segunda-feira, 9 de maio de 2022

Marcus André Melo*: O Brasil está tão polarizado quanto os EUA?

Folha de S. Paulo

A hiperfragmentação e baixíssimo partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização

A polarização se intensificou nos últimos anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela também mudou de chave: é "afetiva", tendo por base a rejeição do rival, e não "programática", com base em políticas.

No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século (1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.

Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as) rejeitam crescentemente o partido adversário.

Celso Rocha de Barros*: Lula e Alckmin prometem o que Bolsonaro não entregou: governo

Folha de S. Paulo

A prioridade é preservar a democracia, mas tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer

discurso de Lula no evento de lançamento da chapa Lula/Alckmin explorou o principal ponto fraco de Bolsonaro: em 2018, os brasileiros não queriam um político, mas queriam um governo. Isso, Bolsonaro não lhes deu. Quem deu foi Lula.

E essa é a vantagem de Lula. Mesmo que os brasileiros tenham críticas a Lula como político, ele já lhes entregou um bom governo. Lula não achava que seu local de trabalho era o Twitter.

Quando a crise do subprime atingiu o Brasil em 2008, Lula não escolheu a estratégia de combate à crise que lhe permitisse trabalhar menos, como Bolsonaro fez com a "imunidade de rebanho" durante a pandemia.

Lula criou o Bolsa Família. Bolsonaro mudou o nome do Bolsa Família. Não há uma única política pública digna de nota introduzida pelo governo Bolsonaro.

Durante a campanha de 2018, era difícil achar um colunista menos otimista com a perspectiva de um governo Bolsonaro do que eu. Mas se você tivesse me dito que, depois de quatro anos, Jair não teria implementado nenhuma política pública nova, eu não teria acreditado.

Bruno Carazza*: Em 2022, Lula está entre 1989 e 2002

Valor Econômico

Evento indica apostas e dificuldades petistas

O lançamento da pré-candidatura da chapa Lula-Alckmin no sábado (07/05) começou com uma releitura do “Lula lá” da campanha de 1989 e terminou com uma chuva de papel prateado sobre os convidados no palco, tendo ao fundo uma enorme bandeira do Brasil - a mesma forma apoteótica criada por Duda Mendonça para celebrar o início da campanha de 2002.

1989 e 2002 representam as duas jornadas heroicas do PT na sua trajetória para se consolidar como o partido mais popular da história brasileira recente.

A primeira eleição da redemocratização foi marcada pela força da militância, que vendia botons e camisetas com a estrelinha vermelha para custear a campanha, dos comitês populares formados para a distribuição de santinhos e panfletos nas ruas e portas de fábricas.

Em 2002, porém, o partido atinge o apogeu da sua máquina eleitoral. Depois de três derrotas seguidas, o PT se apresentou mais maduro, com o discurso calibrado para agradar a classe média e o mercado. É o início de uma era de campanhas bem-sucedidas, conduzidas por marqueteiros contratados a peso de ouro e financiadas com doações milionárias. A aliança com o PL de Valdemar da Costa Neto, que indicou o empresário e ex-senador José Alencar para vice, mostrava o pragmatismo de quem compreendeu que precisava do centro (e do Centrão) para se eleger e governar.

Felipe Moura Brasil: A mente moralista brasileira

O Estado de S. Paulo.

Para conectar com brasileiros de outras matrizes, urge entender sua configuração mental

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

Denis Lerrer Rosenfield*: O inimigo institucional

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro estendeu a sua noção de inimigo ao Supremo, um pilar da democracia, e não somente ao seu adversário principal na eleição, Lula.

O cenário político brasileiro entrou numa zona cinzenta, de contornos indefinidos, em que o jogo partidário normal está derrapando para o confronto institucional. Não se trata apenas de um embate eleitoral, próprio do jogo democrático, mas sinaliza para algo mais, a saber, a própria existência de instituições democráticas. No momento em que as próprias instituições são questionadas e sua legitimidade é posta em dúvida, a política deriva para uma espécie de não política no sentido clássico do termo, isto é, pode concretizar-se em soluções autoritárias, que se situam fora do cenário propriamente democrático.

