domingo, 8 de maio de 2022

Ao lançar pré-candidatura, Lula defende democracia e nega desejo de vingança

Lançado pré-candidato, Lula critica privatizações, prega união de democratas e diz não ter desejo de vingança

Apesar de críticas, petista não cita Bolsonaro nominalmente, mas diz ser 'proibido ter medo de provocação, de fake news via zap, Instagram'

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva focou o seu discurso, no ato de lançamento de sua pré-candidatura a presidente da República neste sábado, na defesa da soberania nacional, com críticas às privatizações. Também revelou a sua intenção de unir os democratas e negou ter sentimento de vingança em virtude dos processos que o levaram a passar 580 dias preso entre 2018 e 2019. Numa fala lida, o petista listou programas de sua gestão e disse que o presidente Jair Bolsonaro (PL) destruiu boa parte das suas realizações. 

Apesar das críticas, o adversário não foi citado nominalmente nenhuma vez pelo petista durante o seu discurso. Lula disse ter orgulho de Geraldo Alckmin (PSB) ter aceitado ser vice e se comprometeu a trabalhar para trazer novos apoios para a sua candidatura:

— Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais e de todos os credos religiosos. Para enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país. Queremos construir um movimento cada vez mais amplo de todos os partidos, organizações e pessoas de boa vontade que desejam a volta da paz e da concórdia ao nosso país — discursou.

O ex-presidente se disse ainda perseguido em razão das acusações de corrupção que enfrentou, mas tentou garantir que, caso eleito, não governará olhando para o passado:

— Não esperem de mim ressentimentos, mágoas ou desejos de vingança. Primeiro, porque não nasci para ter ódio, nem mesmo daqueles que me odeiam.  Mas também a tarefa de restaurar a democracia e reconstruir o Brasil exigirá de cada um de nós um compromisso de tempo integral. Não temos tempo a perder odiando quem quer que seja.

De acordo com Lula, Bolsonaro usa as brigas para mascarar a sua incompetência.

— Não faremos jamais como o nosso adversário, que tenta mascarar a sua incompetência brigando o tempo todo com todo mundo

Lula também fez referência às crises de Bolsonaro com outros Poderes:

— É imperioso que cada um volte a tratar dos assuntos de sua competência. Sem exorbitar, sem extrapolar, sem interferir nas atribuições alheias. Chega de ameaças, chega de suspeições absurdas, chega de chantagens verbais, chega de tensões artificiais. O país precisa de calma e tranquilidade para trabalhar e vencer as dificuldades atuais. E decidirá livremente, no momento que a lei determina, quem deve governá-lo.

Paulo Fábio Dantas Neto*: Política anti-pane: visões laterais contra o fatalismo e o negacionismo

Foi-se o pior da pandemia e teremos eleições, notícias que trariam, respectivamente, alívio e esperança. No entanto, novos riscos se apresentam. Os ventos guerreiros pesados que sopram do exterior nesse momento sinalizam perigo ainda maior para a humanidade do que aquele que ainda mal vencemos. A eles agregam-se outros, domésticos (ou emanações domésticas de um infortúnio mundial), que rarefazem o ar em todo o Brasil, desde Brasília, trazendo maus presságios quanto ao futuro imediato. Como não podia deixar de ser, as recepções, quase sempre atônitas, dessa energia negativa variam e ainda mais variam as muitas vezes afoitas prescrições de solução. Um norte com que contamos para calçar a resistência é a consciência da força da incerteza. Consciência que pede gestos afins.

A sociedade brasileira fica inquieta quando assiste cada enésimo episódio de boçalidade a conta-gotas, como, por exemplo, um alpinista social medíocre sair do justo anonimato para um cargo de governo na área da cultura, insultar artistas consagrados numa semana e, na outra, cercado de outros rapazes zombeteiros, anunciar, como política libertária, o uso espúrio de recursos públicos para fomentar a “cultura” do armamento de milÍcias contra o Estado. De inquieta, a sociedade passa a ficar perplexa quando nenhuma autoridade aparece para enquadrar o preposto nos limites da lei e destinar-lhe a punição devida pela porciúncula de terrorismo de Estado que ele protagoniza nesses dias de fama fácil.

