sábado, 14 de maio de 2022

Marco Antonio Villa: Teremos eleições em outubro?

Revista IstoÉ

Os contínuos ataques de Bolsonaro ao Estado Democrático de Direito passaram dos exageros retóricos para a prática antirrepublicana

O Brasil caminha para o mais tenso processo eleitoral desde 1989, quando foram restabelecidas às eleições diretas para a Presidência da República. O clima eleitoral que sempre foi marcado pela esperança da mudança ou da continuidade democrática (como em 1998, 2006 e 2014) se transformou em um ambiente marcado pelo medo, pelo temor de que o livre debate das ideias seja substituído pela força, pela violência.

As eleições de 2018 levaram às Assembleias Legislativas, ao Congresso Nacional e aos executivos estaduais – este em menor conta –, personagens que pouco tinham relação com a política no sentido mais amplo. A renovação, na maioria dos casos, foi desastrosa. O ataque ao que foi chamado de velha política produziu uma onda extremista que adentrou às instituições moldadas pela Constituição de 1988 e envenenou o funcionamento do Estado democrático de Direito.

Pautas reacionárias que até então estavam restritas a grupos extremistas – algo até considerados folclóricos – acabaram assumindo o primeiro plano da cena política. Ocuparam durante meses e meses um tempo precioso que poderia ter sido destinado à discussão e busca de solução dos graves problemas nacionais.

Ricardo Rangel: Amor (à pátria) em tempos de ódio

Revista Veja

No afã de se reeleger, Bolsonaro tenta comprar votos com dinheiro

Quase um terço do eleitorado não quer nem Lula nem Bolsonaro. A terceira via deveria estar decolando, mas parece cada vez mais ancorada no solo. Os responsáveis são a maioria dos pré-candidatos, que via a terceira via como “todos-por-mim”, e seus partidos, que ou querem Bolsonaro por causa dos bilhões do orçamento secreto; ou Lula, que consideram mais confiável; ou preferem usar os bilhões do fundo eleitoral para eleger deputados a arriscar dinheiro em uma terceira via incerta.

Se tivessem mais amor à pátria, pré-candidatos e partidos estariam menos preocupados com seus interesses individuais e mais com o risco que uma escolha entre Lula e Bolsonaro traz para o país. Teriam viabilizado uma aliança viável há tempos. Mas amor à pátria é um produto em falta no mercado.

Se Bolsonaro tivesse amor à pátria, não estaria desmontando a República. Lula faria parte da aliança democrática contra Bolsonaro, em vez de se colocar como figura hegemônica que espera adesão incondicional. Augusto Aras já teria denunciado Bolsonaro, em vez de fazer cara de paisagem a cada nova barbaridade que o presidente comete. Arthur Lira defenderia a República, em vez de engavetar os pedidos de impeachment. Rodrigo Pacheco defenderia a República, em vez de passar pano para Bolsonaro, como quando declarou constitucional o escandalosamente inconstitucional decreto de indulto a Daniel Silveira. Se os militares tivessem amor à pátria, se limitariam a suas atribuições constitucionais, em vez de se imiscuírem na política e ajudarem o chefe a tumultuar o processo eleitoral.

Demétrio Magnoli: Polarização à brasileira

Folha de S. Paulo

No país, essa é forma de descrever a dinâmica do antipetismo

"A hiperfragmentação e o baixíssimo partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização", escreve Marcus Melo (Folha, 8/5). Segundo a sua análise, aguda e instigante, EUA e Brasil seriam casos paralelos de "recrudescimento recente" da polarização política. A tese, contudo, transita por um argumento que contém a semente de sua própria refutação: por aqui, predomina um "partidarismo negativo assimétrico, envolvendo apenas o PT".

Polarização, na política, é o fenômeno de cisão binária da sociedade. Classicamente, tende a verificar-se em sistemas bipartidários, como o dos EUA, mas pode ocorrer em sistemas multipartidários marcados pelo antagonismo entre dois partidos principais. No Brasil, polarização é termo ilusório: uma forma de descrever (e ocultar) a dinâmica do antipetismo.

