo.

Não há dúvida de que os números da doença são favoráveis, mas o Rio não é uma ilha, recebe visitantes do país inteiro. De acordo com a prefeitura, na terça-feira havia apenas nove pacientes internados com Covid-19. A taxa de ocupação das UTIs está em 49%. As 34 Regiões Administrativas do Rio mantêm classificação de risco baixo para a doença.

Os números da vacinação também são positivos. Está com o esquema vacinal completo 87% da população carioca (ou 99,8% dos adultos). Mas a dose de reforço — essencial para o controle das novas variantes — não foi tão bem-sucedida. Até agora, 62,4% dos adultos a tomaram. Decreto do próprio prefeito estipulava que o passaporte só acabaria quando 70% tivessem a dose de reforço.

Pioneira em dispensar o uso de máscaras — depois foi seguida por praticamente todas as capitais —, a cidade do Rio não é a primeira a pôr fim ao passaporte sanitário. No dia 20, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), sancionou uma lei que proíbe a exigência do certificado de vacinação no estado. Mato Grosso também aprovara em março lei semelhante. Não há dúvida de que essas decisões influenciarão outros governos. Em ano eleitoral, ninguém quer arcar com o ônus da impopularidade das medidas de restrição.

A pandemia não está controlada, nem no Rio, nem no Brasil, nem no mundo. Na China, megalópoles como Xangai e Pequim enfrentam confinamentos severos com o aumento de casos. Nos Estados Unidos, cidades como Filadélfia voltaram a exigir máscaras em lugares fechados devido ao crescimento do número de infectados. Em entrevista ao GLOBO, o imunologista Anthony Fauci, que comanda o combate à Covid-19 nos EUA, diz acreditar que a pior fase da pandemia já tenha passado, mas lembra que situações semelhantes já aconteceram antes, e surgiram novas variantes do vírus.

Tanto no Rio quanto no resto do Brasil, a dose de reforço ainda patina (em torno de 50%). O risco de abolir as poucas medidas de restrição que ainda resistem é criar na população uma falsa e perigosa sensação de que a pandemia acabou, desestimulando a vacinação, melhor arma contra a doença. O passaporte sanitário é uma garantia de segurança para todos e não chega a ser estorvo na vida de ninguém. Não há por que eliminá-lo num momento em que o país ainda registra cerca de cem mortes diárias. Interesses políticos não podem se sobrepor aos aspectos sanitários. Como afirmou Fauci: “Já fomos enganados antes”.

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