Diante de tais situações insólitas, que vão se tornando rotina, a política não vem produzindo vacinas nem abrindo horizontes amplos para deter a estratégia golpista. Limita-se ao varejo de arregimentações e dispersões eleitorais parciais, supondo que o básico (as eleições) está garantido e que tudo será uma questão de tempo até que as urnas resolvam as pendências e nos redimam. Até lá cada qual faz seu jogo como quer. Buscar unidade ou demarcação na oposição, diante do abismo; opor-se ou compor-se com o governo, diante do golpismo; e diante da polarização instalada, apostar na razão, na emoção, no escárnio ou na ameaça, tudo isso seria do jogo (“em qual eleição não foi e em qual não será sempre assim?”). Esse cinismo impune dissolve, melancolicamente, em mentes crentes na vida pública, a aspiração de reverter o estado crítico de equilíbrio instável em que ataques antidemocráticos e antirrepublicanos proliferam. Nessa morte civil, a hipótese de manter o estado crítico pelos próximos quatro anos parece, a corações apertados, um “menos mal’, quando comparada à da corda partir, afinal.

Vamos lá, usemos o jargão da moda e digamos, com algum otimismo, que outra narrativa é possível, a partir de um exemplo concreto. A exposição, neste sábado, da convergência quase completa de partidos de esquerda e centro-esquerda em torno da candidatura do ex-presidente líder das pesquisas é, em si, animadora. Oxalá seja um marco para que a aliança avance mais e passe a ser eixo da reunião do maior número possível de partidos, políticos e eleitores democratas, também fora da esquerda.

Para se chegar a esse tanto necessário os percalços abundarão. Há muito o que mudar no discurso e nos métodos de campanha de Lula e na sinalização da atitude política de um futuro governo que surja de seu sucesso nas urnas. Frisar isso não é ocioso nem sinal de má vontade, expressa uma pré-condição. Para se propor reconstrutor do país após a devastação bolsonarista, Lula precisará se conciliar com a parte da sociedade atual que herdou a decepção que ele causou em parte dos seus eleitores de 2002. Ao se apresentar, no momento, como a única opção competitiva para evitar a permanência de Bolsonaro, sua candidatura passa a ter uma função social que transcende o interesse de seus proprietários originários. É interesse nacional que ela se oriente para um objetivo cívico, por maior que seja a tensão entre esse objetivo, de um lado e, do outro, as disposições íntimas do protagonista e a argamassa política estruturadora do seu partido. Sua celebrada vocação de ator precisará provar que ainda pode prevalecer hoje sobre as feridas existenciais do seu ego e sobre o desejo de revanche que pulsa no seu entorno, do qual talvez se veja devedor. Um líder político da nação precisará domar o chefe de facção. O fracasso ou sucesso de Lula na lida com esse script conciliador será vivido não só por ele, mas pelo país.

Merval Pereira: A livre escolha

O Globo

Não há nenhuma razão para quem não é lulista votar no ex-presidente no primeiro turno, nem mesmo dizer nas pesquisas que votará nele. Mesmo que se queira impedir a reeleição de Bolsonaro, e essa é uma tarefa dos democratas, não é preciso apressar o passo, pois a eleição tem dois turnos exatamente para evitar que um presidente seja eleito pela minoria dos eleitores. O raciocínio vale para os antipetistas que escolherão Bolsonaro, apesar de tudo.

Não dá mais para mudar a legislação eleitoral, mas uma medida a ser estudada, menos traumática do que a implantação do parlamentarismo ou do semipresidencialismo, seria fazer um segundo turno com os três mais votados no primeiro, desde que o terceiro colocado tenha tido um número mínimo de votos, a ser definido na regulamentação. A proposta foi feita pelo então deputado federal Miro Teixeira, no inicio de 2013, mas não foi à frente.

Em 2018, Bolsonaro teve 46,03% dos votos, Fernando Haddad 29,28% e Ciro Gomes 12,47%. Se o número mínimo fosse 10% dos votos, Ciro estaria no segundo turno, se fosse 20%, não. Há quem entenda que o vencedor só seria eleito com 50% dos votos mais um, como é hoje. Outros, que quem tiver mais votos, leva. A possibilidade de ter três disputando o segundo turno, de qualquer maneira, seria uma maneira de quebrar a polarização, dar chance a que uma terceira via se apresentasse ao eleitor em situação de competitividade em uma nova eleição.