A tormenta política do quadriênio 2014-2018 arrastou o PSDB à irrelevância, mas não teve efeito similar sobre o PT. Nesse sentido, serviu para provar que o PT é o único partido nacional com extensas bases sociais. A força aparente dos candidatos tucanos que alcançaram o segundo turno entre 2006 e 2014 não exprimia uma adesão ideológica ao PSDB, mas veiculava o antipetismo. Bolsonaro chegou ao Planalto sob o impulso da mesma correnteza, convertida em incontrolável torrente.

Cristina Serra: Força, Rubens Valente!

Folha de S. Paulo

Jornalistas abriram uma campanha na internet para ajudá-lo

Sentença do STF contra o jornalista Rubens Valente, já em fase de execução, deve alarmar todos os que se preocupam com a qualidade da nossa democracia. Em 2014, Valente publicou o livro-reportagem "Operação Banqueiro" (Geração Editorial), sobre a prisão de Daniel Dantas, do banco Opportunity, em 2008, por supostos crimes financeiros.

Nos desdobramentos da Operação Satiagraha, Gilmar Mendes, então presidente do STF, concedeu dois habeas corpus a Dantas, em 72 horas, livrando-o da cadeia. O livro traz um capítulo sobre o magistrado e sua atuação no caso. Valente pediu entrevista ao ministro algumas vezes. Nunca foi atendido. Quando a obra foi publicada, Mendes entrou com uma ação na Justiça por danos morais.

O juiz da primeira instância Válter Bueno de Araújo deu vitória ao jornalista. Considerou que o livro não tem intuito "difamatório" e que o autor não faltou com a verdade. Gilmar Mendes recorreu às instâncias superiores até chegar ao STF, onde obteve vitória definitiva na Primeira Turma. Votaram a favor do colega: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello (antes da aposentadoria).

A decisão surpreende pelo calibre intimidatório. Determina indenização de R$ 310 mil ao ministro e, em caso de reedição da obra, que seja incluída a petição inicial de Gilmar Mendes e a sentença condenatória, algo como 200 páginas a mais, em evidente violação do direito autoral.

Alvaro Costa e Silva: Pague o Pix e dê o golpe

Folha de S. Paulo

Orçamento secreto libera Bolsonaro e generais para agir

O repórter Patrik Camporez contou que em outubro de 2021 o Ministério da Defesa, então chefiado pelo general Braga Netto —vice de Bolsonaro na chapa da reeleição—, liberou recursos do orçamento secreto para a construção da primeira capela funerária de São Félix do Araguaia, no interior de Mato Grosso. Para imitar o Odorico Paraguaçu de "O Bem- Amado", a prefeita Janailza Taveira recebeu R$ 400 mil; outros R$ 2 milhões da Defesa deveriam asfaltar a cidade de 12 mil habitantes.

São Félix precisa de asfalto. Velar os mortos mal não faz. Mas a concentração dos repasses —ainda não totalmente mapeados— em 7% dos 5.570 municípios do país demonstra a inexistência de critério técnico. Valem os interesses do centrão.

No ano passado, o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar, movimentou R$ 460,2 milhões; a senadora Eliane Nogueira, mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, R$ 399,2 milhões. Na cornucópia da fortuna, Arthur Lira, presidente da Câmara, representou R$ 276, 8 milhões; Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, R$ 180,4 milhões.

Vera Rosa: Tucano histórico declara apoio a Lula no 1º turno

O Estado de S. Paulo

O ex-chanceler Aloysio Nunes está convencido de que não existe espaço para a terceira via nas eleições e vai apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno da disputa ao Planalto. Integrante da velhaguarda do PSDB, Aloysio avalia que o ex-governador de São Paulo João Doria não tem como emplacar sua pré-candidatura e já foi rifado pelo partido.

Sob o argumento de que estamos diante de “uma situação catastrófica”, o ex-ministro das Relações Exteriores e da Justiça vai além: diz ser preciso criar um amplo movimento em torno de Lula, desde já, para derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL).