A partir da condenação do deputado Daniel Silveira, da base de apoio bolsonarista, pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Bolsonaro aproveitou-se da ocasião para deslanchar toda uma campanha contra o Supremo enquanto instituição, vindo, na sequência, a questionar o processo de apuração da urna eletrônica, chamando as Forças Armadas para si, como se fizessem parte de sua base de apoio, quando são instituições de Estado. Há, claramente, aqui um apagamento de fronteiras constitucionais. Assim se conduzindo, ele tornou o próprio Supremo o seu novo inimigo, o que significa dizer que a própria democracia pode estar a perigo. Note-se que o alvo não é Lula ou outro competidor, mas uma instituição republicana, sem a qual o regime democrático desmorona. O inimigo torna-se institucional.

Irapuã Santana: Educação precisa estar no centro do debate eleitoral

O Globo

As eleições gerais estão se aproximando, e muito debate precisa ser feito no país. Entre tantas divergências ideológicas que temos encontrado, uma pauta importantíssima tem sido deixada de lado, a educação — por não gerar engajamento e exigir trabalho sério, duro e intenso, bem como por ser um fator de aproximação entre os anseios de toda a população brasileira, de qualquer inclinação política.

Todo mundo deseja ter acesso à melhor escola possível. Afinal, o estudo é o principal ponto de combate às mazelas de todas as sociedades planeta afora.

A ideia de que trabalhadores mais qualificados produzem mais e melhor vem, pelo menos, desde Adam Smith, no século XVIII. Além de gerar mais riqueza, diz a economista Ana Carla Abrão, “um país mais educado gasta menos com saúde pública, tem níveis de segurança mais elevados, já que apresenta criminalidade mais baixa”.

Os dados do Brasil mostram uma realidade assustadora. Segundo o economista Leonardo Monastério, do Ipea, nossa escolaridade média é de 7,8 anos. Esse patamar é menor que o do Chile em 1990, da Coreia do Sul em 1985, do Japão em 1975, da Austrália em 1950 e dos Estados Unidos em 1935.

Miguel de Almeida: Carestia que marcou fim do regime militar está de volta

O Globo

Bastam alguns dias de caminhada pelas ruas de Manhattan ou do Brooklyn, em Nova York, com um pit stop estratégico na livraria Strand, para adaptar de Francis Fukuyama uma definição: a democracia brasileira passa por profunda crise cognitiva.

O sociólogo forjou décadas atrás o conceito de “fim da História”, ao ver a derrocada da União Soviética, saudar a prevalência da democracia liberal e a superação do modelo econômico estatista da esquerda marxista. A História, a China e algumas crises, em especial a de 2008, o tornaram motivo de exacerbada desconfiança.

Não sei se Fukuyama conhece a jabuticaba, mas deve estar informado de que a democracia brasileira, desde a derrubada da ditadura, está presa num labirinto incapaz de encontrar o futuro.

Passados mais de 30 anos, talvez por deficiência cognitiva, ainda se digladiam as principais forças que sustentavam e derrubaram o regime militar. O feitiço do tempo faz o país reviver o falso enredo de escolha entre uma extrema direita subserviente ao atraso produtivo e uma velha esquerda corporativa. Ambas se conectam na prática do patrimonialismo de quatro costados e agora estão de mãos dadas perfiladas na defesa de Putin. Portanto cinicamente solidárias à chacina na Ucrânia.

Talvez seja o caso de pensar no atraso tardio da primeira previsão de Fukuyama, não apenas pela incapacidade de não ter ocorrido renovação política no Brasil, mas também pelas ideias envelhecidas escandidas desavergonhadamente pelos dois principais candidatos. O fim da História, como a jabuticaba, é coisa nossa ao permanecer uma visão de desenvolvimento econômico de cepa militar-nacionalista-esquerdista. Um angu da TFP com o MR-8.