O voto útil poderia ser mais eficiente do que hoje, quando o eleitor só tem dois a escolher no segundo turno, mesmo que nenhum dos dois sirva a seus propósitos. Deixaríamos de escolher o “menos ruim”, como fazemos há tempos, para escolher “o melhor” dos três. Mas, como temos uma legislação eleitoral a ser obedecida, o primeiro turno pode ser um momento de exercer seu voto no candidato que mais o agrada, mesmo que seja minoritário, mesmo que não tenha chance de chegar ao segundo turno.

Dorrit Harazim: Sem mascara

O Globo

Jair Bolsonaro não usa máscara. Sempre apostou na exposição total. Não usou máscara contra a Covid-19, quando poderia ter incentivado milhões de brasileiros a se proteger da pandemia — um dia, talvez, será possível contabilizar a real extensão dessa semeadura da morte, cujo registro até agora é de mais de 663 mil vítimas oficiais. O presidente tampouco usa de qualquer escudo para esconder sua índole golpista. Nunca precisou de camuflagem. Ao contrário, chegou aonde está graças a sua ostentação incendiária, tão nua quanto crua. A cada etapa, mostra-se mais arrojado, amealhando quanto pode dos podres poderes que nossa democracia em construção ainda tolera. Primeiro como vereador, depois deputado federal pelo Rio de Janeiro, chegou a presidente da República em 2018 nos braços de 55,13% dos votos válidos, ou 57,7 milhões de eleitores. A cada pit stop, tratou de estender benefícios e métodos a sua voraz parentela e conseguiu fidelizar a atual plêiade de sacripantas instalada a sua volta.

Nenhum motivo para mudar de curso, portanto —menos ainda quando cada nova pesquisa de opinião pública para o pleito de outubro próximo reaparece como assombração. A pesquisa mais recente confirma a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto. Como num cenário de segundo turno contra Lula a perspectiva de ser derrotado só aumenta, Bolsonaro está em modo bunker, 100% dedicado a abortar esse roteiro. A qualquer custo e por meio de qualquer arma, como já vem demonstrando de forma estridente.

Bernardo Mello Franco: Campanha de intimidação

O Globo

A Polícia Federal informou que vai reforçar a segurança dos candidatos ao Planalto. A medida parece vir em boa hora. Nas últimas semanas, a militância bolsonarista hostilizou dois adversários do capitão. A campanha ainda não começou oficialmente, mas o clima de intimidação já está no ar.

Ciro Gomes foi perseguido ao visitar uma feira agropecuária em Ribeirão Preto. Sob vaias e xingamentos, teve que apressar o passo para deixar o local. Na saída, revidou parte dos insultos.

Na quinta-feira, Lula teve seu carro cercado num condomínio residencial de Campinas. Um segurança chegou a exibir uma submetralhadora para proteger a comitiva. Os ex-presidentes têm direito a escolta de militares do GSI.

Nos dois episódios, há indícios de que grupos bolsonaristas se organizaram previamente para intimidar os candidatos da oposição. As agressões ficaram no plano verbal, mas isso não significa que a PF possa relaxar.

A campanha de Lula já começou a tomar precauções. Em março, a segurança o impediu de visitar uma favela no Rio. Petistas contam que há orientação para reduzir atividades de corpo a corpo e não entrar em áreas controladas pela milícia.

Míriam Leitão: A urgência real e o delírio inventado

O Globo

Caíram mil quilômetros de florestas no mês de abril, mas o Exército está preocupado é com o problema inexistente da urna eletrônica. O país está sendo dilapidado, bandidos avançam sobre a maior riqueza do Brasil, grileiros atacam o patrimônio coletivo, mas os generais atiram perguntas cheias de insinuações contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os alertas do Inpe mostram que em abril, no fim deste inverno amazônico particularmente chuvoso, houve um aumento de 74% no desmatamento em relação a abril de 2021. Agora é que começará mesmo a temporada de derrubada da floresta. Mas os generais procuram o que Bolsonaro mandou que eles procurassem: algum problema no processo de apuração de votos. Eles não existem, generais.