“O segundo turno já começou e eu não só voto no Lula como vou fazer campanha para ele no primeiro turno”, afirmou Aloysio. “Não existe essa terceira via. Só existem duas: a da democracia e a do fascismo. Se quisermos salvar o Brasil da tragédia de Bolsonaro, teremos de discutir o que vamos fazer juntos”, insistiu ele.

Diante do isolamento de Doria, a tendência de tucanos históricos, como José Aníbal e Arthur Virgílio, por exemplo, é aderir à campanha de Lula. A expectativa é em relação ao momento em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso seguirá o mesmo caminho. Aloysio puxou a fila.

Em conversas reservadas, Lula já disse que, se for eleito, pretende chamar expoentes do PSDB para compor o governo e ocupar ministérios. O Estadão apurou que o nome de Aloysio está na lista, mas ele diz nunca ter tratado do assunto.

João Gabriel de Lima: Faça política, não faça guerra

O Estado de S. Paulo

Para atrair os jovens, os políticos precisam criar um debate mais civilizado

Num momento em que 2 milhões de cidadãos jovens se tornam aptos a votar nas eleições de outubro, é fundamental ler a pesquisa “Juventudes e Democracia na América Latina”, patrocinada pela rede filantrópica Luminate. Ela quebra vários clichês a respeito do assunto. O principal deles é que os jovens não gostam de política, não querem participar e são céticos quanto à democracia.

“Os jovens querem, sim, participar”, diz a cientista política Camila Rocha, uma das coordenadoras da pesquisa, ao lado da socióloga Esther Solano. “O problema é que muitos deles veem a política como uma guerra, onde opinar pode significar perder o emprego ou brigar com a família”, diz Camila Rocha, entrevistada no minipodcast da semana. Eis uma das conclusões importantes da pesquisa: para atrair os jovens, os políticos precisam criar um debate mais civilizado.

Adriana Fernandes: O País dos dois dígitos

O Estado de S. Paulo

Representantes do mercado têm apoiado propostas, mas ainda mantêm ceticismo sobre o PT

O mercado tenta encontrar junto aos interlocutores do PT as linhas-base do projeto econômico para enfrentar o que os formuladores do partido chamam da herança do País de “dois dígitos” do governo Bolsonaro: desemprego (11,1%), inflação em 12 meses (12,13%) e juros (12,75%).

Hoje, nenhum dos interlocutores fala oficialmente em nome do ex-presidente Lula. A orientação é escutar as demandas do mercado, com a liberdade de emitir opiniões pessoais sobre os temas levantados nas reuniões. Alguns temas têm aparecido de forma recorrente nas reuniões, e algumas falas estão sendo bem recebidas pelo mercado, segundo apurou a coluna.

O anúncio da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, de manutenção do Roberto Campos Neto no BC retirou a tensão sobre a política monetária em um terceiro mandato de Lula. Sinalizou simultaneamente a manutenção de um presidente do Banco Central bem-visto pelo mercado e o respeito ao atual arcabouço legal, sem rupturas.

No tema fiscal, a ênfase dada é de que o teto foi derrubado pelo próprio presidente Bolsonaro com tudo que foi feito no campo dos precatórios, orçamento secreto e medidas fura-teto. A política proposta é enfrentar à “luz do dia” o debate da qualidade dos gastos focando nas despesas que fazem mais sentido na construção de uma trajetória do endividamento crível ao longo do tempo, garantindo que as receitas e PIB crescerão mais do que a dívida.

Ascânio Seleme: A hora civil

O Globo

Fachin, fisicamente o mais frágil dos ministros do STF, mostrou que fardas, botas, tanques e fuzis não o amedrontam

mensagem do ministro Edson Fachin não podia ser mais clara e direta, “quem trata de eleições no Brasil são as forças desarmadas”. A Justiça Eleitoral não abrirá mão de suas obrigações constitucionais, disse o presidente do TSE. E para isso existe uma única e objetiva razão. Tudo está sob controle: a máquina funciona, o eleitor se expressa, o eleito assume, e a democracia se revigora. O resto é conversa de malucos e golpistas. O discurso de Fachin será balizador das eleições deste ano. E a sua imagem, no momento da fala, com seus cabelos brancos e seu sóbrio terno preto, é a imagem civil. Ele representa as forças civis que vão administrar as eleições e proclamar seus resultados em outubro.