Washington Olivetto: Artistas eternizados após vencer guerras e ditaduras

O Globo

Picasso e Matisse atravessaram duas Guerras Mundiais e a Guerra Civil Espanhola sem pegar em armas. Mas jamais largaram os pincéis. Em 1937, Picasso pintou “Guernica”, o maior manifesto contra a violência de todos os tempos. E, no auge da tristeza pela Segunda Guerra Mundial, Matisse criou aquela que talvez seja a sua obra mais alegre, a série “Jazz”.

Artistas, em tempos difíceis, se manifestaram de diferentes maneiras. Alguns criando trabalhos que correram o risco de ser vistos como datados tempos depois; outros, criando obras acusadas de alienadas quando feitas, mas reconhecidas no longo prazo. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e deportados pelos militares do Golpe de 1964, talvez por causa de suas canções, talvez porque seu comportamento anunciava uma revolução estética, que podia anteceder uma revolução política. Apesar da violência que sofreram, nada impediu que, anos depois, compusessem canções de celebração ao prazer, como “Odara” e “Palco”.

Também no período dos militares, Chico Buarque foi convidado a se retirar do país por causa de seus versos contundentes, e Geraldo Vandré foi defenestrado após a catarse provocada pela canção “Pra não dizer que não falei das flores”. Chico voltou tempos depois e continuou perseguido e censurado, a ponto de criar o heterônimo Julinho da Adelaide; e Vandré jamais foi o mesmo depois que voltou (ou continuou o mesmo, segundo outras versões).

Fernando Gabeira: O voto jovem que pesa na eleição

O Globo

Começo a escrever sobre a campanha de 2022 abordando um tema sobre o qual não tenho verdades. Se for esperar clareza cristalina, entretanto, corro o risco de ver a campanha acabar sem tocar nele, na adequação ao tempo de hegemonia digital nas eleições.

Começo pelo que me pareceu o episódio mais importante da campanha na semana passada. Foi o movimento vitorioso de atração de jovens para o primeiro voto, realizado por artistas brasileiros com o apoio de Leonardo DiCaprio. Bolsonaro sentiu o golpe e foi às suas redes sociais pedir que DiCaprio se calasse. Ordens do capitão.

Por coincidência, na preparação para o trabalho do ano, estou lendo o fascinante livro de Hunter S. Thompson sobre a campanha americana de 1972 (“Fear and loathing: on the campaign trail ’72”). Hunter escrevia para a Rolling Stone, e o alvo de sua cobertura eram 25 milhões de jovens, entre 18 e 25 anos. Era um número considerável, esperança para derrotar Richard Nixon. Nixon venceu, Hunter ficou arrasado, mas seu livro tornou-se um best-seller. Foi escrito em quartos de hotéis e precisava mesmo vender porque cobertura de campanha é cara: hotéis, transporte, comida.

Ana Cristina Rosa: 13 razões para não comemorar o 13 de Maio

Folha de S. Paulo

Por que ainda é imprescindível agir para combater o racismo

Na semana em que o país completa 134 anos da abolição da escravatura, elenco 13 razões para não comemorar e pelas quais é imprescindível agir para combater o racismo.

O número corresponde ao dia em que, em maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, negros até então escravizados em território nacional foram relegados à própria sorte —jogados na rua, marginalizados, sem trabalho, sem escola, sem dinheiro, sem direito a direito algum.

"Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho", diz a obra "A integração do negro na sociedade brasileira", do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995).

Algumas razões contemporâneas para não comemorar o 13 de maio:

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A parte da elite que apoia o atraso

O Estado de S. Paulo

Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio

Desde as eleições de 2018, entrou na cena pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro.

A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.