Volto de dez dias na Amazônia. Volto com a sensação de urgência e a aflição de perda do futuro. Lá, em qualquer ponto, numa casinha de agricultor familiar, na zona rural de uma cidade do interior, há mais lucidez do que em Brasília, onde o presidente da República comanda novo ataque às eleições. Ele conspira desde o primeiro dia do seu mandato. O que agravou a situação foi a absurda atitude do Exército.

Cacá Diegues: O Brasil não vai se acabar

O Globo

Essa próxima eleição tem que servir para evitar a catástrofe definitiva. É a disputa entre civilização e barbárie

Lévi Strauss nos disse que existem dois grupos de cientistas sociais e homens políticos: os conservadores, que acham que a idade de ouro da humanidade foi vivida no passado; e os progressistas, que garantem que a idade de ouro está no futuro. Ninguém se dá conta de que a idade de ouro será sempre o tempo que nos é dado viver, o único no qual podemos intervir e dar-lhe um rumo mais próximo daquilo que julgamos valer à pena.

Estamos praticamente às vésperas de uma eleição presidencial e temos que exigir, em primeiríssimo lugar, que o vencedor respeite a Constituição que nós todos, expressa ou implicitamente, juramos respeitar. Governar ignorando a Constituição é viver numa selva em que só a violência e o acaso decidem o que deve acontecer. Temos o direito de supor que as leis talvez não traduzam a cultura de nosso povo, a quem devemos propor a mudança, se precisarmos mudá-las. Mas só ele e seu desejo têm o direito de mexer nelas.

Toda Constituição democrática deve garantir à maioria a liderança da sociedade e reconhecer o direito de as minorias se manifestarem e viverem do jeito que julgarem mais apropriado, sem fazer mal a ninguém. Se no discurso dominante não houver uma mínima possibilidade de o contrário do que afirmamos estar certo, ele será sempre um discurso autoritário que não serve ao progresso da humanidade. Toda lei é um acordo entre cidadãos que desejam permanecer juntos, unidos numa mesma sociedade, com os mesmos fins.

Luiz Carlos Azedo: Lula resgata seu velho slogan da esperança

Correio Braziliense / Estado de Minas

Não foi à toa que Lula bateu tanto na gestão social e na política econômica de Bolsonaro, muito mais do que nas questões de ordem institucional. É o ponto mais fraco do governo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou, ontem, em São Paulo, a candidatura a presidente da República, tendo o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) como vice. A chapa “lula com chuchu” é uma frente de esquerda formada também por PSol, PCdoB, PV e Rede. Lula fez uma defesa enfática de sua passagem pela Presidência, lembrou as realizações de seus dois mandatos, prometeu defender a soberania do país, restabelecer as políticas sociais de seu governo e retomar o crescimento, com redistribuição de renda. Disse ter sido perseguido judicialmente, mas não guardar rancor, e conclamou todos os democratas a apoiá-lo contra Jair Bolsonaro. E deixou claro que a ex-presidente Dilma Rousseff, presente ao encontro, pelo fato de ter sido presidente da República, não fará parte do seu governo.

O petista foi antecedido por Alckmin, que não compareceu ao ato por estar com covid-19. Fez um longo discurso em apoio a Lula, que qualificou como a única via da esperança para garantir a democracia e derrotar Bolsonaro. Bem-humorado, disse que “chuchu com lula” será um hit culinário, numa alusão ao apelido que ganhou na política por seu perfil moderado, sem arroubos de oratória. Projetado num telão, foi um discurso com o claro propósito de atrair os eleitores mais conservadores e liberais, porém sem margem de dúvida quanto à lealdade ao petista.

Entre uma fala e outra, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que está noiva de Lula, ofereceu como presente de casamento um vídeo gravado por vários artistas, entre os quais Martinho da Vila, Zélia Duncan, Maria Rita e Lenine, no qual o velho slogan da música de campanha de 1989 (Sem medo de ser feliz”) foi resgatado: Lula lá, brilha uma estrela/ Lula lá, cresce a esperança. O refrão foi lançado para o segundo turno da campanha presidencial. Apesar de Lula ter perdido a eleição para Fernando Collor de Mello, até hoje o jingle embala as campanhas petistas. Ontem, no Expo Center Norte, na Zona Norte da capital paulista, não foi diferente.