Escrevi aqui na semana passada que o golpe imaginado por Jair Bolsonaro vai ser derrotado pela sociedade civil desarmada que irá às urnas em outubro eleger presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Sem armas, apenas com o voto, os brasileiros terão o poder de despachar para a casa, e talvez para a cadeia, os golpistas que se formam em torno do presidente. Barulho e bagunça devem ocorrer de qualquer modo, mas não terão vigor nem apoio suficiente para sublevarem a nação.

A hora é civil, expressou o ministro Fachin, que logo foi secundado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Num pronunciamento na Bahia, Pacheco disse que “é preciso fortalecer as instituições e a democracia de atentados nocivos”. Falava diretamente ao presidente Jair Bolsonaro e aos generais que o cercam e alimentam suas alucinações no Palácio do Planalto. Segundo Gerson Camarotti, comentarista da GloboNews, num jantar na noite de quinta com ministros do Supremo, Pacheco disse que não deixará o STF isolado. O que isso significa? Significa que ele vai se levantar sempre que o tribunal for ameaçado.

Mesmo o liso Arthur Lira deu declarações esta semana defendendo as urnas eletrônicas e o processo eleitoral brasileiro. Sabe que se a onda antiurnas de Bolsonaro prosperasse, ele e sua turma também perderiam.

Pablo Ortellado: Fanatismo contraproducente

O Globo

Uma parte dos eleitores mais vocais de Lula tem demonstrado grande intolerância com quem titubeia em votar no ex-presidente. Os hesitantes, em vez de ser persuadidos e acolhidos, são tratados com desprezo, chamados de irresponsáveis ou ridicularizados. Se a campanha não contiver o comportamento irracional da militância, esses votos potenciais virarão votos nulos ou, pior, irão para Bolsonaro.

Dois episódios nesta semana mostraram a disposição intolerante dos lulistas. O primeiro foi a enorme pressão sofrida pelos eleitores de Ciro Gomes para que mudem o voto e para que o pedetista suspenda as críticas a Lula.

Uma pesquisa divulgada na quarta-feira mostrou que, num cenário sem Ciro, Lula obteria mais da metade dos votos, vencendo no primeiro turno. A pressão da militância lulista foi dupla: por um lado, pressionaram Ciro a abandonar a candidatura, para resolver a disputa mais cedo, de forma definitiva e menos questionável. O pedetista respondeu que, se Lula abandonar a disputa, ele também vence Bolsonaro no primeiro turno, como mostrara outra pesquisa em março.

Eduardo Affonso: Nota de obscurecimento

O Globo

No lançamento da candidatura Lula-Alckmin, alguém alertou: — Quero fazer um escurecimento ou esclarecimento. Como nós respeitamos as leis, a legislação e as instituições, é importante avisar e deixar claro ou escuro que hoje nós não estamos lançando candidatura. Nós estamos lançando, sim, um movimento.

Faltou respeitar o bom senso.

“Claro” é tudo o que seja fácil de ver ou ouvir. “Esclarecer” é trazer à luz, tornar evidente. A substituição de “claro” por “escuro” (do latim obscurus: sombrio, com pouca luz, incerto) faria parte da luta contra a linguagem, entendida como ferramenta para a disseminação do racismo (ao associar branco/claro a algo positivo, e preto/escuro ao seu oposto).

Sim, a língua é dinâmica. Mas não há dinamismo que inverta da noite para o dia o significado de uma palavra ou subverta um conceito ancestral.

Carlos Alberto Sardenberg: O Banco Central que alimenta incertezas

O Globo

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) colocou a “incerteza fiscal” como uma das causas da deterioração do quadro econômico, incluindo aqui a inflação elevada. Incerteza fiscal é a expressão neutra para designar bagunça nas contas do governo, tanto hoje, com a disparada dos gastos, quanto a expectativa de que a coisa pode piorar.

O Copom disse isso na terça-feira passada, na ata em que explicou por que havia elevado a taxa básica de juros para 12,75% ao ano. Dois dias depois, na quinta, o próprio BC contribuiu para aumentar essa incerteza.

A diretoria do banco encaminhou ao Ministério da Economia uma proposta de Medida Provisória que fixava em 22% o reajuste salarial dos seus funcionários — e de mais de 65% para os diretores, inclusive seu presidente, Roberto Campos Neto.

Isso no momento em que o governo Bolsonaro, em mais uma de suas lambanças, tenta arranjar um jeito de dar 5% para todo o funcionalismo federal. É lambança porque o presidente prometera muito mais, mas só para os policiais, promessa que provocara a ira das demais categorias.

O BC, cuja independência foi fixada em lei, passou a ter também uma espécie de autonomia salarial, ou seja, seu funcionalismo segue regras próprias. Assim, disfarçando a medida de reorganização de carreiras, a diretoria achou que não tinha nada demais em pedir os 22%. O reajuste para a diretoria estava nessa mesma MP.

Até fazia sentido. Com BC independente e, pois, fora da estrutura do governo federal, o presidente do banco perdeu a posição de ministro de Estado, e seu salário caiu para a metade. A ideia era simplesmente repor o valor anterior. Mas justo agora, quando uma das causas da incerteza fiscal é justamente a dúvida sobre o gasto com o a folha salarial do governo central?

Ricardo Henriques: Auxílio Brasil é retrocesso

O Globo

Programa escorrega no assistencialismo e perde virtudes essenciais do Bolsa Família. Tornou-se versão mais injusta e ineficiente

O Brasil enfrenta hoje uma crise social das mais graves em toda a sua História. Políticas públicas intersetoriais e focalizadas no combate à pobreza são instrumentos fundamentais para contornar esse quadro.

O primeiro passo para essa agenda ser efetiva é um programa de transferência de renda que reduza a pobreza e diminua sua reprodução intergeracional. Felizmente, já tivemos um programa eficaz: o Bolsa Família.

Deveríamos aproveitar a experiência acumulada, corrigir eventuais falhas e avançar para um desenho que atenda aos desafios atuais. O Programa Auxílio Brasil, no entanto, se mostra um retrocesso frente ao seu antecessor.

Pedro Ferreira de Souza e coautores, em artigo publicado pelo Ipea em 2019, concluíram que o Bolsa Família consegue fazer muito com recursos orçamentários modestos.

 Eles apontam que, entre 2001 e 2015, o grande mérito do programa foi justamente a qualidade de sua focalização, para além da sua efetividade na redução da pobreza (15%) e extrema pobreza (25%).

Marcus Pestana*: A urna eletrônica e a roda d’água

Em 1949, foi lançado o livro “Coronelismo, enxada e o voto” de Victor Nunes Leal, que se tornou clássico da ciência política brasileira. O autor descreve o ambiente social, administrativo, econômico e político que propiciou a emergência do coronelismo durante o Império e a República Velha. O mando local dos coronéis, cacifados pela concentração de poder e das ferramentas econômicas, maculava a “democracia brasileira”. As eleições eram totalmente manipuladas. Não votavam analfabetos, escravos e mulheres. Ou seja, a maioria não participava do sistema político. O voto era aberto. E o trabalhador ou profissional liberal que não acompanhasse a orientação do coronel local certamente sofreria retaliações.

O eleitorado era tratado como rebanho. Daí veio o nome “voto de cabresto”. Não havia liberdade de organização, opinião e mobilização. Os sistemas policial e judiciário eram dominados pelo espírito partidário e constituíam instrumentos básicos de sustentação do poder dos coronéis.