Eliane Cantanhêde: Paz e guerra

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro quer guerra, Lula joga a rede para centro e direita em clima de Diretas-Já

Quando a “terceira via” faz água e os dois polos da eleição jogam a rede para os náufragos – líderes, militantes e eleitores moderados –, o presidente Jair Bolsonaro envolve as Forças Armadas na guerra contra as instituições, num clima de golpe contra a democracia, e o ex-presidente Lula faz um pré-lançamento em paz, alegre e colorido, em clima de Diretas-Já.

Lula e sua campanha erram nos detalhes, Bolsonaro erra na mensagem e intenções. O ex-presidente, fora de forma, tropeça nas palavras e irrita de policiais a ucranianos numa campanha que parece a casa da Mãe Joana, mas o atual presidente, que vive de teorias conspiratórias e manobras diversionistas, ameaça muito mais profundamente – inclusive as próprias eleições.

Contra Lula e o PT, há as prisões em série do ex-presidente e de ex-presidentes do partido, bancos e estatais da era petista, o que mexe com uma grande ferida nacional, a corrupção. Contra Bolsonaro, há a política deliberada de destruição do ambiente, reservas indígenas, Saúde, Educação, Cultura, política externa. E ele está agarrado ao Centrão...

Pedro S. Malan*: Faltam cinco meses

O Estado de S. Paulo

Até lá (e depois), é preciso assegurar os atributos básicos da democracia e que quem tem armas, em eleições, delas não faça uso.

Disputar é uma coisa, governar é outra foi o título do artigo publicado neste espaço em 8/4/2018. Pode parecer óbvio, e é, mas no Brasil o óbvio por vezes precisa ser reiterado. Por exemplo, não há razão para esperar 2023 para somente então avaliar o que pretendem fazer o presidente e o Congresso que serão eleitos em outubro próximo. Em 2018 opinei, como opino hoje, que os partidos que se julgam competitivos deveriam definir o teor de seu discurso e de suas promessas de campanha, incluindo as linhas gerais e prioridades do programa de governo.

Aparentemente, não é o que pretende Lula, a julgar pela longa entrevista recente à revista Time. Perguntado se não seria mais difícil governar desta vez, afirmou: “Só tem sentido eu estar candidato à Presidência da República porque eu acredito que sou capaz de fazer mais e fazer melhor do que eu já fiz. Eu tenho clareza de que eu posso resolver os problemas (do Brasil)”. Perguntado sobre qual Lula temos hoje, responde: “Sou o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação porque eu já fui presidente duas vezes e a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. Primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que precisa fazer”.

A estratégia de Bolsonaro, por sua vez, parece estar traçada, com objetivos e métodos definidos. O roteiro estabelecido por Trump/Bannon vem sendo seguido à risca e começou a ficar claro com a divulgação do vídeo sobre a famosa reunião ministerial de 21/4/2020. Sua repercussão obrigou Bolsonaro a fazer aquilo que, na campanha, renegara: aproximar o Executivo do Centrão no Legislativo, que desde então vem marcando presença crescente na condução da política no País. O reiterado questionamento – à moda de Trump – de qualquer resultado das urnas que lhe possa ser desfavorável e a continuada confrontação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram ao ponto extremo no último 7 de setembro. Refluíram, dadas as reações, mas o presidencialismo de confrontação e questionamento sobre o processo eleitoral continuam vivos e crescentes. O modelo, uma vez mais, é Trump: até hoje uma maioria de eleitores republicanos considera que as eleições foram fraudadas.

Rolf Kuntz*: Ao vencedor, a crise

O Estado de S. Paulo

O presidente eleito este ano encontrará um legado de inflação alta, juros elevados, economia travada e contas públicas em perigo.

Bolsolula é o candidato mais cotado, neste momento, para assumir a Presidência em janeiro de 2023. Em campanha contra si mesmo, o líder petista parece empenhado em se mostrar tão perigoso quanto seu rival imediato, o inquilino do Palácio da Alvorada. Deve estar ficando difícil, para muitos eleitores, distinguir os dois adversários, o ex-sindicalista e o motoqueiro avesso às obrigações de governo. As diferenças ficam borradas, quando Luiz Inácio Lula da Silva fala em controle social dos meios de comunicação, ou quando aponta como igualmente culpados pela guerra o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelensky, e o autocrata russo Vladimir Putin. O Direito Internacional, tanto quanto o Código Penal brasileiro, diferencia claramente o agressor e a vítima. O agressor, neste caso, foi saudado por Jair Bolsonaro, poucos dias antes da invasão, com uma declaração de solidariedade.

Quem se esforça para ver os detalhes ainda pode apontar algumas distinções. Lula jamais combateu vacinas ou quaisquer medicamentos. Além disso, é difícil imaginá-lo indiferente a milhares de mortes, durante uma epidemia, ou devastando o Ministério da Saúde. Mas ele se aproxima do rival quando propõe irresponsabilidades, como a revogação da minirreforma trabalhista de 2017, a eliminação do teto de gastos e a intervenção nos preços da Petrobras. Também perde pontos, diante de qualquer cidadão atento, quando fala em deixar para depois de eleito um debate amplo e claro sobre política econômica. A frase apareceu na entrevista publicada pela revista Time: “Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições”.

Bruno Boghossian: A direita no poder

Folha de S. Paulo

No coração do poder, partidos respaldam até o projeto golpista do presidente

Alguns meses depois do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente do PP enxergou uma oportunidade. Ciro Nogueira dizia que seu projeto era tornar a sigla uma versão brasileira do Partido Republicano dos EUA. Depois de anos dentro de governos do PT, a ideia era apresentar uma legenda de direita, abertamente conservadora e defensora de valores liberais na economia.

A adesão da sigla a Jair Bolsonaro acelerou esse projeto. Em consórcio com outras legendas do centrão, o PP passou a cumprir um papel semelhante ao do partido que elegeu Donald Trump: endossou a agenda populista do presidente, acomodou seus movimentos radicais e passou a oferecer respaldo institucional a suas ameaças golpistas.

O centrão começou o governo em conflito com a tropa de choque bolsonarista que chegou ao Congresso em 2019. Hoje, os dois grupos estão do mesmo lado, com a missão de manter o presidente no poder.

Vinicius Torres Freire: A economia contra Bolsonaro e Lula

Folha de S. Paulo

Situação deve piorar no meio do ano e discurso de campanha vai afetar 2023

Como as campanhas de Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL) vão reagir às agitações da economia até a eleição?

Além do risco de novos choques mundiais, prevê-se reviravolta ruim a partir de junho. As mudanças aqui e na economia mundial vão limitar ainda mais as possibilidades e a margem de erro do governo que assume em 2023. O peso do que os candidatos favoritos disserem na campanha será, pois, maior, talvez com efeitos imediatos na vida do país.

desempenho do PIB no primeiro trimestre deve ter sido bom. Para os economistas do Itaú, o crescimento foi de 1% ante o trimestre final de 2021. No segundo trimestre, seria de 0,6%. Para os da XP, de 0,8% e 0,4% respectivamente. A partir de julho, o PIB afundaria cerca de 1% por trimestre.

Se o desempenho do PIB no primeiro trimestre foi bom, talvez o melhor do ano, e a dureza é tão grande, como será a vida se voltar a piorar?

A primeira metade do ano, afora choques agudos novos, será de aumento do número de pessoas ocupadas, ainda que com os menores salários da década. Em um ano, mais de 8 milhões de pessoas arrumaram algum trabalho.

Janio de Freitas: O desencontro marcado

Folha de S. Paulo

Inexiste afirmação convincente dos militares de compromisso com a Constituição

O desencontro que se seguiu ao encontro do ministro da Defesa com o presidente do Supremo Tribunal Federal foi, a um só tempo, tão importante e evidente que se efetivou até por escrito pelos dois personagens. Mas não foi visto no que mostrou e significou. O encontro só se justificou por ter levado ao desencontro, que em vários sentidos foi um dos mais expressivos no questionamento à lealdade das Forças Armadas à Constituição, no processo eleitoral.