Com a Revolução de 1930, mudanças foram introduzidas. Além da centralização de poder esvaziando o poder dos coronéis locais, o voto secreto e o direito ao voto das mulheres foram introduzidos pelo Código Eleitoral de 1932, decretado por Vargas. E incorporados à Constituição de 1934. Os analfabetos, que infelizmente eram milhões no Brasil, só foram incluídos por uma Emenda Constitucional em 1985, já na Nova República. Como se vê democracia para valer só tivemos no Brasil no atual ciclo político da redemocratização.

George Gurgel de Oliveira*: Brasil (in)sustentável: a agroecologia em questão. Quais os desafios?

A escolha de uma determinada política pública em qualquer sociedade é uma opção política, com reflexos econômicos, sociais e ambientais.

Como desenvolver estratégias e ações para a construção de uma política agrícola no Brasil que seja integrada nacionalmente e descentralizada a nível regional, que tenha a sustentabilidade econômica, social e ambiental como fundamentos e razão de ser?

O texto a seguir procura analisar a realidade atual da produção agroecológica no Brasil, aqui considerada como parte integrante da política agrícola brasileira e os seus desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais.

 Os velhos e novos desafios de uma política agrícola sustentável   

A hegemonia do capital financeiro em detrimento da produção e do bem estar social e os seus reflexos no mundo do trabalho e da cultura, a partir dos anos 70 do século passado, vem atingindo de maneira drástica a realidade cotidiana de toda a humanidade, de forma insustentável. Aumenta a fome, a precarização do trabalho, da saúde, da segurança pública e da mobilidade urbana, impactando o cotidiano e a qualidade de vida das pessoas, sob os efeitos das mudanças climáticas, em um mundo ainda em pandemia, desnudando e aprofundando a crise do padrão de produção e consumo dos alimentos no Brasil e no mundo.

Evidencia-se, portanto, a interdependência entre sustentabilidade e as opções de política econômica e seus reflexos na realidade social e na preservação do meio ambiente em sí e as demandas alimentares – ainda com a fome e a desnutrição assolando a sociedade mundial e brasileira, colocando com a urgência devida, no caso do Brasil, a discussão da atual política agrícola e o papel da agroecologia neste contexto.

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

Editoriais

Governo Bolsonaro fracassou na reforma tributária

O Globo

A movimentação no Congresso para tratar de temas tributários a cinco meses do pleito de outubro é exatamente o que parece: malabarismo eleitoreiro. A reforma tributária de que o Brasil carece e que merece é ampla, não um punhado de improvisos. E gambiarra é justamente o que está sobre a mesa. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer apenas ver aprovado na Câmara um novo refinanciamento de dívidas com a Receita (Refis) de sua própria autoria, já chancelado pelo Senado.

O programa seria, nas palavras de Pacheco, um respiro para as empresas que passaram por dificuldades durante os períodos mais duros da pandemia. Em troca, o presidente do Senado tentaria dar andamento à reforma do Imposto de Renda aprovada na Câmara e travada por senadores. Aproveitando a oportunidade, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a defender uma reforma tributária “enxuta”, com o discurso de que é preciso reduzir o peso dos impostos sobre as empresas.

É até bem-vinda a intenção de trazer fôlego ao setor produtivo, mas a verdade é que o governo Bolsonaro e o atual Congresso fracassaram na missão de tornar o sistema tributário mais racional, justo e simples. Uma reforma que mereça esse nome demandaria lideranças dispostas a comprar brigas em nome do que é melhor para o país. Exigiria contrariar interesses de quem se beneficia do caos atual e investe dinheiro para se fazer ouvir. Por fim, requereria tempo e apoio político disponíveis no início de um mandato. Por uma mistura de desconhecimento da importância do tema e incompetência, Bolsonaro ignorou tudo isso.

Uma negociação para unificar impostos municipais, estaduais e da União já estava avançada no Congresso, mas o governo decidiu priorizar uma estratégia tímida e gradual. Foi um erro. E não foi o único. A proposta apresentada pelo Ministério da Economia criava novas distorções. Para reduzir tributos sobre o lucro, pensou-se em restabelecer a cobrança de impostos sobre dividendos, mas mantendo isenções e privilégios que tornam a tributação brasileira regressiva. Na Câmara, o que começou ruim ficou pior.