Encerrado o encontro que o general Paulo Sérgio Oliveira buscou com Luiz Fux no Supremo, ambos dispensaram-se da praxe de falar, sem dizer, aos repórteres. Mais tarde, Fux distribuiu uma nota sobre a conversa sem, no entanto, assiná-la. Emitiu-a em nome do Supremo. E noticiava: "O ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia brasileira". Mais, com a mesma firmeza atribuída ao general: "os militares atuarão, no âmbito de suas competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente".

Noticiário e comentaristas celebraram a informação de Fux e a aparente convicção do general. E logo viria mais um motivo para celebração, na leitura de inesperada nota em nome do Ministério da Defesa. Sucinta, dizia, depois de referência ao "respeito entre as instituições", que na conversa "foi tratada a colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral". E então o fecho: "O ministro da Defesa reafirmou, ainda, o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais".

Renato Meirelles: O dia em que Mário Covas voltou para a política

Veja

Legado do ex-governador de São Paulo estava presente no lançamento da chapa Lula-Alckmin

Sábado, 7 de maio. Lançamento da pré-candidatura da chapa Lula-Alckmin à presidência da república. Na voz de Geraldo, o mais aplicado aluno de Covas, o falecido Governado de São Paulo voltou para política mostrando o seu maior legado: É na democracia que as diferenças encontram o campo seguro para se manifestar. Covas sempre acreditou que em alguns momentos da história, acima de qualquer diferença programática, é necessário a união na defesa do ambiente democrático.

Disse Alckmin em seu discurso; “O Brasil sobrevive hoje ao mais desastroso e cruel governo da sua história. Socialmente injusto e irresponsável. Prometemos hoje ao Brasil um governo realmente democrático.”

Cristovam Buarque*: Brasil é maior

Blog do Noblat / Metrópoles

Lula e o PT não devem ignorar os democratas que não concordam com eles, porque a derrota em 2022 será do Brasil

Em 2006, disputei a eleição presidencial contra Lula e contra Alckmin; o Deputado Paulinho da Força foi meu principal apoio em São Paulo; dezesseis anos depois, Lula e Alckmin compõem uma chapa, com o apoio do Deputado Paulinho e o meu. O que nos colocou nesta posição não foram mudanças em nossas concepções sobre as ações e estratégias para o futuro do Brasil, mas nossa percepção dos riscos imediatos que o país enfrentará se o atual governo for reeleito, e a avaliação de que o único nome capaz de barrar este risco é o Lula.

Enfrentamos aquela eleição com visões diferentes sobre o futuro, agora nos unimos com responsabilidade, diante do presente.

Esta eleição é um plebiscito entre o atual governo autoritário e obscurantista ou um governo com lucidez e diálogo. Plebiscito entre abismo ou esperança. Precisamos nos unir para sair do abismo, depois voltaremos a discordar como construir a esperança.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Dúvida é uma coisa, má-fé é outra

O Estado de S. Paulo

A dúvida que deriva da curiosidade genuína é o motor do desenvolvimento humano. A dúvida que Jair Bolsonaro instila como tática eleitoral é mais vulgar

O presidente Jair Bolsonaro conseguiu transferir para uma expressiva parcela da sociedade os seus próprios medos e inseguranças. Hoje, muitos brasileiros afirmam ter dúvidas em relação a temas que até pouquíssimo tempo atrás eram pacíficos, como a importância das campanhas de vacinação ou a segurança das urnas eletrônicas, apenas para citar dois exemplos paradigmáticos desses tempos esquisitos.

Bolsonaro quer fazer os brasileiros acreditarem que, por trás de tudo que contrarie seus interesses e crenças, haveria um ardil para impedi-lo de governar, para apeá-lo da Presidência da República ou para permitir o triunfo de seus adversários, notadamente o ex-presidente Lula da Silva. Para Bolsonaro e seu grupo de apoiadores mais radicais, dúvidas e insinuações valem mais do que a verdade factual.

Não passa pela cabeça do presidente que ele possa cometer erros, como qualquer ser humano, ou que servidores públicos, ao tomarem decisões que lhe desagradem, possam agir orientados apenas pelo interesse público, dentro dos limites legais de suas atribuições. A Bolsonaro também escapa a compreensão de que os cidadãos possam manifestar livremente repúdio ao seu modo calamitoso de conduzir